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Grande encontro

Luiz Ernesto Gemignani, da Promon,a empresa da década, recebe Ulisses Tapajós Neto,da Masa, a campeã de 2006, para uma conversa de líderes

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Da Redação

Publicado em 12 de outubro de 2010 às 18h33.

Se vocês, leitores, se surpreendem quando lêem as páginas do Guia, imagine o que nós, os jornalistas que visitam as empresas e escrevem os textos, sentimos ao ver tudo isso ao vivo e em cores. A gente fica de queixo caído e sai de algumas empresas acreditando que o Brasil tem jeito, que o mundo tem jeito. Pois foi exatamente assim que eu saí da Promon, em São Paulo, em 14 de julho. Fui lá registrar o encontro de dois presidentes que levam a sério seu papel de líderes. Um deles é o engenheiro Luiz Ernesto Gemignani, da Promon, empresa paulistana de soluções de infra-estrutura. O outro, também engenheiro, é o manauense Ulisses Tapajós Neto, presidente da Masa, fabricante de componentes plásticos do grupo americano Flextronics, que fica em Manaus, na Amazônia. A idéia era fazer os dois trocarem impressões sobre assuntos como liderança, o papel da empresa na sociedade, a solidão do poder e até a própria carreira. Lembro que, ao propor a matéria para a Maria Tereza, a diretora da VOCÊ S/A, ela fez uma única recomendação: "Não se preocupe em dar um formato para a conversa, porque eles têm muito para dizer". Foi o que fiz. Por causa da falta de espaço, selecionei os trechos mais representativos. Depois de ler tudo, tenho certeza de que você vai concordar comigo: Luiz Ernesto e Ulisses são mesmo pessoas muito especiais. Também vai entender que não foi por acaso que a Promon foi eleita a empresa da década e a Masa chegou neste ano ao topo da lista das 10 melhores.

A cultura é a alma do negócio

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Ulisses ­- Tivemos momentos cruciais para a formação da nossa cultura, que tem como base o slogan Valorizar Pessoas É a Nossa Marca. Um deles foi na década de 90, quando Collor abriu a importação e os produtos, principalmente os asiáticos, eram muito baratos. A saída era baixar o preço, mas fazer isso sem diminuir custos iria nos quebrar. O problema é que não praticávamos conceitos de qualidade ou produtividade. Então, juntei o pessoal e disse que era necessário promover uma verdadeira revolução tecnológica e que eu precisava de gente preparada para isso. Na época, apenas 15% dos funcionários tinham o 2o Grau completo. Teria sido mais fácil demitir todo mundo, mas eu tomei a primeira grande decisão que forjou a cultura da Masa: fiz um acordo com eles e dei um prazo de cinco anos para que todos completassem o 2o Grau. Deu certo!

Luiz Ernesto ­- As organizações são comunidades, são formadas por pessoas que compartilham objetivos, que estão no mesmo barco. Depois de certo tempo, toda comunidade forma uma cultura. E a cultura é forjada com crises e desafios. Aliás, são incríveis as semelhanças entre a Promon e a Masa. Embora a natureza do negócio seja diferente, as duas são muito parecidas na essência. Nosso slogan é A Promon É a Extensão do Valor de Seus Profissionais. Um dos princípios da empresa é criar condições para que quem trabalha aqui se realize profissional e pessoalmente. E o lucro é um meio para fazer isso.

O papel da empresa

Ulisses - Na cultura americana, o lema é conseguir resultados e ponto final. Por isso, atualmente, meu papel como presidente da Masa é mostrar para o grupo Flextronics, que nos comprou, que é possível conseguir resultados por meio de pessoas felizes. Só assim a rentabilidade é sustentável, porque as pessoas vão trabalhar cada dia mais motivadas, criativas e satisfeitas.

Luiz Ernesto -­ Os americanos têm mesmo um pensamento meio utilitário e só fazem o bem quando há algum resultado. Eu acredito que as empresas precisam agir assim em detrimento do resultado. Porque isso é o certo, o correto, a única coisa a fazer. As empresas são parte integrante da sociedade. E, depois, é nas empresas que as pessoas passam a maior parte de suas vidas. Então, a única saída é ser feliz no trabalho. Ainda bem que as corporações estão evoluindo. Um conceito que imperou durante anos, e que agora está mudando, é a crença de que as empresas são máquinas e as pessoas, engrenagens. Na verdade, as organizações são sistemas vivos. Isso serve de base para a questão da responsabilidade social, que não se estabelece apenas do ponto de vista ético, mas também sob a perspectiva de como esse sistema funciona. Somos todos interdependentes. Então, o olhar de uma empresa não pode se limitar ao ambiente, ele tem que abranger o meio do qual faz parte. É a mesma coisa quando você pensa, por exemplo, na lógica da automação, que se valia do conceito "quanto mais software, menos pessoas" ou "quanto mais inteligente o software, mais burras as pessoas". Acho que a visão agora -- e o Google está aí para provar isso -- é que, quanto mais tecnologia da informação, mais desafiador o trabalho. Imagine o poder do Google nas mãos de uma pessoa muito inteligente. O mesmo se passa com a inovação, que antigamente era coisa de um só departamento. Hoje, ela está na empresa inteira, é uma atribuição de todos.

