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Como se testa um cosmético sem crueldade animal? Com pele 3D

Visitamos o laboratório de testes toxicológicos da Natura, que completa 10 anos sem uso de animais


	Testes sem crueldade: camada mais externa da pele humana recriada em condições controladas de laboratório na Natura
 (Divulgação/Natura)

Testes sem crueldade: camada mais externa da pele humana recriada em condições controladas de laboratório na Natura (Divulgação/Natura)

Vanessa Barbosa

Vanessa Barbosa

Publicado em 17 de setembro de 2016 às 07h35.

São Paulo - Imagine que você está preso num equipamento de contenção com as mãos atadas e apenas a cabeça exposta ao ambiente exterior. Seus olhos ardem como se fossem uma bola de fogo, mas não há nada que você possa fazer, nem gritar, nem chorar, nem se debater: você é uma simples cobaia de teste químico. Esta é a realidade cruel a que são submetidos centenas de milhares de animais em todo o mundo diariamente. Mas com pressão popular, avanços legislativos, apoio de empresas e knowhow científico e tecnológico, isso vem mudando.

Atualmente, existem muitos métodos de ensaio em laboratório que podem ser usados ​​no lugar de testes em animais. Em vez de medir quanto tempo leva um produto químico para queimar a córnea do olho de um coelho, os fabricantes podem agora testar esse produto químico em estruturas de tecido 3D semelhantes à córnea produzidos a partir de células humanas. Troca-se, assim, a desumana técnica "in vivo" por outras que não afligem nenhum animal.

No Brasil, a Natura foi uma das primeiras gigantes do setor a extinguir os testes de cosméticos em animais, em 2006. Para comemorar os dez anos desse marco, a empresa abriu seu laboratório de análise toxicológica para jornalistas e EXAME.com foi conferir de perto como são realizados os testes de segurança na fábrica, em Cajamar, São Paulo. Nesse tempo, a empresa investiu em infraestrutura de laboratório, em equipamentos modernos e na contratação de cientistas especializados na área.

"A gente acredita num futuro sem testes em animais", diz Vanessa Rocha, cientista da Natura. "Mas desenvolver novos ingredientes sem testar em animais é um desafio tecnológico muito grande. Nestes últimos 10 anos, nós fizemos 20 parcerias com universidades nacionais e institutos de pesquisa internacionais para encontrar alternativas. Com isso, desenvolvemos 67 metodologias alternativas ao uso de animais para testes de eficácia e segurança de produtos", conta.

A empresa já gerou 20 patentes depositadas para novos ingredientes sem testar em animais. Os métodos modernos de teste incluem exames sofisticados usando células e tecidos humanos (o chamado "in vitro"), técnicas de modelagem de computador avançadas (conhecidas como modelos "in silico"), e estudos com voluntários humanos. Todo esse processo meticuloso para garantir a segurança e eficácia dos produtos pode levar até quatro meses para ser realizado.

Divulgação / Natura

Cientista analisa cultura de células em laboratório na Natura: empresa já gerou 20 patentes para novos ingredientes sem testar em animais.

In silico

O primeiro passo dos testes de toxicologia é o in silico, que consiste em simulações computacionais. Através de uma ferramenta sofisticada que simula a biologia humana e a progressão do desenvolvimento de problemas de saúde, os cientistas da Natura analisam a estrutura química dos ingredientes do novo princípio ativo e simulam seus riscos.

Eles podem prever como os ingredientes do cosmético reagirão no corpo, fazendo estimativas de probabilidade de uma substância ser perigosa, com base na sua semelhança com as substâncias existentes e o conhecimento que se tem sobre a biologia humana. As substâncias químicas também são avaliadas quanto à capacidade de causar efeitos como o aumento de colágeno, fibras elásticas e alergia.

Exame.com

In silico: os cientistas analisam a estrutura química do novo ingrediente e simulam seus riscos usando modelos computacionais. 

In vitro

Depois dos modelos computacionais, os cosméticos seguem para a fase de ensaio biológico, uma das mais curiosas e sofisticadas. Os cientistas avaliam o comportamento dos produtos aplicados em tecidos vivos com o uso de pele e córnea 3D desenvolvidas em laboratório. Leva-se em conta tantos os efeitos positivos da aplicação do produto quanto os negativos.

A pele artificial é obtida a partir do cultivo celular, um conjunto de técnicas que permitem manter células e tecidos in vitro, conservando ao máximo suas propriedades fisiológicas, bioquímicas e genéticas. Esse processo é realizado em laboratório, em condições controladas de temperatura, umidade, oxigênio e gás carbônico.

Divulgação / Natura

Cultivo celular: conjunto de técnicas permite manter células e tecidos in vitro, conservando ao máximo suas propriedades fisiológicas, bioquímicas e genéticas.

As células podem ser isoladas para a cultura in vitro a partir de sangue, fluídos corporais e também de peles de doadores submetidos a procedimentos cirúrgicos. Cultivadas em ambiente ideal e recebendo os sais e substâncias necessários para seu crescimento, as células criadas em laboratório funcionam como unidades independentes similares a microorganismos como bactérias e fungos.

Com esse método, os cientistas conseguem reproduzir as duas camadas de tecido que formam a pele - a epiderme (a mais externa) e a derme (mais interna) - que são então utilizadas para avaliar a toxicidade e a eficácia dos novos ingredientes cosméticos. Para fazer a pele completa, com as duas camadas, leva cerca de 15 dias seguidos de cultura.

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Pele completa 3D: epiderme (parte mais externa) mais a derme (parte mais interna).

Em testes de segurança, eles analisam, por exemplo, se a nova substância pode causar morte celular (citotoxidade), se pode se tornar perigosa ou causar danos à pele na presença de luz solar (fototoxidade) e se ainda pode causar câncer no longo prazo (mutagenicidade).

Com as informações geradas pelos testes in silico e in vitro, os cientistas conseguem calcular a quantidade de ingredientes segura para uso, considerando o público consumidor, tipo de produto e frequência de uso. A última etapa dos testes é a avaliação em pessoas voluntárias. 

Avaliação de risco: cientistas calculam a quantidade de ingredientes segura para uso, considerando o público consumidor, tipo de produto e frequência de uso. (Divulgação/ Natura)

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