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"Experiência não paga conta”, diz presidente da Livraria Cultura

A Livraria Cultura está no vermelho desde 2012, e só tem perspectiva de voltar a lucrar no ano que vem

Sérgio Herz: Presidente da Livraria Cultura aposta em maior inserção no universo digital para conseguir retomar o rumo da empresa (Gabriel Rinaldi/Divulgação)
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Da Redação

Publicado em 30 de junho de 2017 às 19h38.

Última atualização em 6 de julho de 2017 às 18h22.

A Livraria Cultura , que completou 70 anos este ano, passa por uma das fases mais difíceis de sua história. O espaço que é sinônimo de glamour e de reunião de elites intelectuais não vê o reflexo desse luxo nas contas. A livraria está no vermelho desde 2012, e só tem perspectiva de voltar a lucrar no ano que vem.

A queda nas vendas também é uma realidade e, para reverter o quadro, a aposta é em ampliar a presença do digital na receita da empresa e levar mais inteligência de dados para a loja física.

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Para o presidente da empresa, Sérgio Herz, a loja física não pode mais ser acéfala, vivendo tamanha desvantagem em relação ao conhecimento sobre o cliente que se tem na internet.

Em entrevista a EXAME Hoje, Herz falou sobre as tentativas de reinvenção, o impacto da crise e da competitividade de preços promovida pelo e-commerce e dos boatos de fusão com a Livraria Saraiva, que pipocaram no primeiro semestre deste ano. Sobre o assunto, o empresário afirma que não está fechado para negociações.

“Se a Amazon vier aqui dizendo que quer me comprar, eu vou avaliar. Vai pagar bem?”, afirma. Abaixo, a entrevista na íntegra.

Como a Livraria Cultura tem investido em tecnologia para se reinventar?

Antes de detalhar tudo, precisamos falar das premissas por trás disso. A mais forte é que não precisamos mais da loja física para comprar nada. Está tudo no celular. Outra premissa muito básica é que não existe mais offline e online. O cliente está e é conectado. O desafio é descobrir como usamos a tecnologia digital para melhorar a vida do cliente e ser mais inteligente no ponto de venda. Não é mais aceitável que um cliente entre numa loja e saia de lá sem nenhum produto — é o que eu chamo de “show-rume”. As lojas físicas do varejo estão disputando o tempo livre das pessoas, que é o mais precioso, e, se o cliente escolheu a minha loja para passar seu tempo livre, ele não pode sair de lá com as mãos vazias. É preciso mudar a cabeça da empresa. Nós somos uma empresa tradicional, e temos um mundo novo pela frente. Mudar essa cabeça para pensar diferente é um desafio. O varejo ainda tem aquele trabalhozinho de como se fazia quando surgiu o comércio no mundo, na civilização moderna: eu gero um pedido aqui, meu fornecedor entrega. Nada mudou muito. Hoje, estamos tentando descobrir como usamos big data, machine learning e informação para sermos mais inteligentes.

Como isso tem sido feito?

A ideia é usar a tecnologia para inovar nossa cozinha. Exemplos bastante práticos: levamos a precificação dinâmica, que já existe na internet, para o mundo físico. A ideia é fazer com que o cliente confie mais no ponto de venda, em vez de pensar que na internet ele vai encontrar mais barato. A loja física não pode dizer mais “não”. Toda vez que a loja diz que não tem um produto, ou que não consegue equiparar o preço, é criada uma fricção. Na internet, eu sei tudo, eu tenho os olhos do cliente, enquanto a loja física virou algo acéfalo. Então, estamos usando dados de geolocalização para aproveitar melhor quando o cliente estiver perto da loja física, por exemplo, avisando via notificação que temos o produto que ele gosta, com o preço que ele gosta. Isso já foi testado com cerca de 70.000 clientes nos últimos meses. Descobrimos que, ao oferecer um preço especial para o cliente na loja, o ticket médio aumenta entre 30-40%. Além disso, é um desafio não deixar faltar produto na loja. Esse era um luxo que o varejo tinha no passado, hoje não tem mais. Eu tenho 4.000 fornecedores, e eu não consigo gerenciar esses caras do jeito que eu deveria. Então, eu preciso que o meu fornecedor gerencie a minha loja, não eu, para garantir o acervo. Para isso, desenvolvemos um produto chamado Cultura Insight, que, na verdade, é um sistema de informações de tudo o que está acontecendo na Cultura. Por meio de algoritmos, o sistema avisa o produto que será preciso repor na loja, de forma antecipada. Estamos criando uma relação mais transparente entre indústria e varejo.

É uma mudança drástica no perfil da livraria, não? A livraria deixou de ser um espaço de curadoria?

Antigamente, a pessoa vinha na livraria para descobrir algo que ela não sabia. Hoje ela sabe. O desafio da livraria, e especialmente do ponto de venda físico, é fazer com que essa pessoa descubra algo novo. Hoje a área mais importante e que mais cresce na Cultura é a de inteligência de mercado, enquanto outras estão se alterando ou mesmo diminuindo. Estamos contratando mais estatísticos, economistas e engenheiros do que outras profissões mais tradicionais. É uma ruptura bastante grande na empresa.

