Empoderamento feminino no setor automotivo: JJ Borrachas cresce sob gestão de Elisângela Feitosa. (Divulgação)
Jornalista especializada em carreira, RH e negócios
Publicado em 12 de novembro de 2024 às 15h00.
A goiana Elisângela Sheila Colodino Feitosa, proprietária da JJ Borrachas, em Abadia de Goiás, é um daqueles exemplos clássicos de resiliência. Ela costuma dizer que quando toda razão falha e parece não haver solução para um problema, é hora de acreditar que existe outro caminho – sempre mantendo seu propósito e suas convicções.
Depois de 17 anos de trabalho em um mesmo grupo, onde iniciou como secretária e chegou à diretora, tendo 5% de uma das empresas, ela decidiu que era hora de mudar e empreender com a aquisição de um negócio que já tinha dois sócios. “Quando vi a empresa, meus olhos brilharam. Sabia que podia fazê-la crescer a partir da experiência que adquiri ao longo do tempo”, diz. O que ela não sabia, na época, é que um dos sócios era um estelionatário que deixou a companhia e uma dívida de R$ 500 mil. “Fui imatura. Não olhei o balanço financeiro, nem analisei bem o perfil dos fundadores. Só o potencial que via na JJ”.
Elisângela buscou advogados, mas não havia o que fazer porque tudo estava em seu nome. “Lembro de fazer contas e mesmo que eu vendesse todo o meu patrimônio não conseguiria pagar a dívida. Foi um período difícil. Tive uma depressão muito severa e perdi 10 quilos em 60 dias, mas o apoio da minha família e as pessoas que encontrei pelo caminho me ajudaram a acreditar que era possível dar a volta por cima”, lembra. Fora isso, ela ressalta a espiritualidade que carrega. “Tenho muita fé e sabia que, de alguma forma, encontraria uma solução”.
Atualmente, a JJ Borrachas, fabricante de peças automotivas na linha de fixação, como coxins, buchas e amortecedores – feitos de forma sustentável –, ocupa um parque industrial de 10.000m², com usinagem própria. Em 2023, alcançou em torno de R$ 2,2 milhões de faturamento, e a perspectiva é crescer 15% este ano e 20% em 2025. Também conquistou o primeiro lugar na categoria Pequenos Negócios do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios 2023. À Exame, Elisângela conta como conseguiu dar a volta por cima.
O primeiro passo foi resgatar o que a levou ao empreendedorismo. Além de acreditar no negócio e entender da área, a decisão coincidiu com o nascimento de seu segundo filho. “Ele nasceu prematuro e foi um milagre. Ficamos 60 dias na UTI e isso me fez pensar no quanto queria um estilo de vida diferente, com mais tempo e flexibilidade para estar com minha família”, conta. Passando mais tempo em casa, ela lembra de um momento fundamental para o recomeço da empresa, em que percebeu ser possível mudar o rumo da história da JJ.
“Meu filho mais velho, que é autista de grau clássico, precisa de ajuda em praticamente todas as atividades e, um dia, ao chegar em casa fui auxiliá-lo no banho. Lembro de estar destruída por dentro, mas ele olhou para mim, colocou a mão no meu rosto e mesmo sem dizer uma palavra, me deu a força que eu precisava”.
Segundo Elisângela, a reconstrução da companhia foi pautada pela transparência. Ela procurou clientes e fornecedores para contar exatamente o que estava acontecendo, sem rodeios ou disfarces. “Eu só tinha a verdade e a vontade de trabalhar, e foi exatamente isso que falei para todos”.
Já na primeira conversa, conseguiu a indicação de um representante de vendas e o trabalho começou a fluir. Além disso, renegociou os prazos de entrega e conversou com todos os credores – de bancos a agiotas. “Ser transparente é essencial para se manter no mercado. Você mostra às pessoas que, sim, está passando por dificuldades, mas seu caráter e responsabilidade estão acima disso”.
Tão importante quanto isso, foi a organização financeira. Em uma planilha, ela colocou tudo o que devia e as entradas ao longo dos meses, nunca misturando as contas da empresa com as pessoais. A formação em contabilidade ajudou bastante. “Tenho um lado bem racional e adoro matemática. Os números não mentem e me baseei neles para voltar a crescer. Tudo que entrava era usado para pagar os funcionários e as dívidas, e investir no negócio. Foram cinco anos para a JJ Borrachas voltar a lucrar”.
Outra iniciativa foi mudar o regime de trabalho de parte da equipe – de CLT para terceiro. “Sempre valorizei muito meu time. Decidi, então, montar um espaço na casa dos funcionários com potencial e que toparam esse esquema, com toda a estrutura necessária, incluindo o torno mecânico em que trabalhavam”. Ela ressalta que as pessoas são o ponto mais forte para uma companhia ter sucesso, por isso, parte da estratégia é olhar com cuidado para isso. “Assim como tive a oportunidade de crescer na empresa em que trabalhei por 17 anos, quero que meu time também avance”.
Elisângela também está sempre atenta às demandas dos funcionários e às tendências do mercado. Em 2019, adquiriu 1/3 da Usinagem Renovada, que atua com ferro, para desenvolver tornos mecânicos próprios. A empreendedora reforça que o intuito foi ganhar agilidade e criar máquinas melhores para as mulheres, que são 60% da empresa, trabalharem.
Nestes equipamentos as ferramentas são retiradas acionando uma alavanca, sem precisar de força, por exemplo. “Quero auxiliar e incentivar a entrada de mais mulheres nessa área, que ainda é muito masculina”. Em 2025, a ideia é também comercializar os equipamentos e avançar na automação. “Já estamos desenvolvendo nossa primeira máquina automatizada”, adianta. De acordo com ela, a participação no programa Brasil Mais Produtivo, do Sebrae, que oferece orientações e suporte para inovar, foi um grande impulso para isso.
“Nunca pensei em desistir, pois problemas sempre vão existir. O que precisamos é lutar contra os nossos medos – de fracassar, de errar, de quebrar. E toda vez que superarmos um medo vencemos um desafio”. O que muda, segundo ela, é como nos comportamos diante das adversidades. Ela recomenda se distanciar um pouco da questão, olhando todos os lados de uma situação e as pessoas envolvidas, sempre tendo em mente quem você é e o que deseja.