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Disney une Mickey aos Simpsons e vai à guerra com Netflix

União com a Fox marca passo decisivo da Disney para liderar o disputado mercado de streaming. Depois da Amazon, agora até o Walmart virou um competidor

Robert Iger, presidente da Disney: compra da Fox é a maior aquisição da história da empresa (Gary Cameron/Reuters)
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EXAME Hoje

Publicado em 27 de julho de 2018 às 11h05.

Última atualização em 27 de julho de 2018 às 11h39.

A divulgação de números que desapontaram os analistas e fizeram suas ações cair 13% (boa parte recuperada em seguida) é provavelmente a menor das preocupações da Netflix nesta semana. Num mercado que pode estar apresentando os primeiros sinais de saturação, a grande protagonista da transmissão de filmes e séries por streaming está vendo surgirem concorrentes de todos os lados – de praticamente todas as empresas de tecnologia, de pontos inesperados como o gigante do varejo Walmart e principalmente, agora, da companhia de entretenimento mais poderosa do planeta, a Disney .

Se alguém ainda tinha dúvidas sobre a intenção da Disney de ingressar no mercado de streaming, elas devem ter se dissipado ante o argumento que a empresa apresentou esta semana. Na verdade, 71,3 bilhões de argumentos. Este é o número de dólares que a gigante do entretenimento jogou na mesa, na direção da 21st Century Fox, para arrematá-la (metade em dinheiro, metade em ações da Disney).

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São 18,9 bilhões de dólares a mais do que sua oferta inicial, feita em dezembro do ano passado. A Disney aumentou o lance porque surgiu uma rival, a empresa de telecomunicações Comcast. E foi rápida. Ultrapassou em quase 6 bilhões de dólares o número da Comcast, antes que o conselho de administração da Fox se reunisse para avaliar a nova proposta. A Comcast desistiu do leilão. E a 21CF anunciou que entrou em acordo com a Disney (embora ele ainda tenha que ser referendado em reunião do conselho de acionistas, marcado para esta sexta-feira, numa mera formalidade).

“Estamos convencidos de que a combinação dos ativos, marcas e franquias da 21CF com os da Disney vai criar uma das maiores e mais inovadoras companhias do mundo”, disse o magnata das comunicações Rupert Murdoch, principal acionista da empresa.

O negócio inclui o estúdio 20th Century Fox, os canais a cabo FX e National Geographic, duas dúzias de canais a cabo regionais de esporte e uma participação acionária na operadora de TV a cabo europeia Sky e na Star India. Para dar uma ideia da complementaridade de conteúdos, a melhor imagem é o encontro de Mickey Mouse com Homer Simpson.

De fora do acordo ficam os canais de notícias da Fox (ou seja, a compra não vai mudar a programação do mais poderoso porta-voz dos conservadores dos Estados Unidos), a rede Fox e os canais esportivos FS1.

Toda essa união de ativos obedece à lógica tradicional das fusões e aquisições: aquela história de sinergias, ganhos de eficiência, consolidação (os negócios da Fox no exterior vão dar um alento para a Disney, que sofre com a perda de clientes de suas TVs a cabo e por satélite).

O que é realmente novo – e a razão estratégica mais crucial para o movimento – é que a Disney vai passar a dirigir o serviço de streaming Hulu, que tem 20 milhões de assinantes e está em franco crescimento (ela tinha 30% das ações, agora terá 60%). É aí que se concentra o futuro da Disney, de acordo com a aposta de seu CEO, Robert Iger.

Não é uma aposta surpreendente, ao contrário. Muitos analistas consideram que a Disney demorou em perceber que as empresas de tecnologia (Google, Netflix, Amazon) estão avançando sobre o bolo de audiência e receita publicitária com tal voracidade que em breve só lhe sobrariam as migalhas. Essa percepção fez a Disney romper no ano passado o acordo com a Netflix para distribuição de seu conteúdo, para tomar as rédeas ela própria do negócio. De parceira, virou concorrente.

E este movimento pode muito bem ser o prelúdio de uma guerra de gigantes pela coroa do entretenimento mundial – num campo em que não faltam contendores de peso para se aproveitar de qualquer escorregão dos rivais.

