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Lusardi, da George Washington: o poder da poupança

Referência em educação financeira, a professora Annamaria Lusardi, de Harvard, afirma que uma população financeiramente iletrada é uma ameaça aos países

ANNAMARIA LUSARDI: / Divulgação

ANNAMARIA LUSARDI: / Divulgação

CR

Carolina Riveira

Publicado em 11 de maio de 2017 às 12h11.

Última atualização em 27 de junho de 2019 às 18h58.

Oito em cada dez brasileiros não têm conhecimento para controlar os gastos pessoais e mais de um terço deixou de pagar ou atrasou alguma conta no último ano, segundo uma pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas. A taxa é quase a mesma para diferentes faixas de renda, o que mostra que o descontrole financeiro, no Brasil, não é questão de falta de dinheiro.

Por isso, o governo federal criou em 2010 a Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF), que agrega projetos da iniciativa pública e privada na área. Para participar de evento comemorativo do projeto, a professora Annamaria Lusardi, autoridade mundial em finanças pessoais e diretora da Escola de Negócios da Universidade George Washington, veio a São Paulo e compartilhou suas experiências. Em entrevista a EXAME Hoje, falou sobre as iniciativas de educação financeira pelo mundo, a importância do tema para o dia-a-dia, empreendedorismo e o futuro do país como um todo. “Uma população financeiramente iletrada é uma ameaça. Veja só o Brexit”, comentou a especialista.

Por que a educação financeira é um conhecimento importante?
Educação financeira diz respeito às nossas vidas, não é apenas poupar ou investir. Usamos finanças todo dia, mais do que imaginamos, e muitas dessas decisões são muito importantes e têm muitas consequências para o nosso futuro. E agora temos instrumentos financeiros que não tínhamos no passado: cartões de crédito, contas em banco, coisas que não são simples de lidar. Com conhecimento, podemos ajudar (além de nós mesmos) pessoas ao nosso redor, como nossos pais, que talvez estejam pensando na aposentadoria, ou nossos filhos, porque temos que fazer decisões pelo futuro deles. Pense, por exemplo, em não investir em educação: ao sair da escola, passará uma vida com salários baixos. É sobre ter as ferramentas para tomar decisões certas.

Nos últimos anos, passamos muito tempo no Brasil discutindo inflação, crise econômica e outros temas financeiros, mas poucas pessoas entendem de fato como isso impacta a vida delas. Como a educação financeira pode ajudar?
As notícias econômicas estão nas primeiras páginas não só no Brasil, mas na Europa, nos Estados Unidos, no mundo todo. Temos o Brexit, a eleição na França, tudo tem muitas questões econômicas. Estamos pedindo para as pessoas votarem temas que envolvem reformas econômicas, mas que tipo de democracia é essa que pede para as pessoas votarem sobre coisas que elas não entendem? Então, quando falamos de educação financeira, também falamos de ser capaz de participar efetivamente da sociedade. As pessoas podem não só tomar boas decisões em suas vidas financeiras, mas tornarem-se cidadãos melhores também.

Pensando no cenário da educação pública brasileira, em que mais da metade das crianças não têm as técnicas básicas de matemática, como ensinar educação financeira na escola? Esse conhecimento tem que vir junto com outras bases?
As pessoas precisam de muitos conhecimentos, e não ouso dizer que educação financeira é a única coisa de que elas precisam. Mas acredito que pessoas de condições sociais mais desfavoráveis precisam dessa habilidade ainda mais. Senão, como eles vão superar o background social desfavorável? Eles vão pra casa e provavelmente seus próprios pais não tomam boas decisões financeiras. A escola ainda é a única ferramenta de igualdade que temos – e é por isso que precisamos de educação financeira lá, porque se não colocarmos isso na escola, onde eles vão aprender? Também acredito que esse tipo de conhecimento pode ir da criança para os pais. Quando as crianças aprendem, por exemplo, a importância de desligar a luz e economizar energia, elas vão para casa e ensinam isso. E os dados do PISA nos mostram que, quando os pais estão engajados, as crianças se saem melhor.

