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De carros a eletrônicos: falta matéria-prima às vésperas da Black Friday

Muitas indústrias, que ficaram paradas por alguns meses durante a pandemia, agora enfrentam um aumento na demanda e não há material disponível para produção

Montadoras: faltam peças, carros atrasam e locadoras sofrem (Marka/Getty Images)

Montadoras: faltam peças, carros atrasam e locadoras sofrem (Marka/Getty Images)

Karin Salomão

Karin Salomão

Publicado em 10 de novembro de 2020 às 06h00.

Última atualização em 10 de novembro de 2020 às 11h08.

Diversas indústrias estão sentindo uma escassez de matérias-primas no mercado, de plásticos a algodão e peças automotivas. Muitas indústrias, que ficaram paradas por alguns meses durante a pandemia, agora enfrentam um aumento na demanda e não há material disponível que consiga dar conta de atender ao mercado. O dólar, o aumento das exportações e a dificuldade nas importações também estão entre os motivos. Produtos, como carros, podem atrasar e outros devem ficar mais caros, de acordo com empresários de diversos setores ouvidos por EXAME. Os motivos são vários, mas a preocupação é uma só: a falta de insumos para dar conta da demanda, às vésperas das vendas de final de ano.

O setor têxtil, por exemplo, ficou parado por mais de 100 dias em decorrência das restrições da pandemia. Com a retomada inesperada da demanda, todas as indústrias fizeram pedidos de algodão ao mesmo tempo - o que criou gargalos em toda a cadeia. Além disso, as empresas que produzem fios de maior valor agregado acabam exportando mais, diante do câmbio favorável, relata um empresário do setor.

Fabricantes têm relatado dificuldades para comprar insumos no mercado doméstico, o que pode comprometer a oferta de roupas no país justamente para o final do ano, período de alta no consumo. Algumas afirmam que os fornecedores só conseguirão entregar malhas a partir de 2021. O fato ocorre num momento em que o Brasil deve registar safra recorde de algodão, em torno de 2,9 milhões de toneladas de pluma em 2020. 

Eletrônicos

Já no setor de eletrônicos, o problema maior é a importação, com um custo mais de fretes para trazer certos componentes da Ásia. "Houve redução no número de navios e aviões vindos da China, o que fez com que os fretes subissem bastante, com uma pressão de custos importante", diz Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Segundo ele, muitos fornecedores foram surpreendidos pelo aumento do consumo na retormada da economia e usaram todos os estoques disponíveis. Há agora um reforço na produção para repor estoques e atender ao mercado. "Estamos às vésperas de Black Friday e Natal", diz.

Segundo ele, é improvável que faltem produtos para as compras de final de ano, mas as entregas podem ser atrasadas. "Fazemos produtos e às vezes não tem caixa de papelão para a embalagem", afirma. Os preços desses itens - muito presenteados no Natal - não devem ficar mais caros. Mas, se os valores desses produtos eletrônicos costumam cair naturalmente com o lançamento de versões mais novas, é possível que esses descontos demorem a aparecer. 

Plásticos

A indústria de plásticos também está pressionada pela falta de materiais. "Hoje os fornecedores entregam apenas 75% do que o mercado demanda e as empresas, mesmo com o consumo aquecido, não têm como atender", diz diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), José Ricardo Roriz Coelho. Como a maioria dos produtos usa plástico, de um avião à tampa do shampoo, a indústria desse material é um termômetro do andamento da economia - e a sua falta pode prejudicar uma extensa cadeia de outros segmentos. 

De acordo com o diretor, há poucos fornecedores nacionais de uma resina específica e necessária para a transformação do plástico - e esse material está em falta e mais caro. "Há um risco real de aumento de preços e inflação em diversos produtos", afirma Coelho. 

Construção civil

A demanda aquecida também afeta o mercado da construção civil, que vive um de seus melhores anos em muito tempo. Os custos de materiais e de mão de obra estão subindo e apertando as margens das construtoras. O Índice Nacional do Custo da Construção (INCC), principal indicador do setor, avançou 6,64% no acumulado em 12 meses até outubro. A forte alta do dólar também pesou sobre os custos do aço e do cobre, sem contar o aumento de 20% no preço do cimento.

Para completar o quadro, muitos fabricantes de insumos reduziram a produção nos primeiros meses da pandemia, receosos de ficar com estoques elevados. “As indústrias não estavam preparadas e falta item até para os apartamentos decorados”, diz Abrão Muszkat, fundador da You, Inc., incorporadora voltada para média e média-alta renda em São Paulo. Ele diz esperar que a situação só se normalize no primeiro semestre de 2021.

Autoindústria

No caso da indústria de carros, o problema mostra a fragilidade dos elos da cadeia automotiva no país. Mesmo com a queda drástica das vendas de veículos e o consequente aumento da ociosidade das montadoras em meio à pandemia, o consumidor vem notando a falta de algumas versões de modelos de grande volume no mercado brasileiro.  Os fornecedores estão tendo dificuldade de dar conta dos pedidos já que, com a pandemia, decidiram reduzir - ou até zerar - os estoques de peças diante da falta de horizonte de retomada do mercado. Agora, a dificuldade é retomar a produção na mesma velocidade que antes da pandemia. 

Embora os gargalos sejam momentâneos, o problema deve persistir até o final do ano. De acordo com o Sindipeças, sindicato que reúne os fabricantes de autopeças, neste ano o setor deve perder 26.200 postos de trabalho, totalizando cerca de 228.100 funcionários. A estimativa é de queda de 26,2% do faturamento, para 111,4 bilhões de reais.

A falta de carros no mercado e o atraso na entrega dos novos modelos não afeta apenas os consumidores finais, mas também as locadoras. As empresas de locação de carros já sofrem queda de receita e pode faltar carro para locação no final do ano, período mais movimentado para o setor. “Esse atraso vai afetar a rentabilidade das locadoras neste ano. Se tudo correr bem, o mercado só deve se estabilizar no primeiro trimestre de 2021″, afirma Paulo Miguel, presidente da Abla, em entrevista à EXAME. Segundo o dirigente, os atrasos estão ocorrendo principalmente entre os modelos de maior volume e podem chegar a 170 dias.

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