Negócios

O Netflix chega aos 100 milhões

David Cohen A companhia de streaming Netflix anunciou não um, mas dois números extraordinários nos últimos dias. O primeiro, divulgado na sexta-feira 21 em um post no Facebook pelo seu executivo-chefe, Reed Hastings, foi a marca de 100 milhões de assinantes no mundo inteiro. O segundo, feito na segunda-feira 24 em um comunicado oficial, é que a […]

HASTINGS, FUNDADOR DO NETFLIX: a empresa enfrenta concorrência crescente num mercado cada vez mais superpovoado  / Ken Ishii/Getty Images

HASTINGS, FUNDADOR DO NETFLIX: a empresa enfrenta concorrência crescente num mercado cada vez mais superpovoado / Ken Ishii/Getty Images

DR

Da Redação

Publicado em 25 de abril de 2017 às 12h14.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h27.

David Cohen

A companhia de streaming Netflix anunciou não um, mas dois números extraordinários nos últimos dias. O primeiro, divulgado na sexta-feira 21 em um post no Facebook pelo seu executivo-chefe, Reed Hastings, foi a marca de 100 milhões de assinantes no mundo inteiro. O segundo, feito na segunda-feira 24 em um comunicado oficial, é que a companhia vai lançar títulos no mercado internacional (leia-se Europa) para arrecadar 1 bilhão de euros.

Cem milhões de assinantes não é pouca coisa, e o mercado financeiro sabe bem disso. Tanto que as ações da companhia subiram 1% na sexta-feira, e outro 1% na abertura do pregão, na segunda-feira. Parece um aumento modesto? É porque as ações já haviam subido 55% desde o ano passado, quando o Netflix projetou pela primeira vez que chegaria à marca dos 100 milhões “em algum momento” de 2017.

Hastings acredita que não vai parar por aí. “Celebrando os 100 milhões da mesma maneira que fiz o 1 milhão: um bife sozinho no Denny’s”, postou em sua página no Facebook, sob a rubrica #supersticioso.

É justamente para não parar por aí que entra o segundo número impressionante, da arrecadação de dinheiro com o lançamento de “senior notes”, títulos com garantia de pagamento prioritário caso a empresa tenha problemas.

A estratégia não é inédita. O Netflix já arrecadou 800 milhões de dólares com títulos em outubro de 2016, e 1,5 bilhão em fevereiro de 2015. Segundo seu comunicado, a empresa pretende usar o dinheiro para “propósitos gerais corporativos, que podem incluir aquisição de conteúdo, despesas correntes, investimentos, aquisições potenciais e transações estratégicas” – ou seja, praticamente para tudo.

A maior parte dos gastos, porém, deverá ser na produção de conteúdo original. Para este ano, está previsto o investimento de 6 bilhões de dólares na produção de séries e filmes próprios. É um dos maiores orçamentos de toda a indústria do entretenimento. Na mais perfeita aplicação da lógica das novas empresas digitais, a estratégia é crescer até ocupar uma fatia muito confortável do mercado, e só então passar a dar lucro.

No sentido em que números negativos são razão para otimismo, a Netflix vai de vento em popa. Em sua carta aos acionistas por ocasião da apresentação dos resultados do primeiro trimestre, na semana passada, ela reiterou que espera ter um caixa negativo de 2 bilhões de dólares em 2017 – 300 milhões acima do 1,7 bilhão do ano passado.

Esse ritmo não vai diminuir tão cedo. O comunicado de Hastings afirma que o fluxo de caixa negativo “vai acompanhar nosso crescimento acelerado por muitos anos”. Para convencer os acionistas a manter sua paciência, ele afirmou: “Nós temos uma grande oportunidade de negócios à nossa frente e estamos otimizando o longo prazo, aumentando agressivamente nosso conteúdo original”.

Em outras palavras, o Netflix aposta em arrecadar montanhas de dinheiro no mercado financeiro para criar conteúdo suficiente que lhe garanta a hegemonia no mercado de streaming, o que lá na frente deverá reverter em lucros abundantes.

O problema é que essa lógica não é exclusiva do Netflix. A Amazon – que foi a rainha dessa estratégia para se firmar como gigante do comércio eletrônico – vem logo na sua cola: deve investir 4,5 bilhões em conteúdo próprio em vídeo para o seu canal Prime, de acordo com analistas do banco JP Morgan. A Apple também está começando a investir em conteúdo. A companhia de telecomunicações AT&T e a empresa de TV por satélite Dish começaram a oferecer vídeo por streaming. A HBO, que tem um dos maiores pacotes de conteúdo premium (a série Game of Thrones, para ficar num só exemplo significativo), passou a oferecer serviços de streaming. A Hulu, uma associação entre Disney, 21st Century Fox, Comcast e Time Warner, também se prepara para o mercado de TV ao vivo. E ainda existe o Google, com a crescente força dos programas do YouTube.