Como o senhor avalia as quedas nas vendas dos últimos anos?

Tem muito de crise, sem dúvidas. O consumo das famílias brasileiras caiu cerca de 5% em termos reais. Se colocar a inflação, a queda é de 15%, que é mais ou menos o que caiu o nosso mercado, que caiu 17%. Outra coisa importante foi a competição de preço que o e-commerce trouxe para o mercado, que acentuou a queda no faturamento. O consumidor está muito atento e criterioso em relação a preço. O brasileiro está muito preocupado com promoção. Hoje, se o varejista priorizar a margem de lucro, ele vai vender muito pouco. Se ele privilegiar as promoções, as vendas aumentam. O desafio é descobrir como vamos viver com margens menores.

O impacto dessa chegada do e-commerce nas vendas, quando você fala que aumentou a competição dos preços, pode ser definido como o efeito Amazon?

Não é isso. Na crise, o e-commerce ajuda, porque dá mais referências para o consumidor comparar os preços. Esse negócio do preço é uma ciência, e virou para mim um artigo totalmente necessário, e estou fazendo de tudo para entender o que preciso fazer para lidar com isso. Temos sete ou oito modelos de precificação diferentes. Em algumas lojas podemos fazer promoção, em outras mais sofisticadas não, porque o cliente acha feio. Na hora do almoço, tem muita gente passeando nas nossas lojas, mas esse pessoal não está indo para comprar. Está indo para tomar um café, para dormir nos pufes… O que estamos fazendo, para testar, é baixar o preço na hora do almoço, para aumentar a conversão. Algumas horas mais tarde, começam a entrar pessoas na loja que estão focadas em comprar, e elas são menos sensíveis a preço. Isso quer dizer então que o cara que está decidido a comprar pode pagar mais caro? Pode ser que sim, pode ser que não; é aí que pode entrar a estratégia mais one-to-one.

A Cultura queria ampliar a participação do e-commerce na receita dos atuais 28% para 60-70% em cinco anos. Esse prazo se mantém?

Queremos fazer mais rápido.

Por que essa vontade de converter tanto para o e-commerce?

Porque é muito difícil levar essa inteligência de dados que eu mencionei para a loja. A loja virou cara. Ela deixou de ser venda e virou experiência. Só que eu vivo do quê? Eu não vivo de experiência. Experiência custa caro. Eu não posso depender das lojas no futuro. Loja para mim é marca, não lucro. O lucro vai vir do online, da área inteligente onde se captura tudo. O cliente só vai na Cultura quando tem tempo livre, mas, se ele não tiver tempo, ele vai comprar do mesmo jeito. Estamos ampliando nossa rede de cafés, para que eles não sejam mais terceirizados, sejam os cafés da Cultura — e aí o cliente pode pagar café, livro, tudo junto. Se for uma empresa diferente, eu não consigo fazer isso, e não consigo avisar para o cliente que está passando por ali, por exemplo, que o café naquele momento vai ser por nossa conta. Essa loja não pode ser burra, não pode ser acéfala como ela é hoje. Eu tenho que fazer o e-commerce crescer porque é lá que eu vou ganhar dinheiro, e a loja vai ser um ponto de marketing. Menos é mais; só experiência não paga conta. Por ela, o consumidor não está disposto a pagar 30% a mais.

Então, o senhor não acredita que um incremento na experiência, com abertura de mais lojas físicas, poderia gerar um incremento de vendas.

Tem limite. Uma experiência boa no mundo físico pode gerar mais vendas, sim. O problema é que reproduzir a experiência boa na loja em quantidades muito grandes não é viável. Não é à toa que aquele restaurante muito bom não consegue ter muitas unidades. Quem quer entregar uma experiência boa fica limitado a um certo número de lojas.

Não está no plano, então, uma expansão no número de lojas.

Tem cidades onde ainda não temos lojas, então olhamos. Mas aquela expansão para abrir 50 novas lojas, não. Esquece.

A experiência de estar na Cultura perdeu o glamour?

Pelo contrário. Eu quero melhorar isso, colocando tecnologia. Eu quero que a loja da Avenida Paulista, que é marcada no Trip Advisor como “must see”, continue assim. Por isso que a gente levou o restaurante Manioca para dentro da loja [no shopping Iguatemi, em São Paulo]. É por isso que eu tenho uma Spice Girl fazendo pocket show dentro da minha loja [na unidade do Market Place]. Eu quero ampliar esse tipo de relação. Senão o cliente vai sair de casa para quê? Hoje, o glamour é mais importante ainda, e precisamos saber recuperá-lo.

Há muito preconceito em relação ao tipo de leitura que o jovem tem hoje. Faltou em algum momento a Cultura entender como esse jovem está pensando e o tipo de conteúdo que ele está consumindo?

Nós sempre trabalhamos com o conceito de que se o jovem estiver lendo é melhor. E quem quer trazer o jovem para a leitura não pode mandar ele ler Machado de Assis ou qualquer um desses da literatura cobrada pela Fuvest. Tem que mandar ele ler Harry Potter, porque ele vai pegar um catatau de 700 páginas e dizer: “eu quero mais”. O jovem precisa disso, de leitura, de estudo. Não dá para rotular um jovem porque ele não lê um clássico, está errado.