O setor privado deve se engajar mais em projetos para educação financeira?
Não precisamos deixar só para o governo ou para as escolas. Esse é um tema especialmente importante para o setor privado: com que tipo de consumidores os empresários querem lidar no futuro? Consumidores que não entendem seu projeto ou seu produto? Ao interagir com pessoas que são mais educadas, todos se beneficiam. E é importante lembrar que isso não é caridade, é um investimento. Uma população financeiramente iletrada é uma ameaça – veja só o Brexit. Porque as pessoas se sentem excluídas e não entendem o mundo ao redor delas. Então, elas ficam com medo, e nós pagamos muito caro por isso. O setor empresarial precisa perceber que, se as pessoas são incluídas, elas podem tomar decisões melhores em vez de se sentirem vítimas de um sistema do qual são excluídas. Então, todos temos que ser mais pró-ativos nisso. Todos podemos ser embaixadores da educação financeira, pedir para as escolas implantarem iniciativas, ajudar crianças, fazer projetos.

Quais países têm modelos bem-sucedidos de educação financeira?
Muitos dos países anglo-saxões têm boas iniciativas: Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia. O Reino Unido colocou educação financeira como obrigatória. Isso dá um sinal de o quanto eles vêem o tema como importante para o país. Na Nova Zelândia, é muito inovador a forma como isso é colocado desde muito cedo – aos cinco anos de idade –, porque a educação financeira é um tema como qualquer outro. Quando as pessoas pensam em educação financeira, costumam pensar em um curso no fim do Ensino Médio. Mas ninguém aprende tão rápido assim. É preciso ir construindo esse conhecimento o mais cedo possível. As crianças já entendem o poder do dinheiro.

Em todos os países, as mulheres ficam para trás em educação financeira. Por que isso acontece?
Fizemos uma pesquisa em muitos países e havia a possibilidade de dizer “eu não sei”. E as mulheres aparecem como menos financeiramente letradas porque marcavam muito mais “eu não sei” do que os homens. Então, não é que mulheres são menos inteligentes ou sabem menos – elas só têm menos confiança. Em muitas das minhas aulas, quando eu pergunto algo, a primeira reação das alunas é dizer que não sabem; mas quando vou perguntando mais, percebo que, na verdade, elas sabem sim. Mas esse resultado também mostra por que as mulheres devem justamente tomar decisões financeiras: elas são mais humildes, tem a audácia de dizer que não sabem. E as finanças lidam com risco, então humildade é uma característica muito importante. Para homens, educação financeira está geralmente associado a ser rico. Mas as mulheres raramente dizem que querem ser ricas, o que elas querem é ter segurança financeira para suas famílias. Deixamos as mulheres de fora por muito tempo, mas estou convencida de que vão mudar o mundo se as colocarmos no comando. Por isso, nossos programas educacionais precisam focar nas crianças e nas mulheres. São os dois grupos com maior potencial para realizar mudanças na sociedade.

Obviamente, a educação financeira é muito importante para quem quer começar a empreender ou expandir seu negócio – o que é o caso de muitas pessoas no Brasil. Mas essas pessoas já perderam a chance de aprenderem educação financeira quando crianças. Que conselho você daria para os empreendedores brasileiros?
Quando as pessoas pensam em empreendedorismo, pensam em acesso a financiamento. Mas o importante mesmo é a habilidade para usar esse financiamento. Ser um empreendedor é uma tarefa de risco, tem muita coisa em jogo. Precisamos criar um ambiente para esses empreendedores se prepararem bem – nas incubadoras, por exemplo. Há esse mito do self-made man, de que com talento e uma boa ideia é possível criar uma empresa. Precisamos esquecer essa visão. Sucesso é fazer o projeto acontecer. Donos de grandes empresas podem contratar um CFO, mas, no começo, cada decisão financeira é essencial. E só assim as pequenas empresas vão ser bem-sucedidas e crescer. O fato de ser pequeno não significa que é irrelevante – mesmo o Steve Jobs começou na garagem. São os pequenos empreendedores que criam empregos.

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