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Mundo está de olho no saneamento do Brasil, diz CEO da BRK Ambiental

Teresa Vernaglia, presidente da BRK Ambiental, diz que setor é uma das maiores oportunidades do mundo em infraestrutura, mas precisa de regras claras

Instalações da BRK Ambiental em Limeira: setor deve atrair 500 bilhões em investimento (BRK Ambiental/Divulgação)

Instalações da BRK Ambiental em Limeira: setor deve atrair 500 bilhões em investimento (BRK Ambiental/Divulgação)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 30 de junho de 2020 às 06h00.

Última atualização em 30 de junho de 2020 às 19h16.

O Senado aprovou na semana passada o novo marco do saneamento básico que, dentre outras medidas, amplia a possibilidade de atuação de empresas privadas no setor. As mudanças atraem a atenção de investidores nacionais e internacionais. Estimativas indicam necessidade de investimentos entre 500 bilhões e 700 bilhões de reais. “O mundo todo olha o que acontece no Brasil em saneamento. Pelo tamanho do mercado e o que tem para ser feito, essa talvez seja uma das maiores oportunidades do mundo em investimento em infraestrutura”, afirmou Teresa Vernaglia, presidente da BRK Ambiental, em entrevista à EXAME.

A BRK Ambiental é hoje a maior empresa privada no setor. Segundo Vernaglia, a empresa vem se preparando há anos para esse momento. “Venho do mundo regulado, trabalhei com telecom, energia, e não conseguia ver uma empresa desse porte avançando sem um marco regulatório. Fizemos toda a transformação para ter a empresa preparada para esse momento”, diz a executiva, que já atuou na empresa de energia AES e na de telefonia Nextel.

Dentre as medidas tomadas pela BRK para se preparar está o registro como companhia aberta junto à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), realizado no ano passado. A solicitação foi para a categoria B, que permite a emissão de títulos de dívida, mas não de ações. Com isso, a BRK amplia suas possibilidades de captação de recursos para novos projetos e se fortalece para um ambiente com mais concorrência. “A gente não tem medo da concorrência, o que temos medo é de uma concorrência que não é igual para todo mundo. Queremos ter regras claras e projetos bons”, diz Vernaglia.

A BRK Ambiental antes se chamava Odebrecht Ambiental. Em 2017, o grupo canadense Brookfield adquiriu 70% da companhia, que mudou de nome. A empresa opera em mais cem municípios e tem a expectativa de investir 20 bilhões de reais nos próximos 20 anos só nos projetos já em andamento.

Leia a entrevista:

Como avalia a aprovação do marco do saneamento pelo Senado?

Foi uma aprovação histórica, é um marco para o Brasil. Todo o mercado, e a BRK Ambiental inclusa, sempre acreditou nesse novo marco como sendo um divisor de águas. Aconteceu e estamos otimistas, mas ainda há muito o que fazer para materializar essa nova lei. Ela precisa ser sancionada, regulamentada, existem alguns passos a serem dados para tornar a lei de fato efetiva. É preciso saber como vai se definir a capacidade econômica das empresas para que se possam renovar os contratos, a ANA (Agência Nacional de Águas) precisa ser preparada para suas novas atribuições, e precisamos que venha a mercado um grande número de projetos.

A BRK Ambiental é maior empresa privada no setor de saneamento hoje. O novo marco amplia a possibilidade de concorrência, certo?

A gente não tem medo da concorrência, o que temos medo é de uma concorrência que não é igual para todo mundo. Queremos ter regras claras e projetos bons, em que todos entram em igualdade, e aí, que vença o melhor. Queremos ter a possibilidade de jogar, esse é o benefício principal da nova lei. É permitir que seja possível jogar e que as regras sejam claras para todos de antemão, que os editais sejam bem feitos, que haja audiências públicas. É isso o que o investidor quer, uma regra clara, pela qual todos possam participar, e a confiança de que os contratos serão honrados. A aprovação é a sinalização que quem tem capacidade de investir e operar quer. Com isso temos uma perspectiva de que será viável operar por 35 anos com regras claras.

O que muda na BRK com a aprovação da nova lei?

Na BRK nada muda, porque sempre nos organizamos para esse momento. Eu venho do mundo regulado, trabalhei com telecom, energia, e não conseguia ver uma empresa desse porte avançando sem um marco regulatório. Fizemos toda a transformação para ter a empresa preparada para esse momento. Agora é seguir em frente e esperar para que venham grandes projetos.

Vocês têm sido procurados por fundos, investidores, empresas interessadas e atuar nesse setor aqui?

O mundo todo olha o que acontece no Brasil em saneamento. Pelo tamanho do mercado e o que tem pra ser feito, é uma das maiores oportunidades do mundo de investimento em infraestrutura. Então vários fundos, investidores, operadores estrangeiros acompanham, assim como investidores que já estão no país. Aqueles que não operam em saneamento e aqueles que já operam, como é o caso da BRK. E aí a gente sabe os desafios de fazer esse investimento, de gerenciar várias agências reguladoras, entender a necessidade de cada poder concedente e município. O que ocorre é uma preocupação de entender o que é o projeto de lei, o que de fato muda. Para o investidor estrangeiro também é um desafio entender a relação com os municípios e o ambiente político. Não acredito que um investidor entre nesse negócio do zero, porque há uma complexidade intrínseca que não é desprezível. E aí quem já opera no setor, como nós, tem uma vantagem competitiva. As pedras estão se movimentando a partir de agora. São entre 500 e 700 bilhões de reais em investimento. O que o Brasil precisa é daquele investidor que tem capacidade para investir, e que tenha uma visão de longo prazo, não aquele que tem uma visão de curto prazo. Na medida em que ele vê no país um pipeline de projetos, com regras transparentes, é esse investidor que vai trazer os volumes de investimentos necessários. Temos uma oportunidade única, mas muita coisa ainda precisa acontecer. O mercado de capitais terá papel importante na captação desses recursos. E quem estiver na frente na ESG vai ser um diferencial, e a BRK está preparada.

O ambiente político polarizado e as dificuldades na gestão da pandemia no Brasil podem afugentar o investidor?

Esses pontos fazem com que ele olh ecom mais cuidado. Em um ambiente com instabilidade, ele vai olhar com mais critério a qualidade dos projetos, os mecanismos para garantia dos contratos. Isso só reforça a importância de termos projetos de qualidade.

Como vocês planejam acessar o mercado de capitais?

Hoje temos 22 operações, a maior parte está na fase de capital intensivo para levar universalização de água e esgoto. Investimos na ordem de 1 bilhão de reais ao ano, construindo novas redes e conexões, levando água, coleta e tratamento e correta disposição do esgoto. A gente tem uma previsão de investimento da ordem de 20 bilhões nos próximos 20 anos, só nas concessões atuais. Com a perspectiva de novas operações, com certeza devemos diversificar a fonte de financiamento. Listamos a BRK na CVM como tipo B, não somos uma empresa de capital aberto, mas para acessar o mercado de capitais, estamos preparados para isso, por isso fizemos esse movimento em 2019. Vamos emitir debêntures com certeza, já estávamos nos preparando para fazer ao longo de 2020. Com a covid, assim como todo o mercado, a gente se retraiu. Também existem movimentos importantes de incentivo de debêntures para infraestrutura, com benefícios para o emissor, há um projeto de lei em andamento sobre isso. O fato de virem a mercado projetos de saneamento também faz com que o mercado todo se movimente e traga instrumentos que viabilizem a captação de recursos de grande monta para um investimento de longo prazo que é o saneamento. Para agora não consideramos abertura de capital, temos muita coisa acontecendo na BRK. Quem sabe no futuro. Nesse momento olhamos outros mecanismos.

Há críticas de que municípios não rentáveis para as empresas sejam prejudicados pelo novo marco. Como vê essas críticas?

Essa é uma narrativa equivocada. Essas cidades já estão abandonadas. Onde estão os 35 milhões que não tem acesso a água, hoje? Estão nos municípios mais pobres. Com a nova lei, agora abre-se a oportunidade de recursos irem para esses municípios, e o projeto de lei traz mecanismos para de colocar esses municípios na rota do investimento privado. Eles já estão preteridos hoje. A gente discute essa lei há três anos. A grande discussão sempre foi como dar viabilidade econômica a esses municípios pequenos, isso tudo depende do modelo implementado. Hoje tem algum município sem acesso a telefonia? Tem algum município sem acesso a energia? Temos universalidade em telefonia e energia, mas não tem o saneamento. O que conseguimos aprender com setores que conseguiram vencer a barreia do economicamente viável? A saída é combinar o município que é viável com aquele que não é no mesmo bloco. E cobrar o operador para que ele faça o investimento e seja cobrado por um serviço de qualidade. Essa é uma discussão superada.

Outra crítica é a de que, com mais atuação do setor privado, a conta de água ficaria mais cara. A conta de água vai ficar mais cara?

Em primeiro lugar, é preciso ver que parte da população paga pela água, mas não tem esse serviço. Em segundo, é preciso pagar pelo serviço, não dá para ser de graça. Um estudo do IBGE mostrou que, dentro de uma renda familiar, o percentual da água na carteira não chega a 2%, isso precisa estar em perspectiva. A questão da tarifa não é a correta. Essa tarifa não necessariamente será mais cara. Tenho que ter eficiência. Tem regiões com perda de água de 70% entre a captação da água, tratamento, até ela chegar até a casa do cliente. Resolver esse tipo de problema trará ganhos que não virão pelo aumento da tarifa. A tarifa pode até ficar mais cara em algumas regiões, mas não é uma premissa.

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