SAN FRANCISCO: estimativas são de que existam 7.000 brasileiros na região do Vale do Silício (Justin Sullivan/Getty Images)
Letícia Toledo
Publicado em 23 de dezembro de 2016 às 16h28.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h44.
Letícia Toledo, de Mountain View
O carioca Vicente Silveira nunca achou que passaria tantos anos longe das praias do Rio. Quando recebeu uma proposta da empresa de segurança digital VeriSign, em 1999, para trabalhar na região do Vale do Silício, seu objetivo era colocar uma experiência na região em seu currículo e retornar logo ao Brasil. Hoje, voltar para o Rio não está mais em seus planos. “Eu nunca parei de aprender aqui e isso me motiva a continuar estudando e trabalhando na região”, diz Silveira, que depois de oito anos, deixou a VeriSign para trabalhar na rede social LinkedIn e desde o início de 2016 chefia a divisão anti-fraude do aplicativo de caronas pagas Uber.
Mais recentemente, Julia Figueiredo também achou que sua carreira precisava de um toque da região mais empreendedora do mundo. Ela decidiu fazer um curso de finanças na Universidade de Berkeley, na Baía de São Francisco. O plano era ficar apenas um ano, mas desde então já se passaram quase cinco. Hoje, Julia é gerente de marketing no aplicativo de notas Evernote.
Histórias como essas começam a pipocar aqui e ali mas, infelizmente, ainda são raras. É difícil andar pelas ruas arborizadas de Palo Alto – onde estão a Universidade de Stanford e centenas de startups – e encontrar brasileiros. A poucos quilômetros dali, na Castro Street, em Mountain View, um Starbucks divide a rua com uma dezena de restaurantes com pratos acompanhados de um currytão indiano quanto os 123.400 imigrantes do país que vivem na região do Vale do Silício. A comunidade só não é maior que os 168.300 chineses que vivem ali.
As estimativas do censo americano são de que o número de brasileiros no Vale esteja em torno dos 7.000. “O Brasil tem tudo para ser um país com grandes talentos no Vale, como a Índia, mas ainda não é”, diz Geoff Ralston sócio de uma das maiores aceleradoras do mundo, a Y Combinator.
Os motivos que explicam a falta de brasileiros na região, segundo os próprios brasileiros que vivem por lá, são muitos. “As pessoas do Brasil não sabem que existem outros brasileiros aqui sendo bem sucedidos. O sonho de vir para o Vale, para a maioria, parece algo muito distante”, diz Silveira. Para ele, que estudou engenharia da computação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, o fato de o Brasil ainda ter poucos profissionais que escolhem seguir carreira em tecnologia é um empecilho. “A maioria das pessoas que se formaram comigo foram trabalhar em bancos, varejo… qualquer outra coisa que não tecnologia”, afirma.
“Temos ótimos profissionais no Brasil, mas muitos deles não se colocam no mesmo nível que os profissionais de fora. E muitas vezes falta coragem e persistência”, diz André Olivo, gerente do site de comércio eletrônico da varejista Walmart em São Francisco.
A escassez começa na universidade. Grande parte dos imigrantes do Vale chegaram na região para estudar em uma de suas renomadas universidades, como Stanford e Berkeley e depois disso fixaram residência na região. Os chineses, por exemplo, são responsáveis por 30% de todos 886.000 estudantes estrangeiros em universidades americanas. Segundo um relatório do Institute of International Education, este número está ligado ao fato de a educação nas melhores universidades chinesas ser vista como opressora e altamente estressante. Muitos pais procuram por uma educação mais liberal para seus filhos em universidades americanas. A Índia tem investido consistentemente numa política industrial voltada para tecnologia. Como consequência, o país tem renomadas universidades focadas nessa área, como o Indian Institute of Technology. Após concluir uma faculdade de alto nível no país, a maioria dos jovens é instigado a continuar seus estudos de tecnologia no exterior, a opção óbvia para muitos é o Vale do Silício. Depois dos estudos, alguns ex-alunos são contratados por multinacionais. É o caso Sundar Pichai, presidente da empresa de tecnologia Google. Pichai, de 44 anos, deixou a Índia em 1993 para fazer um mestrado em Stanford. Com menos alunos nas universidades, o Brasil naturalmente tem menos empreendedores e executivos nas empresas do Vale. Faltam informações consolidadas sobre estudantes brasileiros por lá – no programa Ciências sem Fronteiras são 470.
