Negócios

O CEO do Uber brinca com o fogo

Mike Isaac © 2017 New York Times News Service San Francisco – Travis Kalanick, CEO do Uber, visitou a sede da Apple, no início de 2015, para se encontrar com Tim Cook, que dirige a fabricante do iPhone. Durante meses, orientou seus empregados a esconder o aplicativo dos engenheiros da Apple. O motivo: para que […]

KALANICK, DO UBER: ele passa por cima de regras, parceiros e concorrentes para chegar aonde quer  / Julie Glassberg/The New York Times

KALANICK, DO UBER: ele passa por cima de regras, parceiros e concorrentes para chegar aonde quer / Julie Glassberg/The New York Times

DR

Da Redação

Publicado em 3 de maio de 2017 às 12h39.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h24.

Mike Isaac
© 2017 New York Times News Service

San Francisco – Travis Kalanick, CEO do Uber, visitou a sede da Apple, no início de 2015, para se encontrar com Tim Cook, que dirige a fabricante do iPhone.

Durante meses, orientou seus empregados a esconder o aplicativo dos engenheiros da Apple. O motivo: para que a empresa não descobrisse que o Uber vinha, em segredo, identificando e marcando iPhones mesmo depois que seu aplicativo era deletado ou que o aparelho fosse todo apagado – atitude que viola seus termos de privacidade.

Mas a Apple havia descoberto o truque, e quando Kalanick chegou à reunião, Cook estava preparado. “Então, fiquei sabendo que você violou algumas das nossas regras”, disse Cook. Ele então exigiu que aquilo parasse, ou o aplicativo seria excluído da App Store. Se isso acontecesse, o Uber perderia acesso a milhões de usuários de iPhone, essencialmente destruindo o negócio da empresa. Kalanick não teve saída a não ser concordar.

Com o intuito de transformar o Uber na entidade de compartilhamento de transporte dominante no mundo, Kalanick abertamente passou por cima de muitas normas e regras, voltando atrás somente quando era pego e pressionado. Ignorou regulamentos de transporte e segurança, combateu agressivamente seus competidores e tirou vantagens de brechas e imprecisões legais para levar seu negócio adiante.

Com isso, ajudou a criar um novo setor de transportes, com o Uber se instalando em mais de 70 países e chegando a ser avaliado em 70 bilhões de dólares, e seu negócio continua a crescer. Mas esse encontro com Cook mostrou como Kalanick também era responsável por assumir riscos que talvez deem um fim ao Uber.

De acordo com entrevistas com mais de 50 funcionários e ex-funcionários, investidores e outros com quem Kalanick, de 40 anos, tem relacionamento pessoal, o que o move é uma necessidade de vencer ao que quer que se dedique, e a qualquer custo, característica que agora jogou o Uber em sua maior crise desde a fundação, em 2009.

“A maior força de Travis é que ele faz de tudo para conseguir seus objetivos; e sua maior fraqueza também. Esse é o melhor jeito de descrevê-lo”, disse Mark Cuban, proprietário do time Dallas Mavericks e investidor bilionário que foi mentor de Kalanick.

A falta de limites levou o empresário a um padrão de atitudes no Uber que foram longe demais, sabotando competidores e permitindo que a empresa usasse uma ferramenta secreta chamada Greyball para ludibriar a polícia.

Essa qualidade também se estende à sua vida pessoal, e Kalanick é visto com celebridades como Jay Z e empresários, incluindo o principal conselheiro econômico do presidente Donald Trump, Gary D. Cohn.

Nos últimos meses, o Uber enfrentou alegações de ser um local de trabalho machista, onde os gerentes rotineiramente ultrapassam os limites verbalmente, fisicamente e por vezes, sexualmente com as funcionárias. Detratores da empresa começaram uma campanha com a hashtag #deleteUber. Os executivos começaram a sair. Alguns investidores a criticaram abertamente.

A liderança de Kalanick está por um fio. Ele se desculpou publicamente por parte de seu comportamento, está entrevistando candidatos para o cargo de diretor de operações e também está trabalhando com a gerência para restaurar alguns dos valores da empresa.

Através de um porta-voz do Uber, Kalanick recusou um pedido da entrevista. A Apple também não quis comentar sobre a reunião com Cook. Muitos dos entrevistados para este artigo pediram para permanecer anônimos, pois haviam assinado acordos de sigilo com o Uber ou porque não queriam atrapalhar seu relacionamento com o CEO.

Vendendo eficiência

Kalanick começou o curso Engenharia da Computação na Universidade de Califórnia, em Los Angeles, mas o abandonou em 1998 para montar uma startup com diversos colegas de classe. A empresa, Scour, produzia um programa P2P similar ao Napster.

A Scour, que acabou sendo processada em 250 bilhões de dólares por alegações de violação de direitos autorais, entrou com pedido de falência em outubro de 2000 para se proteger do processo. Esse fracasso não impediu Kalanick da ajudar a fundar outra startup em Los Angeles, a Red Swoosh, quatro meses mais tarde, desenvolvendo uma tecnologia para transferir grandes arquivos de dados digitais com eficiência; um de seus investidores era Cuban.

