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General Silva e Luna terá de aprender sobre petróleo no cargo

Silva e Luna é um militar de carreira cuja maior qualificação, na opinião dos críticos, é seu respeito pela hierarquia

O general Joaquim da Silva e Luna, indicado para presidência da Petrobras: novato no setor (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Mariana Desidério

Publicado em 25 de fevereiro de 2021 às 11h29.

Nem o presidente que está entrando nem o que está saindo do cargo na Petrobras são homens do mundo do petróleo. Na verdade, nenhum dos dois nunca havia trabalhado um dia sequer no setor antes de ser nomeado para o cargo.

Mas é aí que as semelhanças entre Joaquim Silva e Luna e Roberto Castello Branco terminam.

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Enquanto Castello Branco é um economista formado pela Universidade de Chicago que passou sua carreira promovendo reformas de livre mercado dentro e fora do governo brasileiro, Silva e Luna é um militar de carreira que começou a construir estradas na Amazônia e cuja maior qualificação para o trabalho, na opinião dos críticos, é seu respeito pela hierarquia e disciplina - traços-chave na administração de Jair Bolsonaro, ele próprio um ex-oficial do Exército.

Castello Branco, um aliado próximo ao acossado ministro da Economia, Paulo Guedes, tinha se empenhado para evitar o retorno aos subsídios domésticos aos combustíveis que causaram à Petrobras bilhões de dólares de perdas no passado. E é essa mesma luta contra os subsídios que o levou a ser demitido. Silva e Luna, por sua vez, indicou em seus primeiros comentários desde sua nomeação dias atrás que compartilha das preocupações de Bolsonaro para proteger os brasileiros do aumento dos preços de combustíveis. Em entrevista, Silva e Luna disse que Bolsonaro se comprometeu a não interferir.

Esta é a principal preocupação imediata que irritou investidores que se desfizeram das ações da Petrobras junto com outros papéis de estatais na segunda-feira. A perda de 22% foi a segunda pior já registrada para a ação.

A preocupação mais ampla é que a Petrobras liderada por Silva e Luna se torne um braço do governo, sujeito a interferências políticas que podem corroer suas finanças. Esse é um temor antigo que vai e volta no Brasil. Mas a preocupação aumentou aos olhos dos investidores à medida que Bolsonaro se aproxima de uma guinada populista na tentativa de apaziguar milhões de brasileiros atingidos pela pandemia.

“Meu relacionamento com o presidente será como sempre foi, de respeito, consideração e apreço”, disse Silva e Luna em entrevista na quarta-feira. “A Petrobras é a empresa mais emblemática e estratégica do Brasil. O presidente Bolsonaro é presidente do Brasil. Nada mais legítimo do que ele acompanhar e torcer por suas vitórias.”

Ainda mais preocupante para alguns especialistas é que a formação militar de Silva e Luna possa deixá-lo propenso a acatar iniciativas nacionalistas das quais Castello Branco se afastou, como refinarias que não geram dinheiro em regiões pouco povoadas, fábricas de fertilizantes, usinas de energia, entre outras.

Especialista em temas militares e professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV no Rio de Janeiro, Octavio Amorim Neto vê semelhanças entre a nomeação de Silva e Luna e a do general Eduardo Pazuello para comandar o Ministério da Saúde. “É a mesma lógica na escolha. Bolsonaro gosta de obediência absoluta e os militares estão culturalmente moldados para isso”, disse.

Silva e Luna afirma que as prioridades da Petrobras serão definidas em consenso com os demais diretores e Conselho Administrativo, mas “sempre pensando no bem da companhia” e “sem esquecer dos investidores, dos consumidores e da população brasileira”.

Silva e Luna, um engenheiro de formação que ascendeu ao posto de general quatro estrelas, gerenciou vários projetos nacionais, incluindo a construção de uma megarrodovia pela Amazônia que começou na década de 1980 e levou duas décadas para ser concluída. E em Itaipu, hidrelétrica que dirige desde 2019, supervisionou a construção de uma grande ponte, uma rodovia e uma ampliação do aeroporto, tendo juntado o dinheiro para pagá-las com o freio em outros gastos.

“Há o risco de ter uma abordagem ainda mais nacionalista”, disse Marcelo de Assis, chefe de pesquisa latino-americana de upstream da Wood Mackenzie Ltd. “Não é um bom sinal colocar um general quando uma pessoa pró-mercado está sendo posta de lado.”

‘O petróleo é nosso’

Bolsonaro e Castello Branco entraram em uma briga cada vez mais pública sobre o aumento dos preços dos combustíveis. A tensão chegou ao ápice quando o executivo da Petrobras disse que não se importava com as reclamações dos caminhoneiros, eleitorado-chave de Bolsonaro. Nesta semana, Bolsonaro prometeu que Silva e Luna irá “consertar as coisas” na Petrobras e repetiu o bordão “o petróleo é nosso”, surgido em meio ao clima nacionalista que marcou a criação da empresa nos anos 1950.

Silva e Luna, por outro lado, fez parte da equipe que ajudou a desmobilizar a greve de caminhoneiros que paralisou o Brasil em 2018, quando era ministro da Defesa do governo de Michel Temer. Esse histórico poderia ajudar a controlar uma eventual nova crise com a categoria.

“Ao escolher Silva e Luna, Bolsonaro prestigia dois atores fundamentais de sua base: os militares e os caminhoneiros”, disse o professor Amorim Neto.

Na terça-feira, o conselho da Petrobras se pronunciou a favor dos reajustes de preços do combustível com base no mercado e disse que Castello Branco ficará no cargo até o final de seu mandato em 20 de março.

O impacto da mudança abrupta de gestão da Petrobras já está sendo sentido. Algumas das multinacionais interessadas em comprar as refinarias e gasodutos da empresa estão ficando nervosas e podem desistir se Silva e Luna seguir políticas intervencionistas como fixação de preços, disse uma pessoa envolvida no programa de desinvestimento.

Silva e Luna insistiu em que a indústria de refino está aberta a investimentos externos. Mas se a incerteza sobre o preço do combustível paralisar essas vendas, significa menos dinheiro para desenvolver descobertas que podem levar meia década para começar a funcionar. As grandes petrolíferas que têm parceria com a Petrobras podem ver atrasos em seus próprios planos de crescimento.

O desafio para Silva e Luna será continuar expandindo a produção de petróleo em águas profundas do Atlântico a custos que possam suportar a queda dos preços. Nos últimos cinco anos, a gestão da Petrobras tem se concentrado em cortar gastos e investir principalmente em seus campos mais lucrativos na região do pré-sal, que levou a produção a recorde no ano passado.

“Não se pode esquecer o básico: a Petrobras é a empresa com maior know-how e liderança mundial na exploração de águas profundas, onde se localizam as reservas do pré-sal”, disse Silva e Luna. “Não dá para deixar de se explorar essas riquezas.”

Sua experiência mais recente na gestão da Itaipu, que foi construída no século anterior e não exige grandes investimentos de capital para manter a produção, lhe dá pouca experiência para os desafios que vai enfrentar na Petrobras, segundo Assis, da Wood Mackenzie Ltd. Esses desafios incluem executar um enorme plano de negócios e explorar os mercados de capitais e investidores em infraestrutura para ajudar a financiá-lo.

“Do ponto de vista da indústria do petróleo, o primeiro desafio é que ele não tem histórico”, disse Assis. “É um problema porque é um mercado com muita volatilidade.”

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