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Plano B contra engarrafamento

Como as empresas de entregas expressas driblam o trânsito caótico da metrópole para chegar ao destino na hora certa

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

Eram quase 8 horas da manhã e poucos motoristas da equipe da DHL, uma das maiores empresas de entregas expressas que atuam em São Paulo, haviam conseguido chegar ao trabalho, no centro de distribuição da Água Branca. Chovia muito e os motoristas de ônibus estavam em greve. Dá para imaginar o caos do trânsito na cidade numa situação como essa. Para completar, os trabalhadores dos Correios também resolveram cruzar os braços, o que significava aumento do volume de entregas naquele dia: cerca de 1 000 pacotes tinham de chegar a seu destino até o meio-dia. Missão impossível?

É para tentar fazer milagre que as empresas de entregas expressas de São Paulo se debruçam diariamente em mapas, rotas e cronômetros. Para driblar o trânsito da capital -- onde circulam 5 milhões de veículos em 83 156 ruas espalhadas por 1 525 quilômetros quadrados --, é preciso muito planejamento, uma boa dose de tecnologia e algum improviso. "Ainda assim, o trânsito paulistano compromete logística e economicamente as empresas que movimentam cargas pela cidade", diz Antonio Wrobleski Filho, presidente da subsidiária brasileira da Ryder, a maior consultoria e prestadora de serviços de logística do mundo. "Nosso negócio depende da pontualidade e da rapidez. O pacote tem de chegar ao endereço combinado, na hora combinada, a qualquer custo", diz Cláudia Lombardi, diretora de serviços da DHL. A empresa entrega diariamente 6 000 encomendas e documentos e fatura no Brasil 60 milhões de dólares por ano. No mundo, sua receita chega a 9 bilhões.

A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo faz a seguinte estimativa do custo social dos congestionamentos: um engarrafamento com uma hora de duração e 1 quilômetro de extensão sai pela "bagatela" de 1 500 dólares. É o prejuízo que o trânsito causa à cidade. Já para as empresas esse valor vem embutido em custos como o da adaptação da frota para enfrentar as ruas congestionadas ou o do investimento em tecnologias que agilizem outros trechos do caminho percorrido pelos motoristas. "Os custos indiretos do trânsito podem aumentar os gastos com logística em 2%. Se considerarmos que, em média, uma empresa gasta de 6% a 8% do faturamento com logística, essa porcentagem é alta", diz Wrobleski, da Ryder.

Recibo digital

Investir em tecnologia para diminuir o tempo da entrega foi a estratégia adotada pela americana United Parcel Service (UPS), empresa de remessas internacionais que entrega diariamente, em todo o mundo, 3,5 bilhões de encomendas e documentos, com receita anual de 29,8 bilhões de dólares. No Brasil, onde está menos de 1% dos seus 1,8 milhão de clientes, a UPS não presta serviços locais, mas enfrenta o trânsito de São Paulo para fazer que as encomendas internacionais de seus 3 000 clientes na cidade -- 60% do total nacional -- cheguem até eles. O último recurso tecnológico adotado pela filial brasileira, que possui frota própria de 60 vans para atender a Grande São Paulo, é a assinatura digital. Trata-se de uma prancheta eletrônica em que o receptor da encomenda assina seu nome com uma caneta especial. Antes, cada pacote era acompanhado por mais de um papel, numa burocracia que fazia o entregador gastar mais tempo que o necessário. Agora, tudo que ele precisa carregar é a prancheta e um leitor de códigos de barras. "Com a assinatura digital, o tempo de entrega foi reduzido em 50%", afirma Bruno Ehlers, diretor de tecnologia da UPS Brasil. Ou seja: o motorista ganhou mais uns minutos para gastar no trânsito.

A tecnologia, entretanto, ajuda mais antes de as vans saírem às ruas do que quando os couriers já estão em movimento. Imagine o trabalho de dividir o mapa da Grande São Paulo em regiões, as regiões em rotas, distribuir essas rotas entre a equipe de couriers e ainda calcular quantas entregas cada um é capaz de fazer em algumas horas. Um problemão logístico que as empresas de entrega resolveram ao criar softwares de roteirização. São programas de computador que definem a região que cada carro percorrerá no dia e o número possível de paradas dentro de determinado período. Assim, antes de entrar na van, o courier já sabe quais ruas terá de percorrer e quantas paradas deverá fazer.

Por exemplo: em 4 de outubro do ano passado, o software da DHL (que divide a Grande São Paulo em 60 rotas, uma para cada carro da frota) determinou que o motorista responsável pela zona leste faria 5,5 entregas por hora em cinco horas e meia de serviço. O da avenida Paulista, no mesmo período, entregaria 11 encomendas por hora. Ainda de acordo com o cálculo feito pelo software, cada motorista não pode fazer mais de 29 nem menos de 25 entregas por dia. "É a média que mais se aproxima da melhor produtividade", diz Genésio Maciel, supervisor de operações da DHL.

O software da empresa faz os cálculos com base na quilometragem a ser percorrida pelo motorista e nas características do tráfego na região de cada rota. Os dados são revistos de três em três meses. "Se uma ponte, por exemplo, foi interditada pela prefeitura para obras, essa informação é colocada na base de dados do computador", diz Cláudia.

