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Jogo duro

O que a Bayer, a GlaxoSmithKline e a Eli Lilly, donas do Levitra e do Cialis, estão fazendo para conquistar um mercado de 200 milhões de reais no Brasil, até agora dominado pelo Viagra, da Pfizer

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

Quatro dos maiores concorrentes do setor farmacêutico Pfizer, Bayer, GlaxoSmithKline e Eli Lilly estão se engalfinhando para conquistar a liderança de um mercado que até cinco anos atrás nem existia: o de medicamentos para impotência sexual. Desde a última semana de abril, os remédios Cialis, da Lilly, e Levitra, da Bayer/Glaxo, chegaram às farmácias brasileiras para disputar esse nicho de mais de 200 milhões de reais ao ano. Os números auditados pelo IMS, braço do instituto ACNielsen que monitora a indústria farmacêutica, mostram que, até agora, os novos concorrentes estão se dando bem. Em março o Viagra era dono de 92% desse mercado. Em junho, sua participação caiu para 60%. O Cialis, o segundo colocado, ficou com 24,6%, 10 pontos mais do que em maio. O Levitra está com 9,1%.

A ofensiva da Lilly, da Bayer e da GlaxoSmithKline não é o primeiro ataque ao Viagra. Para quem não sofre de disfunção erétil, nomes como Regitina, Vasomax, Herivyl ou Uprima não dizem nada. Mas os homens familiarizados com o assunto sabem que são marcas de remédios que falharam ao tentar derrotar a supremacia do Viagra. A pílula azul da Pfizer, sinônimo de solução contra a disfunção erétil no mundo inteiro, é o medicamento número 1 em faturamento no Brasil, com vendas de 176 milhões de reais em 2002. Mas, pelo menos do ponto de vista dos especialistas em saúde, Levitra e Cialis parecem estar mais preparados para oferecer aquilo que tornou o Viagra tão imbatível: uma ereção, como eles gostam de dizer, de qualidade. São produtos que os estudos

clínicos mostraram ser muito eficientes e seguros , diz o médico Eric Roger Wroclawski, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).

Para que seus remédios decolem no mercado, os concorrentes da Pfizer precisam precisam espalhar a notícia de que o Viagra, há cinco anos sozinho, não é mais o único produto no páreo. Até o final de julho, essa tarefa estava mais fácil no Brasil. No embalo de campanhas publicitárias milionárias, cujos valores os laboratórios não revelam, ereção, desempenho sexual e assuntos afins vinham aparecendo com força total em anúncios na televisão e em revistas. Mas, antes que Levitra e Cialis tivessem feito todo o barulho que queriam, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) acabou com a festa. A Anvisa exigiu que os laboratórios, inclusive o pioneiro Pfizer, suspendessem os anúncios em veículos de comunicação de massa. Segundo a agência, eles estavam ferindo a legislação brasileira, que proíbe a propaganda de remédios vendidos sob prescrição médica. Os laboratórios acataram a decisão, mas reclamaram. Foi uma pena ter de suspender as ações , diz Sandra Artoni, gerente da Bayer responsável pelo Levitra. O nome do medicamento não aparecia na campanha e estávamos fazendo um bom trabalho educacional.

Mesmo que os nomes ou os medicamentos não estivessem presentes nos anúncios, a Anvisa concluiu que as campanhas, longe de esclarecer, estavam simplesmente estimulando o consumo indiscriminado dos medicamentos. A legislação permite propaganda institucional, mas aquilo era propaganda subliminar de produto , diz Maria José Fagundes, gerente de controle e fiscalização de medicamentos e produtos da Anvisa. Medicamento não é bem de consumo. Não era mesmo, até pouco tempo atrás. Mas a indústria farmacêutica está mudando essa história. Os laboratórios querem que seus remédios sejam percebidos pelos consumidores exatamente como um bem de consumo. Tudo começa na escolha do nome. Antigamente, os próprios cientistas batizavam os medicamentos com alguma palavra relacionada à sua composição química ou a seu modo de ação. Hoje, os laboratórios pagam até 200 milhões de dólares para que consultorias de marketing criem títulos atraentes. Desenvolvido pela consultoria inglesa Interbrand, o nome Viagra rima com Niágara, as cataratas na divisa dos Estados Unidos com o Canadá. A intenção é provocar imagens de força, de liberdade e de fluxo contínuo. Levitra é uma mistura de francês e latim para a vida e também lembra o verbo levitar para que ninguém se esqueça da finalidade à qual a droga se propõe.

O paraíso para os laboratórios aplicarem a estratégia de que seus produtos sejam vistos como bens de consumo está nos Estados Unidos. Lá, desde 1997, um ano após o lançamento do Viagra, os medicamentos podem ser anunciados diretamente para o cliente final. Só em 2000, os investimentos da indústria farmacêutica americana com propaganda direta chegaram a 2,5 bilhões de dólares. Os dados são do estudo Política de Medicamentos: a Serviço dos Interesses da Saúde Pública?, do professor José Augusto Cabral de Barros, da Universidade Federal de Pernambuco. Segundo Barros, naquele mesmo ano os 50 medicamentos mais anunciados fizeram com que as vendas do varejo farmacêutico americano crescessem 47,8%. Na Nova Zelândia a propaganda também está liberada. No restante do mundo, as restrições continuam firmes e não devem esmorecer nos próximos anos , diz Barros.

