O novo CEO do Uber custa quase um Neymar. Como?
É comum que, para altos cargos, as empresas ofereçam um signing bonus – um bônus para assinar contrato que ficou conhecido como um “alô de ouro”
EXAME Hoje
Publicado em 31 de agosto de 2017 às 07h22.
Última atualização em 31 de agosto de 2017 às 08h26.
Agora que a compra foi feita, as atenções se voltam para o preço. Depois de dois meses sem líder, desde a renúncia de Travis Kalanick em 21 de junho, o Uber finalmente contratou alguém amplamente reconhecido, o iraniano Dara Khosrowshahi… mas com um pacote de remuneração que deve ficar por volta dos 200 milhões de dólares.
Às Sete – um guia rápido para começar seu dia
Leia também estas outras notícias da seçãoÀs Setee comece o dia bem informado:
- Venezuela e Colômbia se enfrentam dentro e fora de campo
- Lady Di e o choque de gerações do Brexit
- Doria vai de novo ao Nordeste de olho em 2018
- Um ano depois do impeachment, Dilma está de volta
- Agosto será o melhor mês da bolsa em 2017?
- Curtas – uma seleção do mais importante no Brasil e no mundo
Não é difícil entender um pacote assim tão alto. “Se você combina um CEO estrela com um cenário de virada de empresa, pode apostar que o número vai ser estratosférico”, disse à Bloomberg Aalap Shah, diretor da consultoria de remuneração de executivos Pearl Meyer (não envolvido na contratação de Khosrowshahi).
É comum que, para altos cargos, as empresas ofereçam um signing bonus – um bônus para assinar contrato ou, como isso ficou conhecido na imprensa americana, um “alô de ouro”.
Mas, apenas três meses atrás, um signing bonus de 2 milhões de dólares já era considerado uma pequena fortuna. Foi isso o que recebeu Kevin McAllister, contratado para ser o executivo-chefe da Boeing Aviões Comerciais, uma divisão da Boeing. (Além disso, ele recebeu ações da empresa no valor de 18 milhões de dólares, para compensar as opções de ações que deixou para trás em seu cargo anterior, na GE Aviation).
No caso de Khosrowshahi, o “alô de ouro” deverá ser de algo entre 160 milhões e 180 milhões de dólares. Não porque o Uber goste de jogar dinheiro fora – mas porque é uma quantia assim que o executivo terá de abandonar para sair da Expedia, a empresa especializada em viagens que ele lidera há 12 anos.
Esse cálculo faz parte do modelo de remuneração dos altos executivos, especialmente os presidentes. Em geral, eles ganham um salário fixo, bônus atrelado ao desempenho de acordo com metas pré-acordadas, benefícios diversos e um grande pacote de ações e opções de ações da empresa.
Esse desenho é feito para incentivar o presidente a cumprir objetivos de curto, médio e longo prazos. No caso das opções de ações, ele só ganha se a empresa se valorizar (as opções lhe permitem comprar as ações a um preço fixado lá atrás, e ele embolsa a diferença).
Além de (pelo menos em teoria) alinhar os interesses do executivo aos dos acionistas, esse modelo ajuda a reter o profissional. Porque, caso ele vá embora, perde o direito às ações.
E que direito, no caso de Khosrowshahi. Em 2015, ele foi um dos CEOs mais bem pagos dos Estados Unidos: recebeu 94,6 milhões de dólares. Só que não recebeu. A maior parte desse valor só ficaria disponível para ele nos cinco anos seguintes.
Contando todos os valores que Khosrowshahi teria a receber, chega-se aos 160 ou 180 milhões. E é claro que, por mais que diga que está interessado no desafio do novo cargo, ele provavelmente não aceitaria a proposta do Uber para perder dinheiro.
O “alô de ouro”
Os signing bonus são, como seria de esperar para uma despesa não atrelada a desempenho, controversos. Acionistas ativistas costumam
criticá-los como uma recompensa não merecida.
Mesmo assim, é uma prática cada vez mais comum: uma pesquisa do ano passado da associação de recursos humanos WorldatWork apontou que 76% das empresas de finanças, manufatura, consultoria e tecnologia têm um programa de bônus pela assinatura de contrato.
