Odebrecht: a identificação dos codinomes é uma das obrigações impostas pela PGR no acordo de delação fechado com executivos (Mariana Bazo/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 8 de julho de 2019 às 11h41.
Última atualização em 8 de julho de 2019 às 11h44.
Arquivos da transportadora de valores usada pela Odebrecht para executar pagamentos ilícitos a políticos e agentes públicos na cidade de São Paulo indicam ao menos R$ 14 milhões em entregas de dinheiro vinculadas a codinomes criados pela empreiteira que ainda não foram esclarecidos pelos delatores mais de dois anos após o acordo de colaboração premiada celebrado com o Ministério Público Federal (MPF).
A reportagem do jornal O Estado de S. Paulo confrontou os dados da planilha e do registro de conversas de Skype entregues por um ex-funcionário da Transnacional à Polícia Federal com a programação semanal de pagamentos feita pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, o departamento de propina da empreiteira. As entregas abarcam um período que vai de maio de 2013 a maio de 2015 e envolvem mais de R$ 200 milhões em repasses.
Nos arquivos da transportadora aparecem, por exemplo, quatro pagamentos no valor total de R$ 2 milhões a uma pessoa chamada Ademir Scarpin. As datas, valores e senhas coincidem com os pagamentos vinculados ao codinome "Sócio 1" na planilha da Odebrecht, que, por sua vez, está relacionado à obra Blumenau. Os supostos pagamentos teriam ocorrido entre fevereiro e abril de 2014 em um prédio comercial na avenida Faria Lima, em Pinheiros.
Naquele período, Scarpin era diretor financeiro da Engeform, empreiteira sócia da Odebrecht em um consórcio de saneamento em Blumenau (SC). O codinome "Sócio 1" não foi identificado pelos ex-executivos da Odebrecht à época da delação e permanece misterioso. A reportagem procurou Scarpin por telefone em sua empresa de consultoria, deixou recado, mas não obteve retorno.
Ao todo, a reportagem identificou pagamentos vinculados a 22 codinomes ainda obscuros, como "Avesso", "Babaçu", "Crente", "Dr. Silvana" e "Leleco". O maior valor supostamente pago está atrelado ao codinome "Príncipe". Segundo a planilha da Transnacional, foram R$ 3,5 milhões em entregas que teriam sido feitas a Marcelo Marques Casimiro, taxista de confiança do publicitário André Augusto Vieira, acusado de ser operador do ex-presidente da Petrobrás e do Banco do Brasil Aldemir Bendine.
Casimiro já foi apontado como portador da propina de R$ 3 milhões que resultou na condenação de Bendine a 11 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, em março de 2018. Neste caso, contudo, o codinome de Bendine na planilha da Odebrecht era "Cobra". Ele nega as acusações. A reportagem questionou a empreiteira quem são as pessoas relacionadas aos apelidos até agora não esclarecidos, mas não obteve resposta.
A lista inclui ainda dois codinomes vinculados à Arena Corinthians, construída pela Odebrecht para a Copa de 2014: "Papai Noel" e "Azeitona". No primeiro caso, o suposto pagamento no valor de R$ 500 mil, foi feito a uma pessoa chamada Erasmo em um apartamento nos Jardins. Já o segundo teria sido para Epaminondas. Nos dois casos, as identidades dos beneficiários finais do dinheiro nunca foram reveladas pelos delatores ou divulgadas, já que o inquérito sobre o estádio corintiano sempre estava sob sigilo.
A identificação dos codinomes é uma das obrigações impostas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no acordo de delação premiada fechado com 77 executivos da Odebrecht em dezembro de 2016. Na maioria dos casos, o apelido identifica o verdadeiro beneficiário dos pagamentos de propina e caixa 2, enquanto que os nomes que aparecem nos arquivos da transportadora costumam ser os dos intermediários encarregados de pegar o dinheiro para os políticos.
A reportagem indagou a PGR se ela sabe a quem se referem os codinomes ainda não identificados, mas o órgão informou que não pode se manifestar sobre o assunto porque os acordos de colaboração são sigilosos. Sempre que os investigadores da força-tarefa da Lava Jato esbarram em apelidos ainda desconhecidos em documentos da Odebrecht, como e-mails e planilhas, eles acionam o executivo responsável pela informação, que é obrigado a esclarecer o teor.
Lojas de artigos de papelaria, festas e brinquedos da Rua 25 de Março, tradicional ponto de comércio popular no Centro de São Paulo, pequenas fábricas de confecção de roupas no bairro do Brás, e a garagem de uma viação de ônibus no Grajaú, na zona sul paulistana.
Esses foram alguns dos 45 locais onde agentes da Transnacional, a transportadora de valores usada por doleiros para fazer os pagamentos ilícitos da Odebrecht, iam buscar quase que diariamente malotes de dinheiro para atender a extensa demanda do departamento de propina da empreiteira no período eleitoral.
O Estado publica nesta segunda-feira, 8, em seu site o especial multimídia 'Odebrecht - O caminho do dinheiro', no qual refaz, a partir da análise de uma série de documentos, mensagens, vídeos e áudios obtidos pela Operação Lava Jato, a rota da propina paga pela empreiteira em São Paulo a pessoas ligadas a políticos e agentes públicos de todo o País.
A captação do dinheiro era operada pelos doleiros Cláudio Barboza, ou "Tony", e Vinícius Claret, o "Juca Bala", presos em 2017 e hoje colaboradores da Lava Jato, com o apoio do chinês Wu Yu Sheng, o "Dragão", reconhecido pela facilidade em coletar dinheiro com lojistas.
Já a distribuição era coordenada pelo doleiro Álvaro José Novis. Identificado como "Paulistinha" ou "Carioquinha" nas planilhas da Odebrecht, ele havia se especializado no serviço operando o esquema do ex-governador Sérgio Cabral (MDB) no Rio, a partir de 2007.
Em 2017, quando foi preso pela segunda vez, fechou acordo de colaboração no qual explicou a sistemática da distribuição e forneceu um acervo de gravações telefônicas feitas com os recebedores do dinheiro que têm ajudado os procuradores na obtenção de provas para oferecer denúncias contra os políticos delatados. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.