Produção de veículos: faltam peças na cadeia de fornecedores (Rodolfo Buhrer/Reuters)
Juliana Estigarribia
Publicado em 28 de outubro de 2020 às 06h00.
Última atualização em 28 de outubro de 2020 às 09h30.
Mesmo com a queda drástica das vendas de veículos e o consequente aumento da ociosidade das montadoras em meio à pandemia, o consumidor vem notando a falta de algumas versões de modelos de grande volume no mercado brasileiro. Muito além do aumento súbito da demanda dos fornecedores, que não estão conseguindo dar conta dos pedidos devido à crise econômica, o problema mostra novamente a fragilidade dos elos da cadeia automotiva no país.
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Segundo apurou a reportagem da EXAME, principalmente as versões de modelos compactos de entrada estão em falta em algumas praças do mercado.
Com a pandemia, muitos fornecedores decidiram reduzir -- ou até zerar -- os estoques de peças diante da falta de horizonte de retomada do mercado. No entanto, com o aumento súbito e inesperado das vendas, hoje as montadoras enfrentam gargalos para manter os níveis de produção.
Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), afirma que as montadoras vêm avaliando constantemente qual é a nova demanda do mercado em meio à pandemia.
Segundo o dirigente, o mix de produtos precisou ser modificado para atender às novas necessidades do consumidor. Comerciais leves como picapes tiveram um aumento das vendas, voltadas para o agronegócio, assim como veículos pesados para o setor de commodities agrícolas.
"Essa leitura mais assertiva do mix de produtos é importante, uma vez que as empresas do setor não vão trabalhar com tanto estoque", diz Moraes. Nos modelos de maior volume, porém, isso acaba afetando as entregas ao redor do país.
Segundo Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, as fortes incertezas da pandemia dificultaram o exercício de projeção da retomada. Com a recuperação acima do esperado -- em boa parte devido ao auxílio emergencial --, muitas empresas viram a demanda subir rapidamente. Porém, nem todas estavam preparadas e muitas não tinham acesso a capital.
"Muitos fabricantes reduziram estoques para não deixar capital parado. Além disso, houve uma desorganização das cadeias globais de produção e o retorno é desigual, alguns setores vão sair na frente e isso gera gargalos ao longo da cadeia", diz o especialista.
Ele acrescenta que, embora os gargalos sejam momentâneos, o problema deve persistir até o final do ano.
"A cesta de consumo das famílias está diferente e as empresas têm dificuldades para estimar a demanda. Os empresários não vão acelerar os estoques com risco de ficar com capital de giro parado", diz o economista, acrescentando que há uma assimetria muito grande na cadeia automotiva. "Muitos não conseguem nem repassar custos. A situação só deve começar a normalizar no começo do ano que vem."
De acordo com o Sindipeças, sindicato que reúne os fabricantes de autopeças, neste ano o setor deve perder 26.200 postos de trabalho, totalizando cerca de 228.100 funcionários. A estimativa é de queda de 26,2% do faturamento, para 111,4 bilhões de reais.
Tanto as exportações quanto as importações devem recuar acima de 20%, mostrando que não só a receita vai cair, como a disponibilidade de estoques no mercado doméstico.
Mesmo com a retomada da produção das montadoras, em agosto a utilização da capacidade instalada das empresas de autopeças atingiu 65,6%. Isso acontece pouco tempo depois de uma outra grande crise: o setor mal se recuperou do tombo de 2014 a 2016 e já se vê novamente sem fôlego.
Em entrevista recente à EXAME, Pablo Di Si, presidente da Volkswagen no Brasil, alertou para os riscos na cadeia automotiva.
"As empresas têm pouco caixa e se uma parte da cadeia for à falência, todo o sistema cai junto", disse o executivo.
Antonio Filosa, presidente da Fiat Chrysler Automobiles, também alertou para o problema. O executivo afirmou à EXAME recentemente que, embora a pandemia tenha atingido todas as empresas do setor, os fornecedores de pequeno e médio porte devem sofrer de maneira mais intensa, como já aconteceu em outras crises econômicas.
“A situação de caixa de toda a indústria está bastante comprometida. O problema é generalizado, mas é claro que existem empresas mais vulneráveis”, disse Filosa.
Para piorar o quadro, a expectativa é que as próprias montadoras trabalhem com estoques menores. "O crescimento dos últimos dois meses é importante, mas está muito aquém do que precisávamos para reduzir a ociosidade. A indústria vai manter o estoque justo para não ficar muito estocado na virada do ano. A questão do capital de giro é muito importante", diz o presidente da Anfavea.