Estava falando mais do fato de o jovem estar lendo talvez muito mais o conteúdo que é inerente ao mundo digital do que o livro em si.

O jovem que está lendo só isso e não lê livro é o mesmo jovem que nunca leu. Leitura de blog não significa um substituto do livro. Eu tenho três filhas jovens — e é claro que eu não sou um exemplo bom —, mas elas amam ler. O jovem no Brasil não lê, e isso já faz muito tempo, não é um advento da internet. Vivemos num mundo cheio de informação, mas informação pouco profunda. O desafio é despertar o interesse da leitura mais profunda no jovem. Estamos falando do millennial, que está acostumado com informação rasa e com instantaneidade; na vida dele, tudo é muito rápido. No meu tempo, a gente esperava o dia do programa para assistir, esperava o jornal chegar na porta para receber notícia e, se eu quisesse ter um relacionamento com alguém, eu tinha que sair à noite. Não era tão fácil conseguir as coisas. Hoje, o jovem tem tudo na mão, e passa o dia vendo um mundo nas redes sociais onde tudo é lindo e maravilhoso. Uma hora a realidade chega. Nossas lojas estão cheias de jovens comprando música. Para eles o CD é um objeto curioso.

E os boatos de fusão entre Livraria Cultura e Saraiva…

Ficamos sabendo por vocês.

Por que o senhor acredita que esse tipo de boato surgiu?

Porque o mercado gosta de notícia assim. Fiquei me perguntando também. Talvez porque eu tenha ido com o Jorginho [Jorge Saraiva, presidente da livraria Saraiva] para Brasília para discutir uma lei absurda que o Congresso queria aprovar sobre a disposição dos livros nas livrarias. Nós fomos juntos. Não sei se alguém nos viu no aeroporto, ou tomando um café.

Teve um impacto negativo para a marca?

Não. Não sei avaliar isso…

No futuro, alguma associação desse tipo é possível, é interessante?

Eu digo que qualquer empresário que está de olhos fechados para isso está sendo míope. Não dá para dizer “eu nunca beberei desta água”. Se amanhã bate o Saraiva aqui dizendo: “Sérgio, vamos nos juntar?”, eu tenho que ouvi-lo. Ele nunca fez isso, mas eu tenho que ouvir. Ponto. É natural do mundo dos negócios; tem que estar sempre atento às oportunidades. Se a Amazon vier aqui dizendo que quer me comprar, eu vou avaliar. Vai pagar bem? E se for uma proposta irrecusável? A gente pensa duas vezes. É natural dentro de uma empresa. Nossa estratégia é um pouco diferente da de ter 120 lojas, mas isso não quer dizer que um dia a gente não vá dizer “não” para essas coisas. Não sei. No mundo dos negócios, não dá para ser preconceituoso, dizendo que não faço isso ou aquilo. Se fizer sentido e fizer bem para as empresas, tem que ser feito.

É uma questão de, hoje, ter mais pragmatismo do que sonho?

Os dois são bons. Não dá para ter só um ou só outro. Já me perguntaram lá atrás: “vocês estão à venda?”, e eu disse: “nós sempre estivemos, depende da oferta”. E depende de para quem, por que, o motivo. Estamos interessados em crescimento, em tamanho; no e-commerce, queremos crescer mais rápido do que em cinco anos, então estamos estudando vários caminhos. Compras ou associações com alguém… não tem nada marcado, mas a gente olha bastante.

Ter demitido tantos funcionários e ter passado por um processo de reestruturação impactou a relação com os investidores?

O investidor gosta de saber como a empresa está se preparando para o futuro. Se a estrutura é adequada para o tamanho ou se a estrutura é cara e inadequada. Isso é o que ele olha. Ele não quer saber quem contratou ou demitiu, ele quer saber do potencial daqui para a frente. Toda empresa no Brasil está tendo que se adaptar a uma realidade diferente. Todos fizemos isso. Quando se faz a lição de casa, o investidor vê com bons olhos. Se não tem receita, tem que cortar. O que nós descobrimos de interessante nesse processo é que dá para ser produtivo e fazer mais com menos, sem grandes dores.

Quando a livraria vai voltar a dar lucro?

Estamos falando a partir de 2018, provavelmente. A retomada do mercado de livros no Brasil está um pouco atrasada em relação ao mercado internacional. Com a crise, tem queda de receita, mas os custos continuam a subir, porque estão todos indexados. Energia, aluguel, IPTU, dissídio dos funcionários… Mas o preço dos produtos não subiu. E isso não é só para a Cultura, é para todo o varejo. Não tem outro jeito para recuperar se não com produtividade e redução de custos. Não dá para ter lucro num ambiente desses.

Como o senhor vê a livraria Cultura daqui a cinco anos?

Uma empresa muito mais digital, com lojas cada vez mais desejadas. Temos apenas 17 lojas no Brasil, não é nada, mas vamos continuar com poucas. Poucas e boas.

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