Por que este é o CEO mais odiado dos EUA
Martin Shkreli, do laboratório Turing, enganou investidores e aumentou o preço dos remédios em 5.000%
EXAME Hoje
Publicado em 20 de julho de 2017 às 14h33.
“Eu espero ver você e os seus quatro filhos sem teto. Vou fazer tudo o que puder para que isso aconteça. A arrogância do seu marido é irritante, e fazer de mim um inimigo é um erro.”
Essas frases estavam numa carta apresentada ao júri na quarta-feira 19, no julgamento do empresário farmacêutico Martin Shkreli. Ela foi enviada em 2012 à mulher de Tim Pierotti, que geria um fundo de investimentos criado por Shkreli – a quem ele acusava de lhe ter surrupiado 1,6 milhão de dólares.
Não é de causar surpresa o tom usado por Shkreli na carta. Desde 2015 ele é famoso por seu caráter, digamos, brusco. Como sócio-fundador do pequeno laboratório Turing, Shkreli passou a ser chamado de “o CEO mais odiado dos Estados Unidos”, depois de ter comprado os direitos de produzir o remédio Daraprim e, no dia seguinte, ter aumentado seu preço em mais de 5.000%, de 13,50 para 750 dólares – cada pílula. (No Brasil, uma caixa de Daraprim, um remédio para combater toxoplasmose e importante para pacientes com o vírus HIV, custa por volta de 9 reais– a caixa, com cem comprimidos.)
Na ocasião, Shkreli virou o símbolo máximo de uma indústria vista como predadora: com a crescente dificuldade de emplacar drogas novas, há alguns anos os laboratórios têm apostado em aumentos de preços muito acima do razoável, para os remédios com público cativo (justamente os pacientes que menos alternativas têm).
Shkreli era uma exceção entre os executivos. Pego no pulo com seu aumento para lá de exagerado, em vez de pedir desculpas ele declarou, em várias entrevistas na mídia, que se arrependia… de não ter aumentado ainda mais o preço. Obviamente, provocou uma onda de ódio. Para completar, ele ainda foi expulso do Twitter, por ter perseguido uma jornalista com comentários típicos de assédio sexual.
Mas não é por causa desses casos que ele está sendo julgado. Shkreli é acusado de ter fraudado investidores em atividades anteriores, especificamente dois fundos de investimentos que criou e uma empresa farmacêutica da qual foi CEO antes de fundar a Turing.
De acordo com os promotores, Shkreli montou um esquema de pirâmide nos fundos MSMB Capital e MSMB Healthcare. Em um determinado momento, ele dizia que seus fundos tinham 100 milhões de dólares, quando eles valiam, na verdade 33 centavos de dólar. Negativos.
Grande parte do dinheiro ele perdeu com investimentos ruins, embora garantisse que o desempenho dos fundos era muito melhor que o do índice S&P 500. Mas outra parte ele usou para fundar o laboratório Retrophin.
Pressionado pelos investidores de seus fundos, ele lhes prometeu devolver o dinheiro, com ações da Retrophin. Então desviou do laboratório 11 milhões de dólares.
Um crime sem vítimas
Uma peculiaridade do caso é que não há vítimas. Depois de vários meses de pressão (que culminaram com as queixas às autoridades) Shkreli de fato devolveu o capital que tomou dos investidores, e multiplicado por fatores elevados. Um dos investidores, que tinha aportado 300.000 dólares, saiu com 3 milhões de dólares. Outro, que havia aportado 1,25 milhão, ficou com 1,6 milhão em dinheiro mais 3 milhões em ações.
Mesmo assim, houve crime. Shkreli produziu relatórios mentirosos, o que é contra a lei, usou seus recursos para fins que não estavam acordados e fraudou sua própria companhia para pagar dívidas anteriores. Levando tudo em conta, ele pode ser condenado a até 20 anos de prisão.
(Num desses esquemas de movimentação de dinheiro, Shkreli mandou Pierotti comprar ações da Retrophin, depois vendê-las e comprá-las de novo várias vezes, para dar a impressão de que estavam com alta procura e tornar os papéis mais valorizados. O truque deu tão certo que Pierotti, ao final da história, não quis devolver o que tinha comprado.)
Este não deveria ser um caso tão complicado. Mas Shkreli tem contra si dois fatores. O primeiro é a forte disposição dos promotores de mostrar que a Justiça funciona também para figuras proeminentes de Wall Street.
“Se Shkreli for absolvido, queixos vão cair”, disse ao jornal Washington Post o advogado James Goodnow, especializado em defesa de corporações. “Dado o tempo e a quantidade de recursos devotada ao caso, uma vitória da defesa seria um grande embaraço para os promotores.”
O segundo fator contra Shkreli é sua fama. Ela é tão ruim que, para começar o julgamento, no final de junho, foram necessários dois dias para conseguir selecionar jurados que já não estivessem predispostos a condená-lo. “A única coisa sobre a qual eu seria imparcial seria para qual cadeia ele seria enviado”, disse um dos candidatos, obviamente rejeitado.
Como não há jeito de desfazer a imagem de Shkreli, a estratégia da defesa é abraçá-la. O argumento de seus advogados é que Shkreli, um filho de imigrantes da Albânia e da Croácia que foi criado em um lar pobre no Brooklin, sempre foi “esquisito”. Mas os investidores sabiam disso – consideravam-no meio autista, questionavam sua sexualidade, e ao mesmo tempo adoravam sua genialidade.
A ideia é pintar os investidores não como vítimas, mas como tubarões que usaram Shkreli sabendo de suas características estranhas.
O próprio Shkreli ajuda a reforçar essa linha. Nos primeiros dias de julgamento, foi à procura dos repórteres para falar mal dos promotores. “Acho que o mundo me culpa por quase tudo de ruim”, disse, antes de ser chamado para fora da sala por seu advogado.
Admoestado pelo juiz do caso, Shkreli passou a se comportar de modo ausente no tribunal, praticamente sem reagir durante as sessões. Suas atitudes indicam que ele está alheio ao perigo que corre.