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Centro gigantesco da Amazon impacta vila medieval na França

Ativistas entraram com um processo para interromper a construção de um centro de distribuição em região vinícola na França

Amazon: Desde que chegou, no ano 2000, a Amazon se tornou uma das favoritas no país, capturando quase metade dos gastos on-line em 2019 (Pascal Rossignol/Reuters)

Amazon: Desde que chegou, no ano 2000, a Amazon se tornou uma das favoritas no país, capturando quase metade dos gastos on-line em 2019 (Pascal Rossignol/Reuters)

Karin Salomão

Karin Salomão

Publicado em 28 de outubro de 2020 às 12h49.

Última atualização em 28 de outubro de 2020 às 18h02.

Em uma manhã quente de setembro, Claudie Cortellini foi aos vinhedos para examinar as uvas usadas nos vinhos Côtes du Rhône de sua família. Nos últimos anos, ela luta para garantir uma boa colheita à medida que o clima vai ficando mais quente. Mas hoje ela enfrenta um inimigo ainda maior: um gigantesco centro de triagem da Amazon programado para ser construído perto de suas terras.

O projeto, um mastodonte de concreto e aço, promete trazer centenas de empregos ao departamento de Gard, região agrícola no sul da França. Os turistas são atraídos para o campo para ver um marco de beleza monumental: a Pont du Gard, um aqueduto romano de dois mil anos que se ergue acima do vale como uma joia empoeirada.

Para Cortellini e os moradores preocupados, no entanto, os empregos não valem a poluição e o aumento no trânsito que o armazém traria. "Eles dizem que querem contribuir para a economia. Mas, em nome dos empregos, a Amazon fará muitas coisas que são prejudiciais ao ambiente", disse Cortellini em seu vinhedo, o Rouge Garance, apontando na direção do horizonte onde ficará o armazém de mais de 13,7 metros de altura.

A área destinada à Amazon – estrategicamente perto de uma rodovia de seis pistas – se tornou um ponto de discórdia em uma batalha maior entre as crescentes forças políticas ambientais e as autoridades que dizem que a França dificilmente pode se dar ao luxo de perder oportunidades de desenvolvimento econômico, especialmente durante uma recessão historicamente profunda provocada pelo coronavírus.

O Gard, apesar da beleza de cartão-postal, tem uma das maiores taxas de desemprego do país. Para as pessoas desesperadas por trabalho, a razão ambiental para frustrar os planos da Amazon – o fluxo de caminhões de entrega que vai gerar – parece alheia à dura realidade enfrentada pelas famílias da região. Muitas delas se juntaram ao movimento Colete Amarelo, que surgiu para protestar contra a desigualdade de renda depois que o presidente Emmanuel Macron tentou aumentar os impostos para combater as mudanças climáticas.

"Temos pessoas com dificuldades – é nossa responsabilidade encontrar soluções e gerar atividade econômica. Grandes empregadores não costumam bater à nossa porta. Se a Amazon não vier, eles irão para outro lugar", declarou Thierry Boudinaud, prefeito de Fournès, vila medieval de 1.100 habitantes onde o centro de triagem seria construído.

Um porta-voz da Amazon se recusou a comentar o projeto de Fournès, que está sendo liderado por uma desenvolvedora francesa de armazéns, a Argan. A Amazon, porém, promove amplamente sua consciência ambiental e sua promessa de zerar suas emissões líquidas de carbono até 2040, a ponto de comprar o direito de nomear uma arena de hóquei em sua cidade natal – Seattle, no estado de Washington – e chamá-la de Climate Pledge Arena.

Enquanto isso, em sua busca por expansão internacional, a gigante on-line americana quer ampliar sua presença na França. Desde que chegou, no ano 2000, a Amazon se tornou uma das favoritas no país, capturando quase metade dos gastos on-line em 2019.

A empresa aprofundou seu controle em todo o mundo à medida que os consumidores em quarentena intensificaram as compras na internet, relatando US$ 88,9 bilhões em vendas globais no segundo trimestre, um aumento de 40 por cento em relação ao ano anterior.

A Amazon opera nove armazéns e centros de triagem na França, pelo menos cinco deles em regiões mais pobres com alto desemprego. Empregam 9.300 trabalhadores em tempo integral, e a empresa está supostamente procurando pelo menos dobrar o número de instalações. O centro de triagem perto de Fournès não seria dos maiores, de acordo com a proposta da Argan, mas aumentaria drasticamente o tráfego local, com mais de 1.400 vans de entrega e caminhões transitando diariamente.

Os empregos são prioridade máxima no Gard, que foi devastado na década de 1980 quando as minas de carvão do departamento fecharam. Acabou se reinventando como destino vinícola e turístico, mas o desemprego é de 9,8 por cento, acima dos 7,1 por cento nacionais. No ano passado, duas fábricas próximas de Fournès fecharam, deixando mais de 200 pessoas sem trabalho. Nas proximidades de Nîmes e Avignon, o desemprego em alguns bairros supera os 25 por cento.