Nos três meses em que as campanhas publicitárias foram veiculadas no Brasil, foi possível ter uma idéia de como essa nova indústria farmacêutica promove seus medicamentos. Nas peças do Cialis e do Levitra, nada de coroas gordinhos com expressão de desapontamento ou casais constrangidos sentados na beira da cama devido a uma noite de amor frustrada. Como nas propagandas de refrigerante, cartão de crédito ou desodorante, havia gente bonita, situações felizes, atitude. Os remédios contra disfunção erétil não são vistos pelos pacientes como medicamentos , diz Sidney Glina, urologista coordenador da Unidade de Reprodução Humana do Hospital Albert Einstein e chefe da clínica urológica do hospital Ipiranga, em São Paulo. Os homens estão escolhendo-os como se fossem vinho ou outro produto qualquer.

A seu favor nesse terreno, Levitra e Cialis têm todo o trabalho de desbravamento e criação do mercado já feito pelo Viagra. Poucas empresas quebraram tanto a cabeça para introduzir um produto como a Pfizer. No Brasil, a própria definição do termo que seria usado na comunicação do problema para o qual o Viagra prometia a solução não foi fácil. Se impotência era uma palavra proibida, disfunção erétil era empolado demais. Fizemos pesquisas e elas mostraram que o termo confundia os homens , diz Flávio Lima, diretor de marketing da Pfizer na América Latina e responsável pelo lançamento do Viagra no Brasil. A Pfizer optou, então, por usar dificuldade de ereção, simplesmente.

Em seu trabalho de catequese, a Pfizer ofereceu aos 3 000 urologistas brasileiros programas de educação continuada e publicou livros, sempre sob a tutela de membros da SBU e dos especialistas mais renomados daqui e do exterior. Eles fizeram um trabalho grande de educação e de quebra de tabus também na classe médica , diz Glina. Os clínicos não costumavam conversar com os pacientes sobre desempenho sexual. Para a Pfizer, o apoio dos médicos naquele momento era crucial. Por uma decisão do governo brasileiro, nos seus dois primeiros anos o Viagra só era vendido nas farmácias mediante a retenção da receita médica.

Foi também com financiamento da empresa que o projeto Sexualidade do Hospital das Clínicas da USP, em São Paulo, pôde realizar o primeiro estudo abrangente sobre o comportamento sexual do homem brasileiro e manter um serviço 0800 para esclarecer dúvidas sobre sexualidade. Há cerca de cinco anos a Pfizer subsidia nossas pesquisas, sem nenhuma interferência , diz a psiquiatra Carmita Abdo, professora da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora do projeto. Com o caminho aplainado pela Pfizer, as concorrentes Lilly, Bayer e Glaxo puderam ser mais ousadas. A Pfizer precisou usar Pelé, uma celebridade com índice nulo de rejeição, para sugerir aos homens que perguntassem ao médico o que era disfunção erétil e se havia algum remédio. Os novos concorrentes são bem menos tímidos. Na última semana de julho, casais sarados de promotores de vendas podiam ser vistos percorrendo a avenida Paulista, em São Paulo, distribuindo um material de divulgação com os seguintes dizeres: Ereção e prazer. A partir de 15 minutos, por uma noite inteira . A marca do produto não estava no folheto, mas os nomes dos laboratórios, Bayer e GlaxoSmithKline, sim.

A Pfizer preparou o terreno e agora eles só precisam pegar carona , diz o consultor paulista Sydney Manzione, da Resolve! Global Marketing. Mas vão ter de suar muito, pois quem chega primeiro tem, em princípio, mais chances de permanecer no topo principalmente quando a marca se confunde com o produto, a exemplo do que ocorre com Bombril, Xerox ou Gillette. As pessoas chegam ao balcão e não se referem aos novos medicamentos pelos seus nomes, mas como os novos Viagras , diz Samuel Bigão, diretor comercial da Drogaria São Paulo, a maior rede de farmácias do Brasil em vendas. O mecanismo dos três medicamentos é o mesmo: inibir a produção de uma enzima que bloqueia a ação de outra, responsável por fazer com que o pênis fique ereto. A estratégia de marketing dos laboratórios para o Levitra e para o Cialis foi divulgar efeitos e facilidades que, segundo eles, o Viagra não oferece. No comercial do Levitra, um casal passava da mesa para a cama rapidinho. A mensagem embutida, que atacava um dos pontos fracos do Viagra, era a seguinte: comes e bebes não impedem que o Levitra faça o que promete fazer por você. Já a campanha do Cialis chamava a atenção para a duração do seu efeito, que perdura por até 36 horas, contra 4 horas do Viagra e 8 horas do Levitra.

