Os segredos de 7 empresas centenárias para enfrentar a crise
Há mais de cem anos no Brasil, estas empresas já tiveram que superar diversos períodos de turbulência na economia. Veja como elas fazem isso
Luísa Melo
Publicado em 26 de setembro de 2015 às 07h02.
Última atualização em 13 de setembro de 2016 às 14h31.
São Paulo - Duas coisas são consenso entre economistas: a crise está aí e, em algum momento, vai passar. Mas, até que o fim da turbulência não chega, as empresas do país precisam se desdobrar para administrar bem os gastos e continuar a lucrar – ou, ao menos, sobreviver. Algumas companhias, porém, estão no Brasil há mais de cem anos e já tiveram de superar diversos períodos de dificuldades. Navegue pelas fotos e conheça os segredos de 7 delas para continuarem firmes no mercado por tanto tempo.
A Droga Raia foi fundada há 110 anos e a Drogasil há 80. Em 2011, as duas se fundiram e originaram uma empresa líder no setor de farmácia e beleza, a RaiaDrogasil. Um dos segredos da companhia para permanecer lucrativa durante tantos anos é o próprio negócio. "Nosso mercado é muito defensivo. O crescimento dele vem do envelhecimento das pessoas, do acesso à saúde. É um ciclo vicioso que traz o cliente para nós", conta Marcilio Pousada, presidente da rede desde 2013. Outro diferencial, segundo o executivo, "é que as duas marcas trazem em seu DNA uma estratégia de longo prazo". De acordo com ele, "a crise atual ainda não chegou para a RaiaDrogasil", mas a empresa tem se precavido mesmo assim, controlando despesas rigorosamente. Com dinheiro em caixa, porém, o momento tem trazido mais oportunidades do que preocupação para a rede de drogarias. Os planos de abrir 130 lojas em 2015 continuam de pé e têm sido facilitados pelo preço menor dos aluguéis, já que o segmento imobiliário está desaquecido. Já foram abertas 75 unidades este ano. "Também temos possibilidades de negociar melhor com os fornecedores. Eles têm meta para alcançar e dão prioridade para empresas que têm liquidez, como nós", afirma Pousada. Além disso, a companhia aproveitou o cenário turbulento para comprar uma fatia majoritária na vendedora de medicamentos especiais 4-Bio, que fabrica remédios contra o câncer, por exemplo. "Não somos oportunistas. Estávamos negociando há mais ou menos um ano, mas a crise pode ter movido a 4-Bio a se aproximar mais de nós", conta Pousada.
Fundada em 1902, a editora brasileira de livros didáticos FTD já encarou diversos momentos de instabilidade econômica. Um dos piores, segundo a empresa, foi o da década de 1980, quando havia hiperinflação no país. "Esse período foi difícil porque atualizar preço de livro não é um negócio tão simples. Trabalhamos com uma série de prazos para as livrarias nos pagarem", conta Antonio Luiz Rios, presidente da companhia há cinco anos. Apesar disso, a crise de agora não pode ser ignorada, de acordo ele. Para se precaver, a empresa revisou o plano de investimentos para este ano, que sofreu um corte de cerca 15%. Dos 40 milhões de reais que seriam empregados, 5 milhões serão poupados. Foram mantidos os projetos de longo prazo, como o de mudança da marca, que passa a se chamar FTD Educação, e o lançamento de dois novos selos. "Estamos pesquisando mais, gastando menos e também implantamos um sistema de gestão de processo editorial informatizado. Com ele, as etapas para criação de um livro ficaram mais leves e, assim, economizamos horas de trabalho das pessoas envolvidas", explica Rios. Apesar do momento ruim, no geral, a companhia viu as vendas de livros para escolas particulares e para o governo avançarem 15% em 2015 e teve de contratar mais funcionários para dar apoio pedagógico aos clientes. "Livro é fundamental, é educação. Um pai deixa de comprar roupa para o filho, mas não deixa de comprar livro", afirma Rios. Para ele, esse é um dos segredos do sucesso do negócio. Outro, é a fidelidade à missão de "apoiar as escolas do país" sem perseguir lucros de curto prazo. Em 2014, a empresa teve um lucro líquido ajustado de 8,3 milhões de dólares.
Nos anos 1980 e 1990, a crise econômica e a enorme variação de preços levaram a Souza Cruz a adotar uma estratégia que, ainda hoje, a ajuda a manter os lucros. Naquela época, o cenário inflacionário trazia "um efeito corrosivo" nos valores dos produtos, segundo a empresa. Por isso, ela começou a adotar um modelo de vendas diretas ao varejo (sem intermediários) para acelerar as entregas e também passou a recolher os pagamentos no menor espaço de tempo possível. Para enfrentar a instabilidade econômica atual, a fabricante de cigarros está renegociando prazos com fornecedores, reduzindo estoques e cortando gastos com viagens de funcionários e serviços terceirizados. Essas medidas já possibilitaram uma redução de 15% nas despesas. A situação atual está complicada para qualquer indústria, mas especialmente para a de fumo. Desde 2012, o segmento tem sofrido com aumentos significativos de impostos, que tiveram de ser repassados nos preços finais, de acordo com a Souza Cruz. A companhia alega que o consumidor não conseguiu segurar esse reajuste e, como consequência, o contrabando de cigarros cresceu no país. Por conta disso, a produção caiu e a empresa teve de demitir funcionários da linha fabril. Com o corte de pessoal e outras medidas de racionamento, foi possível uma segunda redução de cerca de 10% nos custos. Em outras frentes de negócio, porém, a Souza Cruz contratou novas equipes, o que equilibrou os delisgamentos feitos na fábrica. Neste ano, a companhia vendeu uma participação em uma fabricante de embalagens e sua controladora, a British American Tobacco, decidiu retirar as ações da brasileira do mercado. No primeiro semestre, a Souza Cruz teve um lucro de 831 milhões de reais, uma queda de 2% ante o mesmo período de 2014. * Texto atualizado às 17h20 de 29/09/2015 para incluir informações enviadas pela empresa.
