Primeiro ministro de Portugal, Luis Montenegro, durante o Web Summit em Lisboa (PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP)
Chief Artificial Intelligence Officer da Exame
Publicado em 11 de novembro de 2024 às 17h18.
O primeiro dia do evento de tecnologia Web Summit tem um ritmo próprio. Enquanto as startups ainda montam seus estandes e a maioria das salas permanece fechada, o Centre Stage concentra toda a atenção. Após anos trabalhando com inteligência artificial e acompanhando sua evolução, naturalmente gravito para as discussões sobre o tema, e dentre as três ou quatro palestras do dia, uma em particular capturou minha atenção.
Em meu oitavo Web Summit, que este ano acontece entre os dias 11 e 14 de novembro, posso dizer que a sensação de deslumbre ao entrar na MEO Arena continua a mesma. Lembra o Maracanã em dia de grande espetáculo.
Neste primeiro dia, empresas do mundo todo começam a ocupar seus espaços, preparando-se para os dias intensos que virão. Mas hoje, o ritmo mais lento permite uma reflexão aprofundada sobre cada discussão que tive o prazer de escutar.
No painel "O grande debate sobre IA: Quem decide nosso futuro?", Max Tegmark, do instituto Future of Life; Thomas Wolf, da empresa de IA Hugging Face, e Nicholas Thompson, CEO da revista The Atlantic, proporcionaram opiniões valiosas sobre os rumos da IA.
Quando Thompson foi questionado sobre como devem ser os próximos 10 anos, a resposta recebida foi tanto irônica quanto reveladora: o futuro será como a humanidade escolher que seja. Nada de previsões grandiosas ou promessas vazias - apenas um lembrete direto de que precisamos abandonar a postura passiva diante do desenvolvimento tecnológico.
A discussão sobre regulamentação trouxe paralelos interessantes com outros setores. Assim como criamos padrões de segurança para aviação e automóveis, precisamos estabelecer frameworks regulatórios para a IA. O desafio está em criar regras que sejam verdadeiramente inclusivas, evitando privilégios apenas para gigantes tecnológicos. São os gigantes de tecnologia como Meta e Google que teriam o acesso mais facilitado com a regulação.
A Hugging Face, posicionando-se como a "Suíça da IA", demonstrou como a neutralidade pode ser um diferencial no cenário global. É fascinante observar como alguns dos melhores modelos de IA vêm da China, e como as ferramentas transcendem fronteiras geopolíticas.
A definição de AGI como "um sistema que ninguém pode desligar" levanta questões geopolíticas intrigantes. Que nação realmente desejaria desenvolver algo que não pode controlar? É um paradoxo que merece reflexão.
O debate sobre a explosão no desenvolvimento de IAs em robótica foi particularmente relevante. A perspectiva de robôs realizando tarefas cotidianas como trocar uma lâmpada ou fazer reparos hidráulicos não é mais ficção científica. As máquinas podem, teoricamente, superar nossa performance em qualquer tarefa - o desafio está em escolher sabiamente o que delegar a elas.
Após mais de uma década acompanhando de perto o desenvolvimento da IA, observo uma evolução significativa no tom das discussões. Não estamos mais no território do deslumbramento tecnológico, mas sim em um debate maduro sobre responsabilidade e escolhas conscientes.
Mesmo sendo apenas o primeiro dia, com sua programação mais enxuta focada no palco principal, as discussões já estabelecem o tom do que promete ser um dos Web Summits mais relevantes para o futuro da IA. Ver potências como China e Estados Unidos dialogando sobre padrões comuns e uso responsável da tecnologia é um indicador positivo do que está por vir nos próximos dias.
A mensagem que levo deste primeiro dia é clara: o futuro da IA não será escrito por algoritmos, mas por nossas escolhas coletivas sobre como queremos usar essa tecnologia revolucionária. Como alguém que dedica sua vida profissional a este campo, vejo com otimismo a maturidade que o debate alcançou.