Curiosamente, uma outra pesquisa recente mostrou que esses programas podem ajudar a elevar o valor da companhia – em alguns casos. “Conceder bônus de entrada pode ser benéfico em contextos específicos”, disse ao Wall Street Journal a professora de negócios Jun Yang, da Universidade de Indiana, co-autora de um estudo que analisou bônus em grandes empresas americanas entre 1992 e 2011.
De acordo com o estudo, nas companhias em que o risco de demissão para o CEO era alto, empresas que pagaram signing bonus tiveram retorno 4,2 pontos percentuais acima das que não pagaram, no primeiro ano.
O Uber é, claramente, uma companhia em que a instabilidade no cargo de CEO é altíssima. Basta saber que um de seus maiores acionistas, o fundo Benchmark, está processando o co-fundador e ex-CEO Kalanick, que ainda nutre esperanças de voltar ao comando da empresa.
Nesse caso, o bônus para Khosrowshahi não é só uma maneira de compensá-lo pelo pacote que deixou para trás. É um recado de que o conselho está comprometido com a sua escolha.
Dito isso, é preciso entender que os bônus do estudo foram de 7,1 milhões de dólares, em média, para CEOs, e 2,5 milhões para outros altos executivos. O de Khosrowshahi é possivelmente 22 vezes maior que isso.
O que não significa que ele vai embolsá-lo de imediato. Assim como sua remuneração de 94,6 milhões de dólares de 2015, o bônus também deverá ser diferido no tempo. Em geral, os signing bonus são estipulados como empréstimos, que devem ser devolvidos caso o CEO não cumpra determinadas condições – como pular fora do barco, por exemplo.
Parece o Neymar?
Algo semelhante está por trás do recente processo que o clube Barcelona decidiu mover contra Neymar: quer que o jogador devolva 8,5 milhões de euros de um “bônus de lealdade” que o clube supostamente lhe pagou no ano passado.
Neymar é, aliás, um bom parâmetro de comparação para Khosrowshahi. Não apenas a sua transferência chega perto do valor da transferência do craque para o Paris Saint Germain (263 milhões de dólares), mas o discurso é parecido. Ambos disseram ter aceitado a mudança pela oportunidade de “fazer diferença”.
“Vai haver dificuldades? Há complexidade? Há desafios? Claro que há, mas é isso o que torna o trabalho divertido”, disse Khosrowshahi à Bloomberg. “Eu não estou nisso para seguir a maré. Estou nisso para sujar as mãos e construir um time e fazer algo que as pessoas depois vão olhar com toneladas de satisfação.”
Se, junto com a satisfação, vierem toneladas de dinheiro, tanto melhor.
Está certo, em 2015 seu pacote era de quase 95 milhões de dólares. Mas em 2014 foi de 9,6 milhões. No ano passado, de “apenas” 2,4 milhões em salários e bônus.
Para ficar apenas nos exemplos de empresas de tecnologia, Ursula Burns, da Xerox, ganhou 13 milhões de dólares; Chuck Robbins, da Cisco, 16 milhões; Satya Nadella, da Microsoft, 17,7 milhões; Shantanu Narayen, da Adobe, 20 milhões; Ginny Rometty, da IBM, 32 milhões; e Meg Whitman, da HP, que concorreu ao cargo de CEO do Uber com ele, 33 milhões de dólares.
Como o Uber é uma empresa privada, não tem obrigação de revelar os pacotes de remuneração de seus executivos. Mas sabe-se que a empresa concedeu ações no valor de 250 milhões para Anthony Levandowski, o engenheiro que veio do Google para montar a divisão de carros autônomos (o número foi divulgado no processo que a Alphabet move contra o Uber por roubo de patentes para desenvolver a tecnologia).
Levandowski foi demitido no fim de maio, numa decisão que reforça o discurso do Uber de que não estava ciente do roubo. Seu destino mostra a Khosrowshahi que um caminhão de dinheiro não é garantia de sucesso – nem de estabilidade.