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O novo rumo da Alpargatas

A estratégia da dona da Havaianas e da Osklen depois de ser vendida pela J&F

Investidores: acreditam que a empresa pode reencontrar o caminho do crescimento (Germano Lüders/EXAME.com/Exame)

Investidores: acreditam que a empresa pode reencontrar o caminho do crescimento (Germano Lüders/EXAME.com/Exame)

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EXAME Hoje

Publicado em 14 de julho de 2017 às 11h18.

Última atualização em 14 de julho de 2017 às 14h11.

A centenária fabricante de calçados Alpargatas, dona das sandálias Havaianas, vive um dos períodos mais atribulados de sua história. Fundada em 1907 e listada em bolsa desde 1913 , a empresa foi controlada pelo grupo Camargo Corrêa entre 1982 e 2015. Até que a Camargo, às voltas com a Lava-Jato, vendeu o negócio para o grupo J&F, controlador da empresa de alimentos JBS. A história se repetiu nesta quarta-feira.

Enrolado com a Justiça e atolado em dívidas, o J&F fechou a venda de sua participação de 54,24% na empresa por 3,5 bilhões de reais para a gestora Cambuhy, a holding Itaúsa, das famílias Setubal e Villela (ligadas ao banco Itaú) e a Brasil Warrant, do banqueiro Pedro Moreira Salles. Após a confirmação de uma negociação que se estendeu por mais de um mês, as ações da empresa subiram 4,9% nesta quinta-feira. Os investidores apostam que, sob nova direção, a empresa pode reencontrar o caminho do crescimento. Mas o desafio é enorme.

Os três novos controladores assumem uma empresa que, na visão de consultores e executivos, passou por uma crise de identidade nos últimos anos (consequência das trocas de comando) e precisa rever seu portfólio de produtos e sua estratégia de expansão. Apesar de ter se desfeito de duas marcas de calçados esportivos no Brasil, Rainha e Topper, em novembro de 2015, a companhia ainda tem produtos muito diversificados e que a impedem de focar, por exemplo, na expansão das Havaianas. Além de sua marca mais famosa, a empresa é dona da marca de sandálias Dupé, da operação da Topper na Argentina, da marca esportiva Mizuno n Brasil, da marca de botas Sete Léguas, da rede de outlets Meggashop e da marca de roupas de luxo Osklen.

Segundo executivos que acompanharam de perto o processo de venda da Alpargatas, a Osklen é uma das marcas que poderiam ser colocadas à venda pelos novos controladores. A Alpargatas investiu na Osklen em 2012 e assumiu o controle da companhia em 2014 – no total, pagou 318 milhões de reais por 60% da companhia, avaliando a Osklen em pouco mais de 500 milhões de reais. O plano era que o criador da marca, Oskar Metsavaht, continuasse à frente da criação da marca, mas que a Alpargatas pudesse dar eficiência e agressividade à companhia – assim como as Havaianas, a Osklen é uma das marcas brasileiras mais internacionalizadas.

Mas o negócio nunca deu lucros para a Alpargatas e, no primeiro trimestre, encolheu 13%. A visão dos executivos ouvidos por EXAME é que faria mais sentido a Osklen como uma marca independente, dando aos novos controladores foco para se concentrar no que realmente os interessa: a Havaianas.

No Brasil, o grande desafio é melhorar a rentabilidade das 434 lojas abertas pela marca nos últimos oito anos. Manter as lojas abertas com a venda de produtos com um ticket baixo como chinelos é um desafio, principalmente para as localizadas em shoppings centers (onde os aluguéis são mais caros). “As lojas precisam vender outros produtos para aumentar rentabilidade. O projeto de vender roupas, definido há alguns anos, ainda não conseguiu avançar e empacou com as mudanças sucessivas de donos do grupo”, diz a consultora de varejo Ana Paula Tozzi, da AGR Consultores. “Ao mesmo tempo, o Cambuhy tem uma participação na Hering, que não vende calçados. Poderia ser uma parceria interessante oferecer alguns produtos de uma marca na outra”, afirma a consultora. O Cambuhy investiu na Hering em 2015.

Nas 154 lojas que a Havaianas tem no exterior o problema, segundo consultores, é a falta da adaptação dos produtos oferecidos para cada mercado. Enquanto no Brasil, com suas temperaturas tropicais, é possível vender chinelos o ano inteiro, o mesmo não é válido para o inverno russo, por exemplo. “A Havaianas precisa mostrar que é mais do que uma marca de chinelos, só isso não basta para animar os estrangeiros. Ela precisa se posicionar como uma marca de moda e ampliar a oferta de produtos em países europeus e nos Estados Unidos”, diz Dominique Turpin, professor do Institute for Management Development e autor de um estudo sobre a expansão da Havaianas no exterior.

Nos Estados Unidos, a empresa enfrenta ainda um outro desafio. Diferentemente do mercado europeu, onde a Alpargatas conseguiu se posicionar como uma marca premium e cobrar 30 euros por um par de chinelos, no mercado americano a Havaianas, por enquanto, é vista como uma commodity, sem grande valor agregado.

Em teleconferência com investidores na manhã desta sexta-feira, a Itausa listou uma série de oportunidades para a Alpargatas. Além de acelerar a expansão internacional e penetração da marca Havaianas nos Estados Unidos, a holding também quer aumentar o mercado da Mizuno no país e obter a liderança na venda de tênis para corrida. Outro ponto destacado foi a expansão do e-commerce, que ainda representa uma parcela muito pequena nas vendas do grupo.

A gestão independente

Apesar dos muitos ajustes que a Alpargatas precisa fazer, a maior parte dos números em seu balanço está longe de uma catástrofe. Com uma aposta em produtos de preço mais baixo e corte de custos, a companhia encerrou 2016 com crescimento de 12% no faturamento no Brasil. A receita total cresceu 0,4%, para 4,05 bilhões de reais. O lucro subiu 30,8%, para 362,2 milhões de reais em 2016. Já no primeiro trimestre do ano a receita caiu 18,7%, mas o lucro subiu 60%, para 181,4 milhões de reais.

Para consultores, esses resultados refletem a gestão independente e especializada da empresa. Seu presidente, Márcio Utsch, está na Alpargatas desde 1997 e no comando desde 2003. Na semana passada, mesmo antes do contrato assinado, cada um dos diretores da Alpargatas passou por uma extensa entrevista de três horas com seus novos controladores.

O processo foi muito diferente da compra da J&F. Conforme relata a reportagem de capa da edição de EXAME publicada nesta quinta-feira, a J&F deu início às conversas para comprar a Alpargatas numa sexta-feira, 21 de novembro de 2015, e, no domingo seguinte, fechou a aquisição depois de Joesley fazem meia dúzia de perguntas a Utsch, pego de surpresa, e de bermudas, no escritório de uma banca de advogados.

Desta vez, parece que os novos investidores estão mais interessados em entender e mudar os rumos do negócio do que os antigos – mais preocupados, hoje se sabe, em enriquecer comprando políticos. Na manhã desta sexta-feira, as ações da Alpargatas subiram mais 1,3%. O otimismo com a nova gestão da companhia continua.

*Com reportagem de Maria Luiza Filgueiras

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