Com ela , Kalanick passou a exibir sua agressividade característica. Quando a empresa começou a enfrentar dificuldades, ele e um sócio recolheram o dinheiro do imposto do pagamento dos empregados – que deveria ser retido e enviado à receita – e o reinvestiram na startup, mesmo enquanto amigos e conselheiros o advertiam de que isso era ilegal.

Em 2007, Kalanick vendeu a Red Swoosh para a Akamai, empresa de serviços na nuvem, por aproximadamente 19 milhões de dólares. O negócio o transformou em um milionário, e ele se mudou para San Francisco.

A ascensão do Uber

A dica do Uber veio em 2009, de Garrett Camp, um amigo de Kalanick que estava com a ideia fixa de usar um aplicativo de smartphone para chamar carros particulares, pois nunca conseguia pegar um táxi em San Francisco.

O UberCab, nome que recebeu na época, começou seu serviço em San Francisco, em maio de 2010. Kalanick rapidamente mostrou a startup como uma alternativa ao setor dos táxis. Os regulamentos de diferentes cidades exigiam procedimentos como estações básicas para táxis, medidas de segurança e outras estipulações. Kalanick ignorou essas regras.

A empresa normalmente enviava uma equipe pequena a uma nova cidade para, agressivamente, recrutar novos motoristas através do Craigslist e de outras páginas on-line. A seguir, introduziu o aplicativo UberCab no mercado para aumentar as opções de transporte.

Isso chamou a atenção dos reguladores. Em outubro de 2010, o nome foi encurtado para Uber após ter recebido uma carta de autoridades de San Francisco para que parasse de se intitular uma companhia de táxi sem as licenças e permissões apropriadas.

O Uber foi para a China, em 2013, e Kalanick gastou bilhões de dólares para vencer o concorrente local, o Didi Chuxing, mas acabou recuando no ano passado, em parte por causa de perdas pesadas. Ele agora está apostando alto na Índia para se tornar líder do mercado de lá. A empresa disse que perdeu 2,8 bilhões de dólares em 2016, excluindo a China.

Para a vitória

Com Kalanick determinando o tom do Uber, os empregados tentavam garantir que o serviço fosse bem-sucedido a qualquer custo. Gastaram boa parte de sua energia em rivais como o Lyft. O Uber montou equipes dedicadas a coletar informações da concorrência, comprando dados de um serviço de análises chamado Slice Intelligence. Usando uma lista de e-mails de seu serviço Unroll.me , a Slice coletou recibos do Lyft na caixa de entrada de seus clientes e vendeu os dados anônimos ao Uber, que por sua vez usou esses dados para sugar o negócio do Lyft.

A Slice confirmou que vende dados anônimos baseados em recibos do Uber e do Lyft, mas não revelou quem compra essa informação. A ideia de enganar a Apple, a principal distribuidora do aplicativo do Uber, começou em 2014.

Naquela época, o Uber estava às voltas com fraudes em lugares como a China, onde as pessoas compravam iPhones roubados que eram apagados e revendidos. Alguns motoristas do Uber de lá criavam dezenas de e-mail falsos para registrar novas contas vinculadas a cada celular, e solicitavam corridas desses telefones, que então aceitavam. Como a empresa dava incentivos aos motoristas para que fizessem mais corridas, eles conseguiam ganhar mais dessa maneira.

Para interromper essa atividade, os engenheiros do Uber atribuíram uma identidade fixa aos iPhones com um pequeno código, uma prática chamada “fingerprinting”. O Uber poderia então identificar um aparelho e impedir o logro, mesmo depois que o dispositivo tivesse todo seu conteúdo apagado.

Havia só um problema: marcar os iPhones dessa maneira quebrava as regras da Apple. Cook acredita que, quando um iPhone é zerado, nenhum traço da identidade do proprietário anterior deve permanecer no dispositivo.

Então, Kalanick pediu que seus engenheiros cercassem as coordenadas geográficas da sede da Apple em Cupertino, na Califórnia, para identificar digitalmente as pessoas que escreviam suas opiniões sobre o aplicativo do Uber em uma localização específica. Eles então ofuscariam o código dessas pessoas dentro desse perímetro específico, o que basicamente é um laço digital em torno daquelas que quisessem se manter na obscuridade. Os empregados da Apple eram incapazes de ver o fingerprinting do Uber.

Mas os engenheiros da Apple fora de Cupertino descobriram a trapaça, o que fez Cook convidar Kalanick a seu escritório. Ele ficou abalado com a bronca, pelo menos de acordo com uma pessoa que o viu após a reunião. Mas apenas momentaneamente. Mesmo porque ele já havia enfrentado a Apple, e o Uber tinha sobrevivido. Kalanick continuou vivo para permanecer na luta.

The New York Times News Service/Syndicate – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times._NYT_

Acompanhe tudo sobre:Exame Hoje

Mais de Negócios

Azeite a R$ 9, TV a R$ 550: a lógica dos descontaços do Magalu na Black Friday

20 frases inspiradoras de bilionários que vão mudar sua forma de pensar nos negócios

“Reputação é o que dizem quando você não está na sala”, reflete CEO da FSB Holding

EXAME vence premiação de melhor revista e mantém hegemonia no jornalismo econômico