Os desafios enfrentados pela Zappos para acabar com chefes
Executivas contam como a empresa está implementando a holocracia: um sistema de gestão que abre mão dos gerentes e dos cargos
Luísa Melo
Publicado em 8 de janeiro de 2015 às 11h18.
São Paulo - No fim de 2013, a Zappos , varejista online ligada à Amazon , anunciou que começaria a implementar neste ano um sistema de gestão que eliminaria os cargos e os chefes de sua estrutura: a holocracia.
Grosso modo, pela teoria, uma empresa deixa de funcionar de forma hierárquica. Ela passa construída com base nas funções de que ela precisa para manter seu negócio e não nas pessoas responsáveis por fazer esses trabalhos.
Em vez de se organizar em forma de pirâmide, a companhia opera em círculos semi-independentes que englobam uns aos outros, sendo que cada um deles tem autonomia para criar suas próprias políticas. Os funcionários também deixam de ter cargos e passam a desempenhar papéis (funções). Eles também ganham poder para tomar decisões.
A holocracia transforma toda a estrutura de uma empresa e, portanto, não é algo simples de se estabelecer. Por isso, na Zappos, o processo de execução está sendo feito aos poucos, área por área, e não tem data para terminar.
Na sexta-feira (13), as executivas responsáveis pelo departamento de relacionamento com o consumidor da empresa Tiffany Long e Erika Paman-Mercado estiveram em São Paulo para compartilhar experiências com profissionais da área, em um evento da campanha "Eu amo meu Cliente", da Direct Talk.
Na ocasião, elas falaram a EXAME.com sobre como está sendo colocar a holocracia em prática e sobre os desafios enfrentados. Confira os principais trechos da entrevista:
EXAME.com - Em que pé está a implementação da holocracia na Zappos e como ela está sendo feita?
Tiffany Long - Na área de atendimento ao cliente, ainda estamos no estágio inicial. Outros departamentos começaram com um programa piloto e já estão operando na holocracia por cerca de um ano e meio. No nosso, o sistema foi lançado em julho, então vai levar tempo. Vamos precisar de prática e de muito aprendizado para todo mundo, até mesmo para entender o que a holocracia é.
A Zappos é a maior empresa a tentar a implementar a holocracia e somos o primeiro call center a se aventurar nesse sistema. Nosso departamento, sozinho, tem o dobro do tamanho de qualquer outra empresa que tentou implementá-la. Então, nós temos alguns desafios a superar.
Mas eu me sinto muito bem sobre a maneira como as coisas estão indo. A holocracia permite que todo mundo tenha voz dentro da empresa e o jeito que ela é estruturada dá a oportunidade de engajar e interagir com cada um de formas que a gente nunca conseguiu antes.
EXAME.com - Que desafios são esses e o que está sendo feito para vencê-los?
Erika Paman-Mercado - Há um monte de coisas desafiadoras aí, por causa do tipo de operação que fazemos. Para um monte de coisas que a gente faz agora, a mentalidade terá que mudar. Em cada um de nós. Porque se eu mudo, mas você não muda, a holocracia não se torna acessível pra nós duas, então todo mundo tem que mudar. Precisa haver uma educação, a comunicação precisa ser mais aberta...
E o que é bom em relação a isso é que nós sabemos que é tudo novo e que vai haver desafios. Eu acho que agora todos estão mais abertos, todos aceitaram que sim, nós vamos cometer erros, mas nós também vamos corrigi-los e fazer melhor.
Nós estamos nesse processo atualmente. Nos últimos dois meses, tentamos perceber o que nós fizemos de certo, onde erramos e como podemos melhorar a experiência dos funcionários para que eles se sintam melhor quanto a eles mesmos e consigam absorver o conceito (da holocracia) inteiro.
EXAME.com - O que vocês já fizeram, de fato, na área de atendimento ao cliente?
Erika Paman-Mercado - No call center, a gente já tentou algumas formas. Nós tentamos, por exemplo, manter um ambiente de equipe em que todos os times se tornaram pequenos círculos. O maior desafio nisso tudo eram as reuniões. Havia muitas reuniões e muito tempo gasto fora dos telefones que eram ineficientes.
