Por que a Meta quer cobrar uma mensalidade de quem quiser ver o Facebook ou o Instagram sem anúncios
A publicidade direcionada revolucionou os negócios de mídia e fez da Meta uma das empresas mais valiosas do mundo, mas trouxe desafios à empresa fundada por Mark Zuckerberg. Entenda por que ele cogita investir em assinaturas
Bloomberg Businessweek
Publicado em 20 de outubro de 2023 às 06h00.
Por Max Chafkin, da Bloomberg Businessweek
De certa forma, a Meta é uma empresa complicada. Ela comanda uma coleção cada vez maior de aplicativos de mídia social:
- Messenger
- Threads
- e o aplicativo de realidade virtual Horizon Worlds.
Ela vende fones de ouvido para jogos, óculos de sol inteligentes e software de produtividade empresarial. Também opera avançados laboratórios de pesquisa que desenvolvem inteligência artificial de última geração e novos tipos de interfaces de computador.
Mas quando se trata de como a Meta realmente paga por tudo isso, a história é muito mais simples. Quase toda a receita da empresa — 98,4% no trimestre mais recente — vem de uma única fonte: publicidade personalizada.
A publicidade direcionada revolucionou os negócios de mídia, fez da Meta uma das empresas mais valiosas do mundo e deu ao cofundador, Mark Zuckerberg, o tipo de renda disponível (patrimônio líquido, de acordo com o Bloomberg Billionaires Index (Índice Bloomberg de Bilionários): cerca de US$ 120 bilhões) que lhe permitiu criar sua imagem como importante filantropo e lutador de artes marciais nas horas livres.
Os usuários reclamam regularmente que esse tipo de publicidade assusta e perturba e que as operações que consomem muitos dados que a apoiam apresentam algumas desvantagens.
O rastreamento de anúncios faz com que os usuários disponibilizem informações privadas, muitas vezes sem perceber, e os algoritmos de recomendação de conteúdo que mantêm todos navegando pelos anúncios tendem a deixá-los irritados e mal informados no processo.
E assim, desde que existam meios de comunicação social, um fluxo constante de críticas tem argumentado que todo o sistema funcionaria melhor se as pessoas pudessem pagar pelos serviços que utilizam, em vez de concordarem com o rastreio e a segmentação.
O que está sendo planejado pela Meta
A Meta nunca levou esse argumento a sério — e por que o faria, se o sistema que a empresa construiu tem funcionado de maneira tão fantástica? Agora a empresa está sendo forçada a fazê-lo, como resultado de uma decisão judicial na Europa neste verão, que exige que ela obtenha consentimento antes de exibir anúncios personalizados aos usuários.
De acordo com o Wall Street Journal, a Meta disse aos reguladores da União Europeia que dentro de meses planeja cobrar dos usuários da UE cerca de 13 euros (US$ 14) por mês pelo acesso a uma versão sem anúncios do Facebook em seus celulares e 6 euros (US$ 7) pelo Instagram.
Os concorrentes estão trabalhando em ofertas semelhantes. Tanto o TikTok quanto o Snapchat estão testando versões sem anúncios de seus serviços. E Elon Musk, proprietário do X (também conhecido como Twitter), provocou “uma assinatura com preço mais alto que permite zero anúncios” em um post no início deste ano.
Isso provavelmente custaria substancialmente mais do que o atual plano premium do X, que começa em US$ 11 por mês quando comprado por telefone e reduz o número de anúncios pela metade.
Numa reunião com os banqueiros da empresa em 5 de outubro, a CEO Linda Yaccarino sugeriu que o X criaria três níveis diferentes de serviços, com preços maiores à medida que menos anúncios fossem exibidos.
Qual é a viabilidade do plano
Será que mídias sociais sem anúncios podem dar certo? Provavelmente não. Se a opção sem anúncios da Meta fosse oferecida nos EUA, o preço europeu se traduziria em cerca de US$ 240 por ano, tornando o Facebook e o Instagram mais caros do que alguns planos de telefonia celular, assinaturas de jornais e inscrições em academias.
Eles também custariam cerca de duas vezes mais do que o nível premium atual do X, que atraiu apenas uma pequena porcentagem da base de usuários da empresa.
É possível persuadir os usuários a experimentar um serviço sem anúncios com preços mais razoáveis, mas é improvável que as empresas estejam dispostas a baixar seus preços o suficiente para descobrir isso, afirma Jonathan Zittrain, professor da Faculdade de Direito de Harvard e codiretor do o Instituto para Reinicializar as Mídias Sociais, do Centro Berkman Klein para a Internet & Sociedade de Harvard.
"As receitas das plataformas online baseadas em publicidade direcionada são surpreendentes", diz ele.
