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Sob o capô do recall da Toyota: ´uma tremenda expansão de complexidade`

O professor de economia da Universidade de Tóquio, Takahiro Fujimoto, fala sobre o que provocou a crise da montadora

O recall da Toyota devido ao problema no acelerador dos carros provocou grande impacto negativo sobre sua imagem (Getty Images)

O recall da Toyota devido ao problema no acelerador dos carros provocou grande impacto negativo sobre sua imagem (Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 20 de outubro de 2010 às 19h07.

Na esteira das reclamações a cerca dos problemas nos pedais de aceleração que geraram o recall de milhões de carros da Toyota nos meses recentes, a montadora enfrentou inúmeras criticas, desde o design de seus carros à omissão dos executivos em admitir e tratar o problema com firmeza. Talvez mais prejudicial tenha sido o impacto que isso causou para a reputação geral da Toyota como uma montadora que se destaca pela qualidade. John Paul MacDuffie, professor de administração da Wharton, conversou recentemente com Takahiro Fujimoto - professor de economia da Universidade de Tóquio e autoridade líder no sistema de produção e no desenvolvimento de produto automotivo da Toyota - para saber sua opinião sobre o que causou a crise, como a Toyota tratou dela, e como outras montadoras devem reagir diante da situação difícil da Toyota.

Uma transcrição editada da conversa segue abaixo:

John Paul MacDuffie: Eu sou John Paul MacDuffie, do Departamento de Administração da Wharton. Estamos aqui hoje com o professor Takahiro Fujimoto da Universidade de Tóquio, talvez a maior autoridade mundial em sistema de produção da Toyota Ele é também meu colega no Programa Internacional de Veículos Motorizados, um consórcio internacional de pesquisadores que oferece pesquisa informativa do setor. Taka, bem vindo às Wharton.

Takahiro Fujimoto: Obrigado

MacDuffie: Você estuda a Toyota e seu sistema de produção há muito tempo. Você pode nos dizer o que o surpreendeu na crise causada por esse recall, e se houve alguma coisa que não surpreendeu você.

Fujimoto: Fiquei surpreso em ver que a Toyota foi a primeira a ser pega nessa armadilha do que podemos chamar de problemas de complexidade. A sociedade e o mercado estão fazendo exigências cada vez mais rigorosas sobre todos os carros e veículos no mundo. Então isso pode acontecer com qualquer montadora. Mas me surpreendi um pouco que tenha acontecido primeiro para a Toyota, porque os executivos da Toyota haviam emitido um alerta a respeito de se encontrarem numa situação difícil em função da complexidade. Então eles sabiam que isso poderia acontecer com qualquer montadora.

MacDuffie: A Toyota sempre foi uma das melhores empresas na área de gestão da complexidade, certo?

Fujimoto: Certo. Então eles estavam um pouco confiantes demais de que podiam cuidar desses tipos de complexidade melhor do que outras montadoras Ironicamente, em conseqüência disso eles provavelmente aceitaram administrar um volume excessivo de complexidade, que estava além da capacidade deles.

MacDuffie: Eu sei que uma das principais explicações da Toyota para esses problemas é que a empresa cresceu rápido demais na década passada. Quando se pensa em tudo que se aprendeu, isso parece para você uma causa básica do problema: Ou há outros fatores também?

* Publicado originalmente em 31 de março de 2010.  Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


Fujimoto: É verdade que a Toyota estava crescendo em ritmo muito acelerado. Mas outras montadoras, como a Hyundai, cresciam ainda mais rápido do que a Toyota. Então o crescimento em si não foi a única causa. O crescimento multiplicado por outros fatores foi provavelmente a causa verdadeira dos problemas - outros fatores como o número de linhas de produção, as fábricas, o número de modelos vendidos no mercado global e a crescente complexidade de cada unidade de veículo devido à pressão social e à demanda do mercado. Todos esses fatores multiplicados juntos criaram expansão explosiva na carga de trabalho para tratar os problemas relacionados á qualidade. Embora a Toyota tenha geralmente a capacidade para cuidar desses tipos de problemas, mesmo ela não conseguiu administrar essa tremenda expansão de complexidade.