O novo líder

Luiz Ernesto ­- Liderança era muito confundida com comando, com o exercício do poder. Hoje, ela é o exercício de uma autoridade moral. E isso se conquista, não dá para outorgar. O líder é um motivador, uma referência da cultura da empresa. É claro que a figura do CEO continua sendo importante, mas liderança tem a ver com a capacidade de influir. E isso pode ser feito por todos. Na Promon, nós trabalhamos muito esse conceito. Existem profissionais que não são diretores ou gerentes, por exemplo, mas são referência em sua área de atuação -- eles são líderes. Não há descrição de cargos. Intencionalmente, as coisas são deixadas pouco nítidas. Todos têm uma designação de nível profissional que traduz seu nível de conhecimento. Nós procuramos privilegiar isso e não o cargo, que é transitório.

Ulisses ­- Acreditamos que a liderança é fundamental no processo de conseguir resultados com gente feliz, o lema da Masa. Nossa idéia é que os líderes conquistem o respeito da equipe, que passa a olhar para eles como exemplo. As pessoas sabem que quem está crescendo na organização está conseguindo isso não só por causa de seu conhecimento, mas também pela motivação com que trabalha e os resultados que atinge.

A força do time

Luiz Ernesto -­ O resultado é muito melhor quando se criam dinâmicas colaborativas. Na Promon, enfatizamos muito a importância de contribuir e compartilhar, no sentido de abrir mão dos interesses individuais em prol do coletivo.

Ulisses -­ Na Masa também é assim. Queremos que as pessoas tenham consciência organizacional e percebam que sozinho não se faz nada.

Não ao paternalismo

Ulisses -­ Minha preocupação é ser justo e imparcial -- nunca paternalista. Sempre deixei claro, por exemplo, que quem não estudasse seria desligado da empresa. Tudo isso criou um subproduto interessante: à medida que os funcionários passaram a estudar, adquiriram consciência de que a base do sucesso está no conhecimento. Quando foi instituído o programa Entre na Universidade, em 2000, saímos de 1% do quadro com curso superior para 25% dos 980 colaboradores com diploma de graduação.

Luiz Ernesto ­- Na Promon também somos tudo, menos paternalistas. Nossa atuação é no sentido de despertar sentimentos, de incentivar as pessoas a buscar motivação dentro de si mesmas.

Feitos em casa

Ulisses -­ Desde 2000, todas as vagas que aparecem são preenchidas exclusivamente pelo pessoal da casa. Todos os gerentes são profissionais que se aperfeiçoaram na Masa. Nós também valorizamos muito os trainees e os estagiários.

Luiz Ernesto -­ A Promon também dá uma importância extraordinária aos estagiários, que são mais de 10% do nosso efetivo. Temos programas muito bem estruturados para a formação desse pessoal. A grande maioria dos gerentes foi "feita aqui". Só que isso estava tão exagerado que começamos a achar que corríamos o risco de ficar parecendo um daqueles quadros bizantinos, em que todos têm a mesma cara. Então, passamos deliberadamente a trazer alguns profissionais do mercado para estimular a diversidade. Engraçado é que, depois de algum tempo, essas pessoas acabaram ficando muito parecidas com as demais, mas também passaram sua visão e experiência para quem já estava aqui.

Quem é...
Luiz Ernesto Gemignani
Paulista de Botucatu, faz 28 anos que o engenheiro mecânico de produção Luiz Ernesto, de 59 anos, trabalha na Promon.Desses, cinco anos como presidente - está em seu segundo mandato. Quer se candidatar mais uma vez para o cargo (na Promon, o presidente é eleito com o voto de todos os funcionários). Se ganhar, fica na empresa até 2010.


O melhor de ser a melhor

Luiz Ernesto ­- O fato de a Promon ter sido eleita a melhor empresa para trabalhar no ano passado deixou todo mundo muito feliz e orgulhoso. Ganhar esse prêmio é mais ou menos o que o milagre significa para o fiel: quer dizer que você deve se manter firme em suas crenças, e não capitular diante das dificuldades.

Doses de estresse

Ulisses -­ Digo que tenho estresses momentâneos. Quando, por exemplo, o preço do barril de petróleo sobe e eu fico pensando como isso pode afetar meu negócio. Mas é um estresse pontual, que também administro pontualmente. Mas o ambiente é de tanta felicidade e sempre recebo notícias tão boas dos meus funcionários, que imediatamente encontro energia para superar esses obstáculos. Tenho duas formas de combater o estresse: a primeira é dividir tudo o que é possível com a equipe, porque afinal de contas sou casado com ela. A segunda maneira de me acalmar é andar pela fábrica. Falar com as pessoas me traz muita energia porque eu vejo muitas coisas boas sendo feitas.