Em julho, nós tornamos esses círculos maiores. Nós tínhamos três ou quatro times que agora são um círculo só. E nós temos um feedback de que antes, quando eram círculos menores, o sistema era ineficiente. E de que agora o círculo está muito grande e há uma dificuldade de comunicação. Então, ainda estamos tentando balancear tudo, descobrir como fazer dar certo. Ainda estamos aprendendo.
EXAME.com - Tiffany, na sua visão como facilitadora certificada da holocracia, o que é preciso para que ela seja implementada? Como está indo o processo na Zappos?
Tiffany Long - Eu acho que um dos componentes-chave são os líderes de cada time ou departamento abraçarem esse novo jeito, essa nova estrutura. Começa por aí.
Nós, os facilitadores certificados, temos a responsabilidade de compartilhar nossos conhecimentos e nossas experiências. E temos que ensinar aos novos círculos e novos empregados que vão começar a praticar a holocracia o jeito certo de operar dentro da teoria. Em muitas companhias, o sistema funciona de cima para baixo. Você tem um monte de diretores e gerentes que dizem: faça isso. Como uma facilitadora, se vejo uma coisa desse tipo acontecer em uma reunião na Zappos, por exemplo, eu tenho que esmagá-la.
EXAME.com - E os líderes estão conseguindo fazer isso na Zappos?
Tiffany Long - Como uma integrante da liderança, eu sempre quis encorajar os funcionários que trabalham comigo a participarem e a compartilharem as suas ideias, mas algumas pessoas vindas do meio corporativo não conseguem fazer isso facilmente.
Mas, agora, eu tenho a oportunidade de incentivá-las a ter essa voz e compartilhar as suas ideias. Nosso principal objetivo é tirar essas ideias do chão, porque algumas de nossas melhores sugestões vêm dos funcionários da linha de frente. E se elas tiverem que subir por camadas e mais camadas antes de chegar a alguém que pode tomar a decisão, elas não acontecem ou acabam se tornando algo que não tem nada a ver com o que era originalmente.
Nós queremos garantir que os empregados tenham tempo e poder para fazer o que for necessário para colocar suas ideias em prática. E nós acreditamos que, nesse processo, estaremos criando inovação e constantemente direcionando a empresa para frente.
EXAME.com - Em quais departamentos esse processo está funcionando melhor e por quê?
Tiffany Long - Nossa área de recursos humanos e relacionamento com os funcionários está fazendo um ótimo trabalho. E essa também era uma das áreas mais difíceis de se implementar a holocracia, porque tinha uma diretora que exercia um grande excesso de controle na companhia. O departamento de recursos humanos, muita vezes, é o que dita as regulações e políticas a seguir na empresa e ela (a executiva) teve muita dificuldade em abrir mão desse controle.
Ela passou por momentos difíceis, trouxe isso para as reuniões, falou sobre. Mas, ao praticar, ela chegou a um ponto em que decidiu: "ah, deixa eu dar aos meus funcionários o que eles querem e dar poder para que eles tomem algumas decisões. Vamos ver o que vai acontecer. Vou confiar neles o suficiente para que eles possam fazer o seu trabalho. Eu contratei eles para isso, eles deveriam estar aptos a tomar decisões".
Uma vez que ela permitiu que isso acontecesse, os empregados começaram a liderar seus próprios papéis no trabalho que fazem e, segundo a própria diretora, o processo está sendo muito bem-sucedido. Ela antes não acreditava e agora se tornou uma "evangelista" da holocracia.
Erika Paman-Mercado - Eu acho que o time de treinamentos da Zappos também está fazendo um bom trabalho com a holocracia. Em um departamento ou time que está na base do projeto, como é o caso, é mais fácil colocar a teoria em prática porque você está praticamente fazendo a mesma coisa que fazia antes, mas com mais clareza. Acho que esses são os dois departamentos onde a holocracia já está florescendo.