MacDuffie: Eu sei que na Toyota há um lema que diz que problemas são tesouros porque oferecem uma oportunidade para melhorar. Por essa filosofia, ocultar um problema seria a pior coisa. Quando se examina como a Toyota conduziu a crise, você vê os executivos correspondendo a essa filosofia de revelar os problemas e se concentrar neles para resolvê-los?

Fujimoto: Sim, do meu conhecimento eles não estão tentando ocultar os problemas. Mas quando um problema muito complexo ocorreu, eles não sabiam ao certo até que ponto essa era uma responsabilidade para a empresa, e até onde outras partes eram responsáveis. Então a atitude deles era, "Espere um instante. Isso é complicado". Eles tinham certeza de não serem a única parte responsável por esse problema.

Mas é também óbvio que a Toyota foi ao menos em parte responsável por muitos dos problemas que foram surgindo um após o outro. Provavelmente o que eles deveriam ter feito era lidar com isso o mais rápido possível - como enviar um executivo do nível sênior para a América o mais rápido possível e depois pedir desculpas por qualquer coisa que sentiam ser de sua responsabilidade. Então uma desculpa parcial, porém completa, e uma desculpa definitivamente rápida, era o que eles tinham que fazer. Mas eles provavelmente hesitaram em vir para os Estados Unidos porque não tinham certeza até onde eram responsáveis por esses problemas. Então as pessoas viram isso como, "A Toyota está fugindo da responsabilidade por esse problema". Não era essa a intenção da Toyota - mas o modo como conduziram o problema inicial foi muito ruim.

MacDuffie: Sim, a montadora tem mais controle e mais acesso às informações para resolver um problema que aparece na fábrica, mesmo se for complicado. Mas quando um cliente diz algo para um revendedor, é mais ambíguo. Parece que a Toyota teve dificuldade para tomar esse tipo de informação e reconhecer um problema que definitivamente necessitava de foco e atenção.

Fujimoto: Certo. Creio que isso pode ocorrer para qualquer montadora empresa que tenha confiança no setor de qualidade. Isso ocorreu para outras montadoras no passado, também. Quando se tem muita confiança na qualidade, isso passa a ser uma fonte de arrogância.

* Publicado originalmente em 31 de março de 2010.  Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


Nos anos 90, vi alguns amigos reclamando do modo como a Toyota tratava as pessoas quando havia um problema. Elas vão para as revendedoras e depois o revendedor passava as informações para a Toyota sobre esses problemas. Mas os clientes recebiam da montadora uma resposta que dizia, "O produto deve ser bom. Temos confiança na qualidade dos produtos. Então logicamente o problema deve estar no seu modo de dirigir". Isso deixava muitas pessoas zangadas. Eu observei que esses tipos de respostas estavam ocorrendo primeiro esporadicamente, mas então com mais frequência. Eu sempre adverti que essa arrogância era a inimiga numero um da filosofia da Toyota. Mas eles só levaram isso a sério quando surgirem os grandes problemas. E foi realmente triste ver isso.

MacDuffie: O que ocorreu prejudicou nitidamente a marca e a reputação da Toyota. Você tem conselhos ou recomendações a dar para o presidente da Toyota, Akio Toyoda, sobre qual seria a melhor maneira de ajudar a restaurar essa reputação?

Fujimoto: Ironicamente essa é realmente uma corrida de longo prazo, como uma corrida de obstáculos, de tratar as crescentes complexidades que não podemos evitar. A Toyota foi uma das primeiras a fabricar produtos bastante complexos, como carros híbridos e de luxo, em grandes volumes e depois aumentando o volume. Eles estavam se encarregando de todos os tipos de complexidades, e eram os primeiros a trabalhar essa complexidade. Eles se encarregaram de complexidade demais e tropeçaram. Mas essa é uma corrida da qual não se pode recuar porque há clientes esperando. Então a Toyota terá de se levantar e seguir em frente. Não há desculpa para eles, e não há espaço para recuar.