Por mais que o público goste de assistir séries e filmes (cada vez mais séries que filmes), alguns analistas já apontam que o potencial de atenção está no limite. Em 2009, foram produzidas 211 séries para a TV americana. Agora são mais de 400. Não por acaso, os custos de distribuição e propaganda disparam: dos 6 bilhões de dólares que o Netflix deve gastar este ano, 1 bilhão será para despesas de marketing.

A glória e os riscos

Num cenário desses, a estratégia do Netflix não está livre de riscos. Um deles é decorrente do próprio sucesso. Com 100 milhões de assinantes, é cada vez mais difícil manter o ritmo de crescimento. A taxa de adesões no primeiro trimestre deste ano, de 5 milhões de novos assinantes, ficou abaixo do esperado. Isso ocorreu provavelmente porque a empresa adiou alguns lançamentos, como a nova temporada da série House of Cards.

Essas oscilações nos números levam a nervosismo entre os investidores. Ora eles acreditam num futuro brilhante, ora creem que a Amazon ou os grandes estúdios vão acabar roubando a hegemonia do Netflix. Isso se reflete no preço das ações, mais volátil que o normal.

Pode-se dizer que o Netflix depende duplamente das narrativas dramáticas: daquelas que produz para os espectadores e daquela que conta sobre si mesma, para manter os investidores felizes.

Uma dessas histórias felizes diz respeito ao lucro. Por mais de dois anos o Netflix vinha dizendo que em 2017 exibiria lucros globais significativos. No primeiro trimestre deu uma mostra deles: seu lucro operacional, de 178 milhões de dólares, é seis vezes e meia maior que o do mesmo período do ano passado, com uma receita de 2,6 bilhões de dólares.

O lucro por ação subiu de 0,06 dólar para 0,40, um recorde para a companhia. E pela primeira vez a empresa teve lucro operacional em sua operação internacional.

Para manter essa história num ritmo de alto astral, no entanto, é preciso ter histórias fantásticas para exibir. O problema é que isso custa caríssimo – se continuar investindo cada vez mais bilhões em produções próprias, como a empresa pode assegurar que está no caminho para um lucro hipotético no futuro?

Uma opção, claro, são bons contratos de parceria. Mas não apenas a concorrência despertou – a Amazon começou a abocanhar vários prêmios por suas produções – como há no horizonte uma ameaça atroz: perder o valioso conteúdo da Disney.

Quando o mercado de streaming ainda chamava pouca atenção, em 2012, o Netflix fez um acordo que lhe garantia exclusividade para exibir o catálogo da Disney. Esse acordo (que passou a vigorar no ano passado) é em boa parcela responsável pela valorização de mais de 1.000% nas ações da Netflix desde então.

Só para dar uma noção da importância do conteúdo da Disney para a companhia, a série Iron Fist, da Marvel, pertencente à Disney, respondeu por quase 15% de todas as transmissões do Netflix na sua estreia, no começo do ano – a maior audiência de qualquer início de programa de streaming.

Para o Netflix, o casamento é perfeito. Isso não significa que seja duradouro. Alguns analistas avaliam que o fim do acordo ocorra nos próximos dois ou três anos. Em agosto do ano passado, a Disney comprou 33% da BAMTech, uma companhia digital que era ligada à Liga Profissional de Beisebol. A Disney investiu 1 bilhão de dólares e tem a opção de adquirir a maioria das ações nos próximos anos. Com isso, poderia facilmente expandir a programação (hoje limitada ao esporte) para seus clientes de streaming.

Mesmo se este não for o caminho escolhido, a Disney é uma marca tão poderosa que em algum momento deverá estender sua influência para o serviço de streaming. Nesse momento, o Netflix não lhe será mais necessário. E, de parceiro, se tornará rival.

É por isso que o Netflix tem tanta pressa em se firmar como uma produtora de conteúdo indispensável. Ter 100 milhões de assinantes é impressionante, mas pode não ser suficiente.

Acompanhe tudo sobre:Exame Hoje

Mais de Negócios

Homem mais rico da América Latina investiu US$ 1 bi em petróleo em 2024

Ele faz R$ 200 milhões alugando motos para entregadores – e agora vai expandir o negócio pelo mundo

As estratégias que impulsionaram o crescimento da Shopee em 2024

Nokia, Kodak e BlackBerry: o que aconteceu com as empresas de tecnologia que bombavam nos anos 1990