No Brasil há 119 anos, a farmacêutica e química alemã Bayer conseguiu sobreviver a diversos períodos de instabilidade econômica. Para o presidente da companhia no país, Theo Van der Loo, a trajetória bem-sucedida pode ser creditada a seu portfólio diversificado. "A empresa possui duas áreas fortes: farmacêutica e agrícola. O Brasil é um país com 200 milhões de consumidores e tem uma área de plantio bastante vasta. Como a Bayer atua nessas duas frentes, acabou sendo menos afetada pela crise do que as demais indústrias", afirma. Para a Bayer, os desafios econômicos de agora são muito menores do que aqueles enfrentados na década de 1980, quando havia hiperinflação, mas ainda assim preocupam. "Nota-se uma desaceleração nítida na velocidade de crescimento e, por outro lado, boa parte dos custos tem aumentado acima da inflação, como salários e eletricidade", comenta Van der Loo. De acordo com ele, o desafio de ajustar as contas é difícil no setor farmacêutico, já que não é possível subir os preços dos medicamentos, que são regulados pelo governo. Para reverter esse quadro, a Bayer está cortando custos e "simplificando processos produtivos e administrativos". Além disso, a companhia está investindo no lançamento de novos remédios e produtos para cultivo agrícola. Mundialmente, a empresa adquiriu parte da rival Merck&Co no fim de 2014. Neste ano, vendeu sua divisão de aparelhos para controle do diabetes. Aqui no Brasil, ela anunciou no fim do ano passado que vai se dividir para focar nas áreas mais lucrativas, de saúde e agronegócio. A cisão deve acontecer em até 18 meses.
Há 104 anos no Brasil, a alemã Basf acredita que o seu diferencial para conseguir ter uma história longa e sólida no país é o investimento em inovação e sustentabilidade. Nas palavras da empresa, o cenário econômico atual é difícil, mas certamente não é pior que ela já enfrentou. De acordo com a Basf, a indústria química, em que ela atua, tem sofrido com o aumento das importações e os altos custos de matérias-primas como nafta e gás natural desde o ano passado. Para encarar as adversidades, a companhia busca cortar custos. Em junho, anunciou que não iria reconstruir a unidade de São Bernardo do Campo, que havia sido afetada por um incêndio, "devido às condições desfavoráveis do mercado". O fechamento completo da planta ocorrerá até o fim do ano, o que vai acarretar em 90 demissões. A nível global, a previsão de lucro da companhia para 2015 também foi reduzida. Um dos motivos alegados foi o lento crescimento de mercados emergentes (entre eles o Brasil). Apesar disso, a empresa segue apostando no país a longo prazo. Em junho, inaugurou uma fábrica de acrílicos em Camaçari (BA), um investimento de 500 milhões de euros. Em 2013, anunciou um plano alocar 1,2 bilhão de euros em recursos em terras tupiniquins até 2017.
No Brasil há mais de cem anos, a Brookfield é mais conhecida por sua presença no ramo de construção e incorporação, mas atua também no setor de energia, logística, e na gestão de shoppings e ativos diversos. A construtora do grupo tem acumulado prejuízos a cada trimestre, mas a diversificação dos negócios pode ser o segredo para que a empresa, como um todo, continue firme no país. Aproveitar momentos de dificuldade econômica para investir o dinheiro que tem em caixa também parece ser uma estratégia da empresa. Só neste ano, a companhia comprou duas empresas de energia elétrica e estaria em conversas avançadas para adquirir uma usina de açúcar. Em abril, a holding pretendia investir uma quantia de 3,3 bilhões de reais em negócios por aqui. A Brookfield foi procurada por EXAME.com, mas não quis dar entrevista.
A siderúrgica brasileira Gerdau foi fundada em 1901 como uma fábrica de pregos. De lá para cá, a empresa se agigantou e hoje opera em 14 países e fatura 43 bilhões de reais por ano. Ao longo de sua história, a companhia passou por várias crises econômicas no país e é reconhecida pela sua eficiência na gestão. Embora o setor em que atua passe paralelamente por outra forte crise, os números da Gerdau continuam positivos. No terceiro trimestre deste ano, suas vendas cresceram e, apesar de bem menor do que mesmo período do ano anterior, o lucro ainda veio. Saber colocar o pé no freio e cortar o que for preciso quando o momento é ruim parece ser um dos segredos da companhia para se manter de pé – e continuar ganhando dinheiro. Em dezembro do ano passado, por exemplo, a Gerdau parou temporariamente a produção de cinco unidades no país para adequar a oferta às vendas. Em julho deste ano, redistribuiu suas operações nas Américas para otimizá-las. Na mesma época, fechou uma fábrica em Sorocaba (SP) e transferiu a produção para uma outra unidade, o que provocou a demissão de 160 pessoas. Neste mês, a empresa suspendeu por cinco meses os contratos de 200 funcionários e ajustou os preços do seu aço longo. A Gerdau foi procurada, mas não quis dar entrevista.
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