Eles têm de continuar desenvolvendo as instalações industriais. Essa é a única solução no longo prazo. No curto prazo, têm de convencer as pessoas de que, mesmo tendo cometido um grande erro dessa vez, vão voltar no tempo para encontrar a causa básica e fazer o Estilo Toyota de encontrar e resolver problemas. Mais tarde, eles terão de voltar para certificar que todos estão convencidos de que isso não acontecerá novamente.

MacDuffie: Parece como "voltar ao básico".

Fujimoto: Voltar ao básico.

MacDuffie: Então você não recomenda nenhuma mudança no Estilo Toyota ou no Sistema de Produção da Toyota?

Fujimoto: Certo.

MacDuffie: Mas recomenda que se volte ao básico para desenvolver capacidade para administrar as novas necessidades.

Fujimoto: Certo. Creio que o Sistema de Produção da Toyota ou o Estilo Toyota como uma filosofia é ainda um bom caminho para tratar as necessidades dos clientes de modo rápido e acurado. Mas a alta administração em particular desviou-se do Estilo Toyota. Não estou falando do pessoal da área de produção, porque visito regularmente os locais de produção, quase a cada semana. Não há sinais de menos competência da parte deles. Temos de entender que, até agora, todos os problemas que surgiram dos recalls da Toyota são problemas de qualidade do design e não problemas de qualidade de fabricação.

* Publicado originalmente em 31 de março de 2010.  Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


MacDuffie: Sim, essa é uma distinção importante.

Fujimoto: É claro que é verdade que os locais de produção apresentam problemas. Eu visito e vejo muitos problemas lá. Mas esses problemas de produção... E os problemas de qualidade que vemos agora no noticiário não estão diretamente conectados. Nesse tipo de situação, as pessoas encontram todos os tipos de más notícias sobre a Toyota, e naturalmente essa é uma grande montadora, então se pode facilmente encontrar 10, 20 artigos de más notícias.

O perigo é que as pessoas liguem os dois problemas. "Aconteceu isso e aquilo, então deve haver relações entre as duas". Mas esse não é o caso. Parece não haver ligação entre os problemas de design e o sistema de produção da Toyota ou o Estilo Toyota.

Eu provavelmente diria que os diretores de nível médio, particularmente nas sedes, começaram a se desviar do Estilo Toyota sendo arrogantes, excessivamente confiantes, e por terem começado a não dar ouvidos para os problemas levantados pelos clientes. A Toyota é uma empresa que se dedica a encontrar e resolver problemas. Mas em algumas partes das sedes, alguém começou a dizer, "Esse é nosso problema. Eu sou responsável por encontrar meus problemas e resolvê-los. Não cabe a vocês de fora da Toyota encontrar nossos problemas".

Às vezes eu critico a Toyota. Mas eles ficam zangados. Eles sempre dizem, "Nós queremos encontrar nossos problemas. Então, por favor, nos dê pistas sobre os problemas que você detecta". Mas se eu na verdade digo que esse é um problema para você resolver, eles respondem, "Isso não é da sua conta. Nós temos de encontrar o problema. Não você". Essa atitude cresceu certo tempo, creio, em algumas partes das sedes. Isso era muito perigoso. Esse é um bom momento para corrigir esse tipo de atitude e voltar para o básico do sistema Toyota.

MacDuffie: Você mencionou a complexidade anteriormente e falou sobre as necessidades da sociedade e também das do mercado. Eu sei que conversamos antes sobre como um carro é um objeto caro, pesado e que se movimenta velozmente no espaço público, e é por isso que uma montadora tem de enfrentar todas essas necessidades. Você poderia falar mais sobre esse tema, desenvolver esse tema da complexidade? .