Dividir pacotes por bairros e estes por motoristas seria simples se não houvesse um desequilíbrio entre as regiões. O mapa de entregas da DHL mostra que as regiões mais aquecidas economicamente demandam mais serviços. No primeiro semestre do ano passado, o volume de remessas cresceu 17% na região das avenidas Luís Carlos Berrini e Faria Lima. Ao mesmo tempo, a região é uma das que mais cresceram em densidade de veículos. Segundo a CET, em setembro do ano passado passaram pela Berrini 10% mais carros do que em igual período de 2000. Fatos como esse, além de pontes em reforma, ruas impedidas, manifestações, desvios e obras em geral, obrigam a DHL a refazer suas rotas na última hora. "Se não sabemos dessas coisas de antemão para reprogramar os computadores, a saída é confiar no motorista", diz Cláudia.

Não há tecnologia, portanto, que dê conta de uma Marginal afogada pelas águas dos rios Tietê e Pinheiros ou de uma Radial Leste em horário de pico. "O drama fica ainda maior quando constatamos que esse horário está se estendendo a cada ano que passa. Em outras palavras, o trânsito paulistano, carente de planejamento, só tende a piorar", afirma Wrobleski, da Ryder. Ele dá um exemplo que ilustra bem a piora gradual do tráfego na capital: há pouco mais de dois anos, um caminhão de sua frota que rodava oito horas por dia fazia 40 entregas diárias ao custo de 200 reais. Hoje, o mesmo caminhão faz 30 entregas a um custo 30% maior. Foi o trânsito que ficou mais lento. Quando nem a caneta digital nem os programas de computador são capazes de salvar um carro ou um caminhão de um engarrafamento, o jeito é rebolar. O plano B mais usado pela UPS são os motoqueiros. "Se um carro está preso no trânsito e o motorista nos avisa que não será possível deixar a encomenda no prazo, então um motoqueiro é chamado para resgatar o pacote ou o documento e levá-lo até seu destino", diz Luiz Zani, diretor comercial da UPS. Esse esquema é um bom exemplo de como o problema do trânsito foi incorporado pela logística diária das empresas: o plano alternativo é colocado em prática todo dia.

Reis do rebolado

Já a DHL criou uma nova modalidade de courier, batizada de Foot Courier. São os entregadores destacados para rotas feitas por apenas um corredor, como a avenida Paulista, mas que concentram um grande volume de entregas -- média de 550 por dia. Já que a rota não exige que o courier se locomova muito de carro, ele vai a pé mesmo. "O carro com as encomendas é estacionado uma única vez e descarregado. As entregas são colocadas em um carrinho de mão e o courier percorre a avenida a p", diz Maciel. Sai mais rápido e barato que entrar com o carro na avenida e estacioná-lo de 100 em 100 metros.

Não é difícil perceber que os verdadeiros reis do rebolado são os couriers. Encomendas internacionais ou uma compra de supermercado feita por uma dona-de-casa paulistana dependem deles para chegar a seu destino na hora certa. Se o trânsito pára ou o rio enche, não importa. A ordem é entregar os pacotes. Foi com essa determinação que um dos motoristas da DHL salvou todas as remessas que estavam em seu carro durante uma enchente em janeiro do ano passado. O carro foi arrastado pelas águas, mas os pacotes chegaram sãos e salvos ao centro de distribuição.

"Os motoristas têm liberdade para mudar o caminho e tentar atalhos", diz Maciel, da DHL. Só não vale, é claro, ultrapassar limites de velocidade e estacionar em lugar proibido -- até porque as multas são descontadas do salário do funcionário. Os entregadores do Amelia, o serviço de entrega da rede de supermercados Pão de Açúcar, sofrem mais para encontrar uma vaga para estacionar suas 35 vans carregadas de compras do que com congestionamentos. "A saída é negociar com os porteiros dos prédios residenciais e estacionar a perua na garagem", diz Alexandre Lima, gerente operacional do Amelia. Ao contrário dos entregadores da UPS, que passam pouco tempo com o cliente, os couriers do Amelia -- que investiu quase 45 milhões de reais em 2000 só em tecnologia e logística -- gastam longos e valiosos minutos descarregando compras e levando-as até dentro da casa do consumidor. Com média de 15 entregas por dia, os couriers do Amelia muitas vezes até guardam as compras em armários ou geladeiras.

Para ter uma idéia mais clara de como a logística de cada empresa seria inócua sem a habilidade dos couriers, o software da DHL é alimentado de três em três meses com informações que vêm da rua. A equipe de couriers informa, em relatórios, a quantas anda -- ou não anda -- o trânsito da cidade. Para evitar ruas e avenidas congestionadas, os couriers usam recursos tradicionais: o guia de ruas da cidade e sua familiaridade com a região.

Encontrar endereços, pegar atalhos, procurar lugar para estacionar... Vida de courier não é fácil. Não à toa, a DHL gastou 1,5 milhão de dólares no começo de 2001 para renovar sua frota. Sem economizar em opcionais: ar-condicionado, toca-fitas e direção hidráulica em todos os veículos. "O carro é o escritório do courier. Quanto mais ele se sentir confortável, maior a sua produtividade", diz Cláudia. Em tempo: naquele dia em que os motoristas da DHL não conseguiram chegar ao trabalho por causa do trânsito, Cláudia, os demais diretores da empresa e seu presidente, Michael Canon, assumiram a função. Cada um ficou responsável por uma rota e desempenhou o papel de courier por um dia. Todas as entregas foram feitas a tempo.

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