Os brasileiros que vivem na região também reclamam que falta estabelecer uma comunidade mais unida no local – como acontece com indianos e chineses (ou com os imigrantes brasileiros em cidades como Boston). Uma das poucas iniciativas bem sucedidas neste sentido é a BayBrazil, uma organização criada em 2010 que reúne mais de 8.000 pessoas – não apenas brasileiros, mas também empresas do Vale do Silício que desejam investir no país. “Comecei a perceber que havia vários brasileiros aqui que trabalhavam nos mesmos setores e não se conheciam. Eu queria me informar mais sobre os brasileiros da região, procurei uma organização e não encontrei”, afirma a jornalista e fundadora da BayBrazil Margarise Correa, que mora na região há 19 anos.
Os efeitos no Brasil
A falta de brasileiros no Vale prejudica não apenas suas carreiras, mas também o desenvolvimento de um ecossistema de empreendedorismo e tecnologia mais sólido no Brasil. A Índia tem hoje mais de 4.200 startups, e muitas delas foram criadas ou empregam pessoas que estudaram e trabalharam na região do Vale do Silício. Os profissionais indianos que foram expostos ao choque de modernidade da Califórnia voltaram ao país com uma agenda cheia de contatos internacionais e experiência na gestão de empresas menos hierarquizadas. Um dos maiores exemplos é a empresa de comércio eletrônico Flipkart. Fundada por dois indianos que trabalhavam para a gigante mundial do comércio eletrônico Amazon, hoje, a empresa vale 15 bilhões de dólares.
Com uma economia que cresce mais de 7% a cada ano e empreendedores que têm anos de experiência no Vale do Silício, a Índia chama a atenção de investidores. No último ano, o valor investido em startups indianas foi de 7,8 bilhões de dólares. Nos primeiros três trimestres deste ano, o valor foi substancialmente menor, mas ainda assim alcançou 3,5 bilhões de dólares. Apesar de o Brasil ter hoje quase o mesmo número de startups que a índia (4.194, segundo a Associação Brasileira de Startups), no ano passado, estima-se que apenas 2 bilhões de reais foram investidos nas empresas daqui. Não há dados sobre este ano.
Os empreendedores brasileiros
“Não faz sentido ter uma startup e não conhecer a cultura do Vale do Silício, lugar onde esse ambiente empreendedor começou”, diz Bárbara Minuzzi, sócia da empresa de investimentos Investhaus. Ela percebeu a imaturidade do mercado brasileiro quando sua companhia – que inicialmente investia em imóveis – começou a procurar startups para investir, no fim de 2014. Para aprender mais sobre a cultura das startups, ela foi passar um período no Vale do Silício e chegou à conclusão que não conseguiria investir em startups se ficasse no Brasil.
“Hoje, temos dificuldade em encontrar startups brasileiras para investir. Tanto o investidor quanto o empreendedor brasileiro não sabem nem mesmo como estruturar um contrato de venture capital”, afirma Minuzzi, que se mudou de vez para San Francisco no início deste ano.
Para ela, a falta de conhecimento de empreendedores criou, no Brasil, uma particularidade que acaba atrapalhando no crescimento das empresas. “O investidor aqui do Vale é parceiro do empreendedor, está disposto a ajudar no crescimento da empresa. Já o investidor que está em empresas brasileiras muitas vezes trata o empreendedor como seu empregado, só quer saber de estipular metas e não ajuda a companhia. No fim, isso não cria um negócio sustentável”, diz Minuzzi.
“O ritmo aqui é muito diferente, os investidores estão o tempo todo por perto, acompanhando o que estamos desenvolvendo”, diz a mineira Carolina Reis, fundadora da startup de biotecnologia OneSkin, que se mudou para o Vale do Silício no ano passado, após entrar para o programa de aceleração da maior aceleradora de biotecnologia do mundo, a IndieBio. “A ciência é cara, precisamos de dinheiro e estrutura. No Brasil é difícil encontrar investidores dispostos a investir na nossa área”, afirma. A OneSkin está desenvolvendo tecidos epiteliais a partir de células tronco para vendê-los a empresas de cosméticos que precisam testar seus produtos.
