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Interferência da FRB desgastou relação com gestores

Segundo depoimentos obtidos por EXAME, interferência e pedidos detalhados das ações dos gestores desgastaram a relação entre os acionistas e os executivos contratados

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h38.

O histórico dos desentendimentos entre a Fundação Ruben Berta (FRB), controladora da Varig, e seus executivos, é longo e famoso. Desde 1995, quando começou a buscar executivos de mercado para dirigir a empresa, a fundação teve com esses profissionais uma relação tumultuada. Nas últimas semanas, EXAME entrevistou seis ex-presidentes da Varig. Cinco disseram que a relação com a controladora degringolou quando se preparava sua saída do controle. O sexto não quis dar declarações.

A última gestão a tentar organizar a barafunda em que se transformou a Varig foi liderada pelo engenheiro David Zylberstajn, ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo. Zylberstajn e os três executivos convidados por ele - Omar Carneiro da Cunha, ex-presidente da Shell do Brasil e acionista da rede de fast-food Bob´s, Eleazar de Carvalho, ex-presidente do BNDES no governo FHC, e o embaixador Marcos Azambuja - assumiram o comando do conselho de administração em maio de 2005. Por serem conhecidos e terem prestígio no mercado, foram apelidados de "os notáveis". Àquela altura, administrar a Varig significava pilotar um patrimônio líquido negativo de 6 bilhões de reais e prejuízos de mais de 780 milhões ao ano. Estava claro que a tarefa seria difícil. Mas os documentos obtidos por EXAME sugerem que talvez fosse missão impossível.

Na papelada, estão 15 cartas trocadas pelo conselho administrativo da Varig e a FRB entre os dias 10 de agosto e 5 de novembro, ao ritmo de mais de uma carta por semana. Sua leitura mostra que, ao final de seis meses, os "notáveis" e a FRB haviam se tornado inimigos. Nos bastidores, as relações eram tão tensas que quase descambaram para o bate-boca entre o vice-presidente da fundação, Adenias Gonçalves Filho, e Eleazar de Carvalho, durante uma reunião de rotina, com acusações de incompetência de lado a lado. A FRB montou uma assessoria própria para acompanhar o processo, com advogados e consultores, que os notáveis chamavam de estrutura paralela. Nesse ambiente, as cartas foram mais um elemento da guerra de nervos entre a dona da empresa e seus executivos. Enquanto a FRB acusava os "notáveis" de sonegar informações, eles acusavam a FRB de interferir nas negociações para a venda da companhia e assoberbá-los com pedidos inócuos de documentos.

Os dois episódios citados na reportagem da edição impressa de EXAME contribuíram para elevar a temperatura da disputa. No primeiro, um advogado da FRB ligou para o escritório do presidente da aérea portuguesa TAP, Fernando Pinto, em Lisboa. Ele queria que a TAP deixasse de negociar com os "notáveis" e passassem a negociar diretamente com a fundação. O advogado foi educadamente despachado, e os executivos da Varig, informados do caso. Semanas depois, o presidente da Varig, Omar Carneiro da Cunha, acusou por escrito outra "interferência", desta vez junto à empresa ATS International, da gigante francesa de manutenção Aeroconseil. Carneiro da Cunha diz na carta que o representante dos franceses no Brasil, Gerson Torre, passou a negociar diretamente com a FRB a compra da VEM (Varig Engenharia e Manutenção).

Depois de algumas reuniões com o conselho administrativo, Torre desapareceu e teria explicado o sumiço dizendo estar negociando com a FRB. "Esse tipo de interferência poderá causar graves prejuízos ao projeto de recuperação dos negócios Varig, além de aumentar consideravelmente o risco de responsabilização da Varig pela falta de transparência no processo de negociação dos ativos das empresas em recuperação judicial."

A convivência pacífica entre os "notáveis" e a Fundação Ruben Berta começou a ser perturbada a partir da entrada em recuperação judicial. A decisão foi tomada no dia 16 de junho, depois de uma bateria de reuniões e "sub-reuniões" que estendeu-se das 9h às 23h. Após 14 horas de deliberação, controladores e diretores da empresa concordaram que não havia outra saída. A Varig havia acabado de perder sua última linha de crédito, com o Banco do Brasil. Além disso, o prazo para o pagamento de 6 milhões de dólares com a empresa de leasing ILFC estava vencido. A Varig corria o risco de ter 11 aeronaves arrestadas assim que pousassem no aeroporto JFK, em Nova York. Com a entrada em recuperação, a Varig ganhou 180 dias de "imunidade" para montar plano com o qual concordassem os credores da empresa e a Justiça.

Mas, pouco tempo depois, a fundação parece ter mudado de idéia. No início de agosto, seus dirigentes disseram a alguns jornalistas e funcionários que não haviam recebido informações suficientes para decidir sobre a entrada em recuperação. E começaram a enviar as cartas com pedidos de pilhas de documentos - atas de reuniões, avaliações fiscais, pareceres, estrutura do plano de recuperação e contratos - ao conselho administrativo. Nas respostas, os executivos anexavam papéis que sublinhavam já ter fornecido. Os insistentes pedidos de documentos irritaram o presidente do conselho de administração, David Zylberstajn, que escreveu, no dia 6 de outubro: "mais do que vem sendo feito (...) não nos é possível, e se fôssemos tentar fazê-lo, colocaríamos em risco nosso trabalho". O vice-presidente da FRB, Adenias Gonçalves Filho, nega que houvesse desconfiança. "Não havia desentendimento. Tínhamos de ser detalhistas, porque, como controladores, temos obrigações legais a cumprir."

Em novembro, não havia mais espaço para os dois grupos na Varig. No dia 18, a fundação decidiu usar seus direitos. Numa carta de apenas 18 linhas, demitiu os "notáveis", alegando que pretendia dar mais espaço na gestão da empresa a seus credores. Numa recuperação judicial, os credores passam a ter direito de voto sobre o futuro da companhia. Os juízes da 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, responsáveis pelo processo, ainda tentaram trazer o grupo de volta. "Por melhor que fosse a nova gestão, seria muito difícil preparar um novo plano às vésperas da assembléia que definiria a próxima etapa do processo. Ficamos muito preocupados", diz a juíza Márcia Cunha. O convite foi recusado com indignação pelo embaixador Marcos Azambuja, um dos ex-conselheiros: "Eu me sinto como um sobrevivente do Titanic. Agora você quer que eu volte?"

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