Projetos que simulam o mercado de trabalho ainda são raros no ensino médio — mas no Colégio Ranieri, fazem parte da rotina desde 2009 (Arquivo Pessoal)
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Publicado em 2 de dezembro de 2025 às 15h42.
Projetos que simulam o ambiente de trabalho vêm ganhando espaço no ensino médio brasileiro, mas, ainda assim, são novidade em boa parte das escolas.
No Colégio Ranieri, no entanto, isso acontece desde 2009. Janaína Jordão, mantenedora e diretora pedagógica da escola, explica que a terceira série do ensino médio funciona como uma empresa da vida real. Cada turma precisa eleger uma diretoria, definir departamentos, administrar uma conta bancária, pensar e executar dezenas de ações de venda ao longo do ano letivo.
A arrecadação reduz o custo da formatura e o cotidiano do projeto expõe os alunos, ainda dentro da escola, a prazos e procedimentos que fazem parte da rotina de trabalho. Para jovens, que em poucos anos estarão na faculdade ou no mercado, é um primeiro passo importante para a vida adulta.
A lógica começa na 1ª série, com aulas semanais de empreendedorismo, em que os alunos aprendem conceitos básicos sobre o mundo dos negócios. Na 2ª série, o projeto ganha corpo. A turma escolhe nome, missão, gerencia uma conta bancária e cria departamentos. Na 3ª série, a empresa passa a existir de fato.
As iniciativas para arrecadar dinheiro variam. Já houve venda de picolés, algodão doce e produtos feitos em aulas de química, como sabonetes. Há também rifas com kits doados por empresa. Em datas como Carnaval, Dia das Mães ou Dia das Mulheres, as turmas montam ações pontuais.
Venda de produtos, rifas temáticas e ações em datas comemorativas movimentam a rotina dos estudantes (Arquivo Pessoal)
Nesse processo, os erros fazem parte. “Eles acham que vão começar e vai ser super tranquilo. No dia a dia percebem que têm dificuldades”, diz Janaína.
As metas de vendas variam conforme o tamanho das turmas. Algumas arrecadam cerca de R$18 mil e outras chegam a R$25 mil, segundo Janaína. A receita acumulada define a quantidade de atrações e contratações extras da festa de formatura.
A história do projeto se cruza com a de Janaína, que fundou o Colégio Ranieri (antes com o nome Instituto Acalanto) aos 20 anos. Depois do magistério, enquanto cursava psicologia, trabalhou em um colégio de pequeno porte e passou a questionar rotinas rígidas e distantes do cotidiano dos estudantes. Foi ali que surgiu a ideia de abrir a própria escola.
A oportunidade surgiu quando seu pai, também empreendedor, disponibilizou uma propriedade vazia na zona leste de São Paulo. Ela abriu a escola com uma colega, mas logo assumiu a operação sozinha.
O colégio começou com 33 alunos e cresceu rápido. A demanda das famílias ampliou a oferta de cursos e levou à mudança para um prédio maior em 2004. A partir dali, o número de estudantes dobrou e não parou de crescer. De acordo com ela, hoje existem quase mil alunos matriculados no Ranieri.
A experiência de criar e administrar um negócio tão jovem ajudou a moldar a cultura da escola. Janaína conta que, justamente por isso, incorporou ao ensino médio conteúdos que sentiu falta quando começou a trabalhar.
O “terceirão-empresa” nasceu da visão empreendedora de Janaína Jordão, que fundou o colégio aos 20 anos e transformou o projeto em cultura escolar (Arquivo Pessoal)
Paola Faggionato Martinez, de 18 anos, é aluna da 3ª série do ensino médio do Colégio Ranieri e, dentro da empresa fictícia, participou da área de eventos. Sua turma era pequena e pouco unida no começo. Ao longo do ano, mudou.
“O terceirão uniu muito a turma. Não sei se é por trabalhar junto ou por ter que resolver as coisas, mas juntou muito a gente.”
Ela participou da divulgação, conversou com pais e professores, vendeu no intervalo e organizou ações temáticas. A turma arrecadou cerca de R$ 18 mil até novembro e ainda tem eventos previstos até o final de 2025.
Paola sempre foi comunicativa, mas diz que a empresa ajustou essa habilidade para outro tipo de contexto. “Ali você não está fazendo uma apresentação. Você está lidando com um consumidor. Tem custo, tem entrega”, defende.
Os conflitos internos também ensinaram. Em grupos pequenos, a diferença de dedicação pesa. “É justo que todo mundo tenha empenho igual. Eu não vou trabalhar muito para alguém que não fez nada.”
O projeto termina o ensino médio com um conjunto de tarefas que envolvem organização, venda, prestação de contas e decisões em grupo. A rotina expõe os alunos a situações que, normalmente, só surgem depois da escola.
Para os próximos anos, a direção planeja incorporar novos processos, como uma avaliação 360°, para lidar de forma mais clara com diferenças de participação e responsabilidades. De acordo com Janaína, a empresa do terceirão vai permanecer como parte fixa do currículo e seguirá sendo ajustada conforme os desafios que aparecem a cada turma.