Os desafios para a Netflix

Não é de hoje que a Disney mantém uma estratégia de bicho-papão de marcas. Ela já gastou bilhões de dólares em compras como a da Pixar, da Marvel, da Lucasfilm, para ter os direitos de personagens capazes de encantar (e fidelizar) milhões de espectadores. Com a Fox, ela toma para si alguns personagens da Marvel (que haviam sido vendidos em meio a dificuldades financeiras da companhia) como os X-Men e o Quarteto Fantástico e filmes como Avatar.

Para dar uma ideia do poder de fogo da combinação entre Disney e Fox, as duas terão este ano metade da receita das bilheterias de cinema nos Estados Unidos e 30% dos roteiros de TV, segundo um sindicato de roteiristas de Hollywood. É tanto poder que chega a ser surpreendente a facilidade com que o Departamento de Justiça americano aprovou o negócio, no final de junho. De acordo com o conselho editorial do New York Times, isso possivelmente se deve à simpatia que o presidente Donald Trump nutre pelo dono da Fox, Rupert Murdoch – que vai se tornar o maior acionista individual da Disney.

A anabolização de um concorrente desse calibre chegou num momento que já não era muito auspicioso para a Netflix. Na semana passada, a divulgação dos números de seu segundo trimestre deixaram os analistas e investidores de pé atrás com a companhia. Ela deixou de cumprir suas previsões pela primeira vez em cinco anos, em relação ao crescimento da base de assinantes e à receita (mas atingiu os lucros esperados).

Não seria algo tão preocupante. Os meses de primavera e verão são normalmente menos lucrativos para a Netflix, porque muita gente sai de férias e deixa para assinar serviços na volta. Este ano, ainda houve a concorrência da Copa do Mundo.

Para a empresa, o trimestre foi “forte, mas não estelar”. A Netflix adicionou 5 milhões de assinantes à sua base (que agora conta com 130 milhões de inscritos), e elevou seu lucro em 480% em relação ao ano passado, embora ainda queime entre 3 bilhões e 4 bilhões de dólares de caixa para comprar e produzir seus programas.

Em termos de conteúdo, a Netflix não para de aumentar seu poderio. Este ano, ela arrebatou o título de estúdio mais nomeado para prêmios Emmy (foram 112 indicações), posto que foi da HBO nos últimos 17 anos. O plano é gastar 8 bilhões de dólares este ano em conteúdo, para se tornar a maior produtora de filmes e shows do planeta. A meta é que até o final do ano a Netflix tenha mil filmes e shows originais.

A sombra no horizonte é que o estoque de atenção da humanidade é finito, e isso limita a expansão do negócio. Ainda há um tanto de mercado a tirar dos cinemas, do tempo que as pessoas usam para namorar ou se divertir fora de casa… mas a maior parte do sucesso deve vir da conquista de atenção dedicada a empresas concorrentes, incluindo as TVs abertas e a cabo, que crescentemente migram para o streaming.

Um exemplo é a HBO, que não está nada conformada em perder a coroa da produção de conteúdo nobre e sinalizou que vai aumentar seu orçamento de 2 bilhões de dólares para produção de conteúdo – provavelmente reforçada pela recente aprovação da Time Warner pela AT&T (agora Warner Media, dona da HBO).

A DC Entertainment, também da Warner, anunciou seu serviço de streaming. Apple e Amazon, duas das maiores empresas do mundo, estão lançando iniciativas ambiciosas de produção de conteúdo. Uma das duas, ou alguma empresa de telecomunicações, ainda pode se aproveitar das oportunidades de consolidação existentes: Lionsgate, Sony Entertainment, Viacom e CBS são potenciais alvos.

E, como se não bastasse, vazaram notícias de que o gigante do varejo Walmart está entrando nessa guerra. A ideia é competir com sua arquiinimiga Amazon, não com a Netflix – mas não dá para fazer uma coisa sem a outra.

Com sua enorme base de clientes e poder de compra sustentado pelo mecanismo de escala, o Walmart pode oferecer um serviço mais barato. Fontes citadas por alguns jornalistas indicam que uma assinatura poderia sair por 8 dólares, bem abaixo do padrão do mercado – e um novo pólo de pressão para a Netflix, que tem aumentado seus preços com regularidade.

Não se trata de uma aventura: o Walmart já é dono, desde 2010, do serviço de streaming Vudu. O grande passo seria produzir conteúdo próprio.

Com tantos contendores vindo de tantos lugares diferentes, e todas as reviravoltas tecnológicas e de negócios, esse mercado de streaming já seria capaz de inspirar uma boa série.

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