Cerca de 240 funcionários em tempo integral preparariam os pacotes da Amazon no armazém altamente automatizado, com mais trabalhadores em tempo parcial contratados na época das festas, de acordo com Boudinaud. O local fica perto de fazendas e vinhedos, e de uma série de armazéns administrados por empresas francesas – mas nenhum deles gera o uso pesado da estrada que se espera da Amazon.

A ameaça ecológica uniu os ambientalistas. Candidatos do Partido Verde ganharam as eleições recentes nas principais cidades francesas, uma vez que os eleitores estão prestando mais atenção às mudanças climáticas. Alguns querem uma moratória na construção de mais armazéns no estilo dos da Amazon na França.

"A população da França sabe o que é a Amazon. São armazéns monstruosos que poluem. A empresa joga as pessoas umas contra as outras em regiões com alto desemprego e cria postos de trabalho de baixa remuneração, além de destruir pequenos negócios com concorrência barata", disse Patrick Fertil, porta-voz da Adere, um grupo local que tenta incentivar empregos em harmonia com o meio ambiente.

Desde que a Argan começou seus trabalhos, mais de 27 mil pessoas assinaram uma petição on-line contra o projeto. Ativistas entraram com um processo para interromper a construção, alegando que as autoridades locais se beneficiariam da venda do imóvel. A construção está suspensa até que um tribunal em Nîmes considere o caso. A Argan não quis comentar.

"A população da França sabe o que é a Amazon. São armazéns monstruosos que poluem", diz ativista de grupo pelo meio ambiente.

Patrick Genay, apicultor com 300 colmeias na área, está entre aqueles que buscam anular o projeto de vez. O armazém destruiria a biodiversidade de que suas abelhas precisam e arriscaria poluir o Rio Gard com hidrocarbonetos, segundo ele. As emissões de veículos da rodovia já estão contribuindo para um declínio na população de abelhas. "Precisamos de plantas e árvores", afirmou Genay em meio a uma fileira de colmeias enquanto nuvens de abelhas zumbiam ao seu redor. "Sabemos o tipo de mundo que Jeff Bezos quer", acrescentou, referindo-se ao fundador e executivo-chefe da Amazon. "Mas, quando se pavimenta tudo, temos um desastre ambiental."

Em comunicado, a Amazon declarou que a preservação do meio ambiente era "um valor central", e que incorporou tecnologia de eficiência energética em seus mais recentes centros de atendimento na França. A empresa citou um estudo independente que mostra que as compras on-line reduziram a poluição do ar urbano ao evitar as viagens de carro às lojas. Depois que os funcionários falaram sobre o papel da Amazon nas mudanças climáticas, Bezos prometeu US$ 10 bilhões em fevereiro para enfrentar a crise. "Ao contrário da sabedoria convencional, o e-commerce é inerentemente a maneira mais sustentável de fazer compras", disse a Amazon.

Para Cortellini e outros ativistas, no entanto, a presença da Amazon criaria um enorme incômodo em uma região que tem procurado preservar seu caráter. Sua pitoresca vila com casas de pedra, Saint-Hilaire-d'Ozilhan, mantém a antiga tradição de levar as crianças para a escola em charretes puxadas a cavalo.

Tais argumentos não importam para pessoas como Ali Meftah, que vive a meia hora de distância em um subúrbio pobre de Nîmes, onde o desemprego é grande. Ele e a maioria de seus jovens vizinhos, muitos deles árabes franceses, normalmente têm acesso apenas a empregos temporários e de baixa remuneração. Isso inclui colher uvas na época da colheita em vinhedos ao redor do Gard.

"Sim, o meio ambiente é importante – também estamos preocupados com as mudanças climáticas. Porém nossa maior preocupação é o trabalho. A Amazon significaria mais de 150 empregos. São 150 famílias que poderiam colocar comida na mesa e ter uma vida estável", afirmou Meftah em seu bairro de baixa renda, com muitos prédios de apartamento.

"Sim, o meio ambiente é importante – também estamos preocupados com as mudanças climáticas. Porém nossa maior preocupação é o trabalho", diz morador da região.

Fertil e outros ativistas reconhecem a necessidade de empregos – mas não do tipo que a Amazon traria. "Em vez de criar 150 empregos que vão desaparecer com a automação, por que não criar 50 pequenas empresas com empregos sustentáveis? A luta contra a Amazon aqui simboliza uma questão muito maior: que tipo de sociedade teremos? Se for dominada por um monopólio que usa as pessoas, ameaça o meio ambiente e só se preocupa com o consumismo, esse é um mundo que não queremos", concluiu Fertil.

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