O segredo para entender a queda dos grupos de ensino
Puxadas pela líder do setor, a Kroton, empresas listadas vivem dias difíceis na bolsa por dúvidas sobre sustentabilidade de seus números operacionais
Lucas Amorim
Publicado em 15 de maio de 2018 às 14h40.
Última atualização em 15 de maio de 2018 às 15h42.
Para uma empresa acostumada a surpreender positivamente analistas e investidores, o grupo de ensino Kroton vive, desde sexta-feira, dias atípicos. Após divulgar queda de 6,6% no lucro líquido no primeiro trimestre (para 539 milhões de reais), a companhia ainda informou reduções nas projeções de praticamente todos os seus indicadores para 2018.
A Kroton projeta uma margem Ebitda ajustada de 41,5% em 2018, abaixo dos 44% apurados em 2017. A margem líquida ajustada deve ficar em 35,4% ante 40,1% em 2017. As metas da empresa para este ano, de queda de 6,7% no Ebitda ajustado e de 12,7% no lucro líquido ajustado, não consideram a aquisição da Somos Educação , anunciada pela Kroton no final de abril por 4,6 bilhões de reais.
Resultado: as ações da companhia caíram 15% desde sexta-feira, uma mordida de cerca de 3 bilhões de reais. Como Kroton vem ditando o padrão de eficiência do mercado de educação superior no Brasil há quase uma década, as quedas nos números da companhia refletem também nas concorrentes. A Estácio perdeu 15% de valor de mercado desde sexta-feira; a Anima e a Ser Educacional também caíram. Desde outubro as ações da Kroton caíram quase pela metade. As da Estácio caíram mais de 30% desde março.
O caso da Estácio é curioso. No dia 26 de abril, alta em seus principais indicadores operacionais para o primeiro trimestre. O lucro cresceu 62% ante o mesmo período de 2017, e a margem Ebitda subiu 9,1%, para 35,3%. Ou seja, a Estácio está cada vez mais perto de alcançar os resultados da Kroton, objetivo que estabeleceu para si mesma depois de o Cade vetar a fusão com a principal concorrente, ano passado.
“Buscar eficiência a qualquer custo é irresponsável”, disse o presidente da Kroton, Rodrigo Galindo, na sexta-feira. “Seria mais fácil entregar resultados fortes no curto prazo, mas optamos por plantar sólidas bases para crescimento orgânico futuro.”
O problema, segundo analistas ouvidos por EXAME, é que os resultados operacionais abaixo do previsto para a Kroton refletem o início de um ciclo duro para o ensino superior. Num setor com ciclos longos, os números do primeiro trimestre são resultado de um mudança de rumo que começou em 2015, e que não deve se inverter tão cedo.
Olho no ciclo
O principal indício de que algo não ia bem no setor de ensino superior, segundo Romário Davel, sócio da consultoria Atmã Educar, é o número de novos alunos no segmento presencial. Depois de chegar a 1,670 milhão, em 2014, o número começou a cair. Foi para 1,493 milhão em 2015, para 1,400 milhão em 2016. Segundo estimativas da Atmã, a queda vai continuar: 1,316 milhão em 2017 e 1,185 milhão em 2018.
Por outro lado, o número alunos no ensino a distância (EaD) vem crescendo, mas não o suficiente para compensar a queda no número total de calouros. Os entrantes em EaD passaram de 649.890 em 2014 para estimados 819.000 em 2017. No mesmo período, o número total de novos alunos caiu de 2,320 milhões para estimados 2,135 milhões.
Com menos gente entrando, o número total de alunos, obrigatoriamente, vai encolhendo. O pico, segundo a Atmã, foi em 2015, com 6,075 milhões entre presencial e EaD. Em 2016 o total encolheu 2,6% e em, 2017, deve encolher mais 3%, segundo estimativas. “O crescimento do EaD atenua a queda no presencial, mas não a ponto de resolver os problemas operacionais, já que o nicho responde por menos de 20% do ensino superior”, diz Davel.
Durante 2017 as companhias ainda conseguiram melhorar seus resultados justamente por conta dos ciclos longos do setor, pelos bons números de entrantes em 2013 e 2014. Mas, daqui pra frente, o cenário é dos mais desafiadores. Até porque, segundo Davel, as novas turmas são responsáveis por 50% do Ebitda das companhias, já que costumam ser maiores, exigirem menos horas de dedicação dos professores e terem baixa taxa de evasão. “As empresas foram bem sucedidas em adotar estratégias que minimizem o impacto desta queda, mas não dá para represar para sempre, e agora começa a aparecer nos balanços”, diz o consultor.
Para deixar o cenário ainda mais desafiador, as companhias têm cada vez menos alunos financiados pelo programa do governo, o Fies, em sua base de novatos. Como o programa deixava todo o risco na mão da União, esses alunos eram o sonho de consumo das instituições. Em 2017, o número de contratos do Fies foi o menor em seis anos: 170.905, segundo reportagem do site G1 com base em dados do governo. Em 2014 o número de novos contratos do Fies chegou ao recorde de 690.588. Naquele ano, cerca de 40% de todos os universitários do país recebiam dinheiro do governo, permitido para quem tinha renda de até 20 salários mínimos.
Na Kroton, o número total de alunos com Fies já caiu de 61% para 28%, e deve chegar a 5% em dois anos. Estácio, Ser e Ânima, as outras companhias de ensino listadas em bolsa, também sofreram forte enxugamento de sua base Fies. Todas elas têm buscado alternativas para o fim do financiamento do governo. Têm também buscado investir em novos mercados, como educação básica.
Mas manter as taxas de crescimento com menos alunos em seu principal filão, a educação superior presencial, é um desafio para o qual as empresas ainda não têm respostas.