Fujimoto: Certo. Eu não digo que um carro seja um produto especial. Um carro é um produto bem diferente do PC, por exemplo, ou de um produto da internet e de outros produtos digitais por ser pesado e perigoso e se mover com velocidade como você disse. É por esse motivo que a sociedade é muito rigorosa quando se trata desses produtos, porque eles nasceram com pecado original.... Por causa dos carros, as pessoas são mortas e então o ar é poluído e faz barulho e o petróleo é consumido intensamente. Então há muitos fatores negativos relacionados ao carro. Mas há muitos elementos positivos também. É por isso que vemos 700 milhões de carros na Terra. Então temos de resolver todos os tipos de problemas. E as montadoras não podem parar de inovar. Elas não podem se dar ao luxo de parar as inovações. Em função da pressão social e das restrições - tais como dos regulamentos e das necessidades dos clientes cada vez mais elevadas - a complexidade cresce na mesma proporção. O que era bom há dez anos não é bom hoje. Por exemplo, algumas das coisas que são parte do problema da Toyota agora não eram grandes problemas há 20 anos. Então os clientes e a sociedade estão cada vez mais exigentes com relação aos carros.

MacDuffie: E isso cria tremendas exigências para os designers, não é mesmo?

* Publicado originalmente em 31 de março de 2010.  Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


Fujimoto: É um pesadelo para os designers. Eles têm de levar em conta todas essas restrições. É como solucionar equações gigantes ao mesmo tempo envolvendo estruturas e funções. Por exemplo, com o recall do Prius, o problema surgiu porque a Toyota tentou aprimorar a eficiência no uso do combustível, a segurança e o nível de ruído ao mesmo tempo por meio de uma boa combinação de frenagens regenerativas muito poderosas, além do sistema de freios antitravamento e do sistema de freios hidráulicos.

Mas o relacionamento entre os três tipos de freios mudou com o novo projeto, e então os motoristas tiveram uma experiência desagradável quando havia troca entre os diferentes tipos de freio... A Toyota não entendeu esse problema da maneira certa, pelo menos no início.

MacDuffie: Se todas essas coisas estão acontecendo para a Toyota, você diria que podemos esperar problemas similares em outras montadoras? Todas as montadoras deverão enfrentar esses desafios?

Fujimoto: Há fatores específicos na Toyota como a arrogância... Mas ninguém está livre do problema da complexidade. Todas as montadoras participam da mesma corrida. Por ironia, a Toyota estava na frente quando tropeçou. Ocorreu uma grande falha nessa área. Mas estamos todos na mesma corrida. Então as montadoras inteligentes, em vez de rir da Toyota, dizem, "Esse pode ser nosso problema também". Alguns CEO começaram a dizer, "Verifique todos os tipos de problemas latentes de qualidade porque isso pode acontecer para nossa montadora". E essa é uma resposta muito saudável.

MacDuffie: Eu suponho que se a Toyota tem competência para se recuperar dessa crise - essa é a visão otimista - então talvez tenha certa vantagem em lidar com essas questões antes das outras montadoras, se as outras montadoras não progredirem.

Fujimoto: Certo.

MacDuffie: Você poderia dizer quais das concorrentes da Toyota podem se beneficiar dessa situação de recall?

Fujimoto: As montadoras que são realmente direcionadas para a qualidade. Nesse tipo de situação, quando um líder da corrida tropeça, as pessoas costumam dizer que essa é uma grande oportunidade para se ganhar participação de mercado de uma forma fácil. Isso é muito perigoso. Essa empresa pode ser a próxima vítima. Então elas devem dizer que esse é o tempo em que a qualidade é muito importante, e em particular, a segurança vem em primeiro lugar. E a complexidade vem crescendo. Então temos de ser muito cuidadosos para não desagradar os clientes. Se elas se concentrarem nas áreas de qualidade e segurança, e deixarem os clientes felizes, então a montadora vai crescer e ganhar participação de mercado. As montadoras que seguirