Linha de produção: final de ano deve ter horas extras na indústria (Germano Lüders/Exame)
Juliana Estigarribia
Publicado em 6 de novembro de 2020 às 13h22.
Mesmo com a retomada súbita da demanda, a indústria automotiva continua ajustando estoques para garantir um pouco de fôlego financeiro. Com isso, clientes do varejo e do atacado relatam falta de produtos e atraso nas entregas, mas as montadoras mantêm firme a decisão de só reativar segundo e terceiro turnos nas fábricas se houver um horizonte claro de retomada.
"Todo mundo tem essa dúvida hoje, será que temos uma demanda permanente?", indaga Luiz Carlos de Moraes, presidente da Anfavea, associação que reúne as montadoras, em entrevista à EXAME. "A indústria está fazendo horas extras e jornadas adicionais, mas para trabalhar em 3 turnos é preciso ter certeza de que esse nível de demanda veio para ficar."
Segundo balanço divulgado nesta sexta-feira, 06, em outubro a produção cresceu 7,4% sobre o mês anterior, mas houve queda acumulada no ano de 38,5%. As vendas perderam tração na passagem de setembro para outubro e a exportação continua com retração de 34% no ano.
Paralelamente, varejo e frotistas estão relatando falta de produtos e atraso nas entregas, que somam cerca de 150.000 unidades somente entre os frotistas. "Quando a indústria tinha carros disponíveis no segundo trimestre, as locadoras não queriam comprar. É uma situação normal na crise, a produção deve se normalizar até o fim do primeiro trimestre de 2021", diz Moraes.
O dirigente reforça que as montadoras precisaram reduzir estoques como medida primordial na pandemia para garantir capital de giro. Segundo ele, manter um grande inventário de peças e veículos corrói o caixa das empresas. Ao final de outubro, os estoques de veículos no setor somavam 18 dias. Normalmente, montadoras e concessionárias trabalham com volumes suficientes para vendas de no mínimo 30 dias.
Além disso, o aumento de custos também tem impactado a decisão de manter estoques mais ajustados. As montadoras estão em um período importante de negociações com as siderúrgicas, cujos contratos são anuais. Recentemente, a CSN afirmou publicamente que o reajuste para o setor não poderia ser inferior a 30%.
"O argumento das siderúrgicas tem sido a alta do minério de ferro e do carvão e sabemos que este é um impacto relevante. Mas como o aço é um componente importante para toda a cadeia, não só montadoras, se confirmado esse nível de reajuste o repasse será inevitável", diz Moraes.
Para 2021, Moraes afirma que as empresas estão acompanhando o cenário com cautela, sabendo da probabilidade de o auxílio emergencial acabar e, com isso, ocorrer um impacto negativo no país. "A economia vai ter que andar com as próprias pernas. Reformas e investimentos em infraestrutura são as únicas alternativas para a retomada no Brasil."
Enquanto isso, a situação nas montadoras não mudou nos últimos meses. O nível de emprego continua um desafio, com 4.600 postos de trabalho a menos desde o início da pandemia, e não há horizonte de retomada consistente no mercado doméstico nem no externo. Aliás, a cada ano que passa as exportações da indústria automotiva brasileira tornam-se mais difíceis.
Segundo a Anfavea, em outubro houve um crescimento de 14% dos embarques em relação a setembro. Mas este foi o pior acumulado desde 2002.
"Nossos principais mercados estão registrando quedas de 30% a 40%. As empresas estão tentando acelerar as exportações na medida possível, mas temos limitações principalmente na Argentina", diz Moraes.
O presidente da Anfavea afirma que independentemente do resultado das eleições americanas, a indústria automotiva continuará apoiando a política de acordos comerciais.
Moraes diz que o governo brasileiro está criando acordos de facilitação do comércio exterior e que o setor "apoia" a política. "A direção está no caminho certo e deve ser mantida."
Ele ressalta que, atualmente, não há um acordo comercial vigente no setor automotivo entre Brasil e Estados Unidos e que se houver uma eventual mudança de governo por lá, com a eleição do democrata Joe Biden, não deve haver impactos diretos na indústria automotiva brasileira.