Luiz Ernesto -­ Comigo acontece a mesma coisa. Uma vez um jornalista me procurou para falar sobre estresse e eu disse que ele estava no lugar errado. Claro que fico estressado quando tenho, por exemplo, que garantir o preço de um contrato que fechamos e aí o mercado muda completamente. Isso cria um estado de ansiedade, de tensão. Mas procuro me organizar para que esses momentos sejam rapidamente absorvidos.

O excesso de trabalho

Luiz Ernesto -­ Em algumas ocasiões, eu trabalho muito. Nos últimos três meses, por exemplo, estou trabalhando 14, 15 horas por dia. Mas isso não é o normal. Usualmente, são nove horas por dia.

A solidão do poder

Luiz Ernesto ­- Se há um sentimento assim, ele aparece quando faço uma escolha difícil de ser compreendida. Isso acontece porque às vezes não posso compartilhar todos os elementos que me levaram àquela decisão. Sou presidente da Promon há cinco anos e não vi nenhuma decisão minha questionada nesse tempo todo. Muitas vezes, percebi claramente que as pessoas não tinham compreendido minhas atitudes, mas as aceitaram porque confiavam em mim.

Ulisses -­ Eu divido tudo com a equipe, mas há decisões que não devem ser compartilhadas inicialmente porque deixam as pessoas desconfortáveis. Isso é a solidão do poder: quando você consulta seus valores, sua experiência, seu feeling e encontra duas ou três alternativas para resolver determinado problema. Aí, sim, você compartilha com o time. Com isso, você passa da solidão para a integração, porque todos começam a contribuir para solucionar aquela dificuldade.

A aposentadoria

Luiz Ernesto -­ É muito triste quando você vê alguém que faz da sua causa o fato de ter um bom emprego ou ganhar dinheiro. Eu tenho causas. Não estou me aposentando das minhas causas, das coisas nas quais eu acredito. Por isso, a aposentadoria não me angustia. Tenho planos, sim, mas me coloco com muita humildade em relação ao que o destino vai reservar para mim. No ano que vem, pretendo me candidatar pela terceira vez à presidência da Promon. Se for eleito, fico mais um mandato e saio em 2010.

Depois que me aposentar, gostaria de atuar como conselheiro, guardião dos valores da empresa. É o que faz o Carlos Siefert, por exemplo, meu antecessor na presidência, que também se dedica a uma entidade chamada Instituto Razão Social, criada pela Promon em sociedade com a Camargo Corrêa, Gerdau e outras empresas para melhorar a qualidade do ensino público fundamental no Brasil. O Carlos é presidente desse instituto, que trabalha no desenvolvimento de professores e gestores escolares. Outro colega, Paulo Fragelli, que também já se aposentou, dirige o Instituto de Tecnologia Promon, uma entidade sem fins lucrativos criada para debater a questão do desenvolvimento tecnológico no país. Quando chegar minha vez, quero ser tão útil quanto eles para o futuro da empresa e o desenvolvimento das pessoas. Também pretendo viajar. Já tenho, inclusive, uma relação dos países e dos lugares aqui no Brasil que pretendo visitar.

Ulisses ­- Minha idéia era me aposentar no fim do ano passado, mas, com o reposicionamento estratégico da Masa, adiei para dezembro de 2008. Eu também acho uma pena alguém deixar a vida executiva e não usar sua experiência em prol de alguma causa nobre. Meu desejo é criar a Fundação José e Maria Tapajós (os nomes dos meus pais). A base do trabalho da fundação parte de uma idéia muito simples: hoje, 150 000 refeições são servidas todos os dias nas 400 empresas que integram o distrito industrial de Manaus. A sobremesa desse pessoal, via de regra, é industrializada e vem do sul do país. Com essa fundação, quero implantar núcleos, em parceria com empresas que trabalham com alimentação, para ensinar as pessoas carentes a preparar essas sobremesas. Minha idéia é que elas trabalhem durante o dia e à noite tenham aulas de alfabetização e de cidadania. Em três anos, esse pessoal se transformará em agentes de mudança da comunidade em que vive e vai nos ajudar a multiplicar esse modelo para outras pessoas.

Quem é...
Ulisses Tapajós Neto
Engenheiro químico, o manauense Ulisses, de 59 anos, trabalha na Masa há 28. Em 1993, assumiu a presidência com a missão de fechar a fábrica. Com a abertura à importação, a empresa havia quebrado.Ulisses decidiu reverter a situação: reinventou o negócio, incentivando o pessoal a estudar.Recentemente, articulou a compra da Masa pelo grupo americano Flextronics.

Luiz Ernesto ­- Estou quase votando em você para presidente! Mais do que uma questão educacional, o Brasil tem hoje um problema gravíssimo na questão cultural. Quando você diz que vai não só alfabetizar mas também ensinar cidadania, está falando de cultura. Está explicando os valores do país, as coisas nas quais as pessoas têm que acreditar e lutar. O governo ainda não se conscientizou de que isso precisa acontecer.

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