Em 2022, a Meta obteve receitas de cerca de US$ 117 bilhões e arrecada cerca de US$ 220 por usuário por ano nos EUA e no Canadá com a venda de anúncios, de acordo com estimativas de analistas compiladas pela Bloomberg. Diz Zittrain: "Será difícil substituir publicidade pelas taxas de assinatura, especialmente quando as pessoas estão acostumadas com a gratuidade".
A Meta sinalizou que o novo serviço sem anúncios tem como objetivo mais apaziguar os reguladores do que atrair usuários. Quando Zittrain o entrevistou em um evento em Harvard em 2019, Zuckerberg disse que "todos os dados que vi sugerem que a enorme, enorme, enorme maioria das pessoas deseja ter um serviço gratuito", acrescentando que acreditava que os usuários do Facebook preferiam ver anúncios a navegar no site sem eles. "As pessoas gostam de poder obter informações de empresas locais", disse ele.
A Meta reiterou essa opinião quando solicitada a comentar sobre o novo serviço europeu. A empresa "acredita no valor dos serviços gratuitos apoiados por anúncios personalizados", afirmou em comunicado. "No entanto, continuamos a explorar opções para garantir o cumprimento dos emergentes requisitos regulatórios".
Zuckerberg pode se resignar a oferecer uma cara versão do Facebook, sem anúncios, que apenas algumas pessoas usarão; o que ele não está disposto a abrir mão é do tipo de rastreamento detalhado e personalização que tornou seus aplicativos tão lucrativos.
Hoje, o software da Meta está incorporado na maioria dos grandes sites (e em muitos pequenos) e monitora os usuários para tentar descobrir em quais tópicos eles estão interessados e em quais produtos navegaram.
A empresa combina essas informações com os dados que já coleta sobre o comportamento de cada usuário no Facebook e no Instagram para construir perfis detalhados, que os anunciantes podem então essencialmente alugar para veicular anúncios hiper personalizados a clientes em potencial. (É possível cancelar parte dessa personalização, mas a Meta não facilita essa mudança.)
Por que a Meta depende do monitoramento online
Os defensores da privacidade reclamaram que os usuários realmente não se dão conta de quanta informação estão cedendo quando entram em contato com os produtos da Meta. Em parte, é por isso que, em 2018, a UE exigiu que muitas empresas locais pedissem aos clientes que concordassem antes de começarem a receber anúncios personalizados.
Mas a personalização está no centro do modelo de negócios da Meta — e é a razão pela qual a empresa pode obter taxas de publicidade muito maiores do que as da maioria dos websites. "Ser capaz de rastrear comportamentos na Internet é o que dá poder a empresas como a Meta", diz Alessandro Acquisti, professor da Universidade Carnegie Mellon que estuda políticas públicas e mídias sociais.
De acordo com Acquisti, uma política mais favorável ao consumidor seria oferecer um nível intermediário de serviços que permitisse aos clientes cancelarem todo o rastreamento e direcionamento sem necessariamente optar por não receber anúncios.
A escolha da Meta de ignorar esta possibilidade é “insincera”, diz ele, acrescentando que a empresa “pode estar tentando reformular isso como um problema de ‘publicidade/sem publicidade’, o que na verdade é um problema de ‘rastreamento de usuários sem o seu consentimento’”.
Serviços de streaming de vídeo como YouTube e Hulu já oferecem níveis de assinatura sem anúncios. Também já existem serviços de mídia social totalmente livres de anúncios. O Mastodon, por exemplo, depende de doações e de uma rede de voluntários no estilo Wikipédia.
Mas é minúsculo em comparação com os serviços convencionais e o seu fundador não está no caminho certo para se tornar um mega bilionário.
Uma internet mais saudável?
Um argumento contra as assinaturas escalonadas é que elas criam uma situação em que os indivíduos mais ricos podem optar por não receber o rastreamento digital e os anúncios personalizados, enquanto os mais pobres não têm outra escolha senão submeterem-se.
O próprio Zuckerberg aludiu a isso na entrevista de 2019 a Zittrain, dizendo acreditar que poderia ser correto cobrar dos clientes por uma experiência sem anúncios, mas que cobrar por privacidade aprimorada “parece errado”.
Por outro lado, se as redes sociais sem anúncios de alguma forma decolassem — seja porque clientes se mostrassem mais dispostos a pagar ou porque empresas de redes sociais fossem obrigadas a aceitar lucros mais baixos — a Internet seria, sem dúvida, muito mais saudável.
A necessidade das empresas de mídia social de manter os usuários dentro de seus aplicativos olhando seus anúncios pelo maior tempo possível prejudicou os editores de notícias, que viram as referências de tráfego das mídias sociais colapsarem nos últimos anos, e levou a algoritmos que parecem favorecer a tática de isca de raiva acima de tudo.
Um Facebook com uma versão paga teria menos incentivo para nos afastar de usos mais produtivos do nosso tempo — desde que seja útil o bastante para continuarmos pagando a conta todos os meses. — Com Aisha Counts.
Tradução de Anna Maria Dalle Luche.