Depois do balde de água fria da Anvisa, deve ficar um pouco mais difícil abalar a credibilidade que o tempo conferiu ao Viagra. Algum dos outros produtos já foi testado por 20 milhões de homens? , indaga Valdair Pinto, diretor médico da Pfizer. A bem da verdade, não. No entanto, os concorrentes acreditam que seguir os passos do líder pode ser uma boa prática. O projeto Sexualidade, da USP, encerrou há dois meses um segundo estudo sobre o comportamento sexual do brasileiro. Dessa vez, quem financiou a pesquisa foi a Lilly, que também já iniciou um programa de educação continuada para urologistas de todo o país. A Pfizer conseguiu um feito notável: trazer para a superfície um mercado consumidor imenso, mas até há pouco tempo totalmente subterrâneo. Antes do Viagra, o número de homens espalhados pelo planeta descontentes com o desempenho era um grande mistério. Quem iria sair por aí dizendo que era impotente, se não havia cura? , diz Wroclawski, da SBU. O Viagra revelou uma população absurda de homens que estava escondida. Para os que sofriam desse mal, o que havia eram injeções sofridas e receitas populares prometendo fazer o pênis voltar à ativa de cerveja Caracu com ovo de codorna a batida de catuaba.

O achado mercadológico da Pfizer está em ter colocado à venda um medicamento não só para os homens impossibilitados de ter uma vida sexual ativa mas para todos os que passaram a achar que não seria nada mau se as coisas pudessem ficar um pouco mais excitantes. Atualmente, fazem parte dos aficionados do Viagra homens que não são propriamente impotentes, mas que sofrem ocasionalmente do problema, gente que não está satisfeita com a qualidade da ereção e até jovens saudáveis querendo experimentar o medicamento para ver o que acontece. Com essa estratégia, o Viagra passou a fazer parte do seleto grupo de medicamentos que foram capazes de modificar comportamentos. Nesse grupo está a pílula anticoncepcional, desenvolvida na década de 60. Imagine os medicamentos como recordes , diz Wroclawski. Há aqueles que são quebrados todos os dias, outros levam 40 anos.

Antes de ser lançado, analistas estimavam que o Viagra se transformaria no medicamento mais poderoso do mundo, com vendas anuais de 4,5 bilhões de dólares. Segundo alguns estudos, 152 milhões de homens, com idade entre 40 e 70 anos, sofrem de algum grau de disfunção erétil. Cerca de 12 milhões estão no Brasil. Turbinado por um esforço de marketing estimado em cerca de 185 milhões de dólares ao ano, o Viagra exibe números superlativos. A cada segundo, 9,8 comprimidos são vendidos no mundo , diz Lima. Mas a parcela dos homens com problemas de disfunção erétil que recorre ao Viagra (13% no mundo e somente 2,5% no Brasil) ainda é considerada pequena diante do potencial. Em 2002, seu melhor ano em vendas, o Viagra rendeu à Pfizer 1,7 bilhão de dólares, e ele não está nem entre os dez medicamentos mais vendidos pela indústria farmacêutica. O Viagra ocupou menos espaço do que poderia , diz Cláudio Coracini, diretor de unidade de negócios da Eli Lilly. Temos um mundo para crescer, aqui e lá fora.

Animadas pela baixa penetração do Viagra, a Lilly e a parceria Bayer-Glaxo prometem fazer de tudo para ganhar dinheiro com a disfunção erétil. Tratase de uma guerra de gigantes. Com a compra da Pharmacia, em novembro do ano passado, a Pfizer se transformou no maior laboratório do planeta. Somadas, as receitas das duas empresas chegam a 42 bilhões de dólares. A vice-líder GlaxoSmithKline registrou vendas de 37 bilhões de dólares no mesmo período. As outras concorrentes, Lilly e Bayer, faturaram, respectivamente, 11,5 bilhões e 9,3 bilhões de dólares (apenas a divisão farmacêutica).

Nos próximos anos, a disputa erétil promete acirrar-se muito mais. Levitra acabou de ser liberado para a venda nos Estados Unidos (leia reportagem sobre a liberação da FDA). O Cialis ainda não têm a aprovação do Food and Drug Administration (FDA), órgão americano responsável pela inspeção de alimentos e medicamentos, para entrar no mercado americano. A previsão é que seja concedida nos próximos meses. Enquanto isso, os laboratórios se aquecem para a briga. No início deste mês, Bayer e Glaxo fecharam um contrato milionário com a Liga Nacional de Futebol dos Estados Unidos para que o Levitra fosse um dos patrocinadores oficiais do maior evento esportivo do país. Em fevereiro, o Cialis patrocinou o badalado America s Cup, na Austrália. No Brasil, a Lilly promoveu shows de cantores da MPB em Campos do Jordão, estação turística de inverno de São Paulo, durante todo o mês de julho. Segundo a Lilly, a ação será repetida em outras cidades brasileiras. A pressa é grande. O Viagra é ainda o padrão-ouro , diz Wroclawski, da SBU.

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