Hoje, 44 das 87 startups que valem 1 bilhão de dólares ou mais nos Estados Unidos – os unicórnios – têm pelo menos um imigrante entre os seus fundadores. Juntas, essas 44 companhias valem mais de 168 bilhões de dólares. Esses emprendedores vieram de países como Índia, Canadá, Reino Unido, Israel e Alemanha; mas não há nenhum brasileiro. Há casos isolados de brasileiros que se destacaram fundando grandes empresas nos Estados Unidos. Um deles é Eduardo Saverin, co-fundador da rede social Facebook que, apesar de ter nascido em São Paulo, cresceu em Miami, na Flórida. O outro é Mike Krieger, filho de um alto executivo da indústria de bebidas, que estudou em Stanford e foi co-fundador da rede social Instagram.
“Muitos empresários brasileiros criam companhias para solucionar problemas locais e não têm a ambição de explorar o resto do mundo. Uma imersão no Vale do Silício pode proporcionar aos brasileiros o choque cultural necessário para que vejam a importância de pensar grande”, diz Fabricio Bloisi, CEO e Fundador da Movile.
A Movile tem um escritório no Vale do Silício desde 2012. Ele explica que a empresa foi para o Vale justamente para estar perto de grandes companhias, pensar grande e aprender com os melhores. Foi no escritório da empresa no Vale, que tem atualmente 10 funcionários, que a Movile desenvolveu o aplicativo de jogos e vídeos para o aprendizado infantil PlayKids. O PlayKids já foi traduzido para cinco idiomas e teve 20 milhões de downloads em mais de 100 países.
Marcelo Maisonnave, co-fundador da empresa de investimentos XP Investimentos, da qual saiu em 2014, está animado apenas por estar morando na região. “As cabeças que estão redesenhando o mundo em que vivemos estão aqui”, conta, sentado em uma das mesas do tradicional Coupa Café, no centro de Palo Alto, – famoso por ser o preferido de Steve Jobs. Maisonnave se mudou para o Vale do Silício em julho de 2015. “Estar aqui me permite acompanhar as novas tecnologias e modelos de negócios de perto e, quem sabe, antecipar algum movimento”, afirma. A lógica é a mesma de outro brasileiro que está morando na região: Julio Vasconcellos, fundador do site de compras coletivas Peixe Urbano. Vasconcellos, que já havia morado na região entre 2005 e 2007 – quando fez MBA em Stanford, hoje vive em San Francisco com a família, onde participa de eventos de startups e investe em muitas delas com a sua empresa de investimentos Graph Ventures.
Para a empresa de softwares Totvs, a oportunidade de abrir um escritório no Vale do Silício apareceu meio por acaso. A ideia de criar o Totvs Lab surgiu quando seu funcionário Vicente Goetten, responsável por desenvolver novas tecnologias na empresa, se mudou para a região para trabalhar como professor assistente em Stanford, em 2011. Um ano depois, Goetten recebeu a proposta para continuar no Vale e montar um laboratório da Totvs para ficar de olho nas tendências da região.
Hoje, o laboratório tem 15 funcionários (apenas três deles brasileiros) que desenvolvem projetos e fazem parcerias com startups do Vale com tecnologias que podem ser aplicadas nos softwares da Totvs aqui no Brasil. Para Goetten, que se mudou com a mulher – na época grávida – e o cachorro para a região de SunnyVale, o Vale do Silício levou sua carreira a um patamar que jamais teria alcançado por aqui – com a descoberta de novas tecnologias e um modelo de negócios mais ágil e dinâmico. Para ele e os outros brasileiros com quem EXAME Hoje conversou, a chegada de mais brasileiros é uma tendência inevitável. Ainda assim, se quiser se comunicar com qualquer um de seus vizinhos em SunnyVale, português não é uma língua que Goetten conseguirá usar.