Conheça a história do KaBuM!, o e-commerce nerd que conquistou o Magalu
Um mês depois do anúncio da aquisição do e-commerce de tecnologia pelo Magazine Luiza, os fundadores do site saem da discrição e contam à EXAME por que não quiseram mais andar sozinhos
Victor Sena
Publicado em 24 de agosto de 2021 às 12h01.
Última atualização em 25 de agosto de 2021 às 10h35.
Há cerca de 20 anos, a internet banda larga tinha acabado de chegar ao Brasil, os celulares eram feitos só para fazer ligações e as pessoas faziam compras em lojas físicas.
Mas o interesse pelos computadores e pela internet crescia, impulsionado principalmente por redes sociais como o Orkut.
Na época, o único grande e-commerce brasileiro era o Submarino, mas a necessidade de peças, jogos e materiais de informática fez outro site de compras surgir para atender a demanda: o Kabum!.
Hoje, ele é um entre diversos e-commerces, mas o público fiel, os bons resultados financeiros e a história de sucesso de pioneirismo levaram o site de nicho a cair na “rede de pescas” do Magazine Luiza . Em julho, a empresa anunciou que comprou 100% da operação do site por 3,5 bilhões de reais.
Assim como o Magalu, o KabuM! nasceu no interior de São Paulo e é uma empresa familiar. Ele foi fundado pelos irmãos Leandro e Thiago Ramos, que agora tornam-se acionistas do Magazine Luiza.
“Temos valores similares, história parecida. Também é uma empresa familiar. Na hora em que a gente viu a oportunidade de vender, a gente viu que continuaria no jogo”, conta Leandro, em entrevista à EXAME.
Os irmãos só toparam conceder a entrevista um mês depois do anúncio que agitou o mercado, quando a poeira já estava mais baixa.
A história do Kabum!, do Leandro e do Thiago na cidade paulista de Limeira cresceu junto com o desenvolvimento da comunidade gamer, nerd e de tecnologia no Brasil.
Isso porque o site foi quem forneceu nos últimos quase 20 anos os jogos, peças e computadores para todo esse público mais especializado no país.
A lojinha de peças do interior
Com 16 anos, Thiago Ramos começou a fazer manutenção de computadores no final dos anos 90. Como tinha dificuldade em encontrar peças para reposição, decidiu abrir uma loja física e desenvolver sua rede de fornecedores. Logo depois, o irmão mais novo começou a trabalhar com ele.
“O Kabum nasceu porque meu irmão era muito mão de vaca. Ele pagava um salário pequeno”, brinca Leandro. “Aí, como também sou programador web, eu mesmo desenvolvi o site para vendermos online. Um dos primeiros pedidos foi a venda dos equipamentos de uma lan house inteira, que eram febre na época. Então decidimos fechar a loja física”.
O ambiente da venda digital no começo dos anos 2000 foi desafiador para os dois. Os clientes precisavam pagar por depósito em conta e eles tiveram que fazer um “trabalho de formiguinha” para convencer as pessoas de que o site era confiável.
No começo, só os dois atendiam os clientes, embalavam as caixas, faziam as encomendas com fornecedores, levavam nos correios.
“Eu e meu irmão entrávamos em fóruns para explicar que o site era seguro. Aí, o cara realmente recebia e voltava no fórum para dizer que a gente era seguro. Isso foi crescendo.Aí começamos a rampar. Na terceira compra, ele já sabia que era confiável. Aí foi a primeira grande curva da nossa história”, conta Thiago Ramos.
Para tentar alavancar o negócio, um dos sonhos era conseguir uma máquina de cartão de crédito. Na época, em 2003, Thiago e Leandro tinham 17 e 20 anos.
“A gente alugou terno, foi até São Paulo, a uma grande financeira de cartões de crédito e nem recebido pelo gerente a gente foi. O mais legal foi que 10 anos depois, na Copa do Mundo de 2014, eu estava no camarote do estádio do Corinthians assistindo a um jogo com o presidente dessa instituição financeira e contei essa história para ele”, lembra Leandro.
Na visão dos irmãos, três pontos foram fundamentais lá no começo do negócio para que ele bombasse: eles focaram nas ofertas à vista com um bom desconto, só vendiam o que realmente tinham em estoque e começaram a oferecer as entregas via Sedex a cobrar.
Com essa modalidade , conseguiram driblar a desconfiança de muitos compradores, porque eles eram avisados de que na unidade dos Correios da sua região havia uma encomenda. Para retirar, bastava pagar o valor da compra.
Quanto a oferecer produtos fora do estoque, o lucro costumava zerar enquanto essa era a prática. Isso porque o preço oscilava com o fornecedor. Além disso, a empresa conseguiu garantir entrega rápida ao acabar com ela.
A aposta no à vista com desconto fez todo o sentido para o público da empresa, que não tinha acesso à crédito, por ser mais jovem. Hoje, a modalidade é de 70% no site. Ela só não é forte nas compras em produtos como celular e televisão.
“O cara que lá atrás comprou no KaBuM! com 18 anos agora tem 36, e hoje ele gasta o dinheiro dele. Não precisa pedir para os pais”, conta Leandro. “Boa parte do nosso público de 2003 ainda é um público hoje.”
Hoje, são 1.400 pessoas na empresa, que tem os escritórios administrativos em Limeira e um centro de operação logística no Espírito Santo, devido ao incentivo fiscal.
A empresa também tem uma unidade nos Estados Unidos, fundada em 2012 para garantir rapidez no acesso a lançamentos internacionais dos produtos.
O namoro com o Magalu
“A gente sempre foi muito abordado. De 2009 em diante o Kabum! começou a ganhar o corpo. Então, nos últimos 10 ou 11 anos sempre teve gente batendo na porta. Nosso foco era a abertura de capital e aí para isso focamos na profissionalização. Montar as diretorias, melhorar a perfomance, deixar a empresa menos dependente de mim e do meu irmão,” conta Leandro Ramos.
A ideia de fazer uma abertura de capital ficou de lado quando os irmãos perceberam que teriam tudo o que ela daria ao aceitarem uma aquisição de uma empresa como o Magazine Luiza, que tem mais de mil lojas e capilaridade.
De acordo com Leandro, a eficiência foi o que o Magalu mais gostou na empresa. Nos 12 meses encerrados em julho, o e-commerce teve receita bruta de 3,4 bilhões de reais e um lucro de 312 milhões de reais. Para evoluir, a aquisição ainda precisa da aprovação do Cade.
Mesmo com a aquisição, os planos da empresa são continuar no interior. Limeira fica a 40 minutos do aeroporto de Viracopos e Leandro Ramos explica que São Paulo não garantiria a qualidade de vida que a região dá para os funcionários.
Na época do anúncio, o presidente do Magazine Luiza, Frederico Trajano, elogiou a rentabilidade da empresa e disse que a ideia era reforçar o ecossistema Magalu como líder do comércio eletrônico no mercado geek e gamer.
Dados da consultoria Accenture mostram que a indústria mundial de games atingirá 300 bilhões de dólares ao final de 2021, receita maior que a dos setores de música e filmes somados.
O KaBuM! é um dos precursores em esportes eletrônicos no Brasil. Criou uma das maiores equipes de League of Legends do país, a KaBuM! Esportes, tetracampeã nacional e a primeira representante brasileira no campeonato mundial. A KaBuM! Esportes apoia também outras modalidades de e-sports, como Counter Strike, FIFA e Free Fire.
Em 2020, com novos hábitos de consumo estimulados pela pandemia, suas vendas cresceram 128% em relação ao ano anterior. Com 2 milhões de clientes ativos, o KaBuM! oferece mais de 20 mil itens de tecnologia de ponta para profissionais e para o universo gamer.
Nos últimos anos, a empresa da família Trajano fez mais de 20 aquisições de empresas. A estratégia é a de formar um ecossistema em que a empresa possa alcançar o consumidor em diversos espaços, marcas e interfaces.
O que esperar da fusão
Para o Kabum!, o principal ganho ao tornar-se parte do grupo é na parte logística e de entrega. As lojas físicas do Magazine Luiza também devem ganhar espaços do KaBuM!, focados em produtos de tecnologia. Esse modelo tem o nome de store in store.
Já no lado do Magalu, Leandro Ramos acredita que o KaBuM! pode contribuir com o know-how sobre como funciona a jornada de compra do consumidor de tecnologia.
Além disso, as formas de controle e os sistemas próprios que foram construídos também chamaram muito a atenção da empresa pela eficiência.
“A gente carrega uma base jovem para o Magalu, com alta recorrência, com produtos de tecnologia. Hoje o Kabum! é de nicho, mas em dez anos vai ser generalista porque todo produto está se tornando produto de tecnologia”, opina Leandro. “O funil no fim do dia vai cair na tecnologia e é isso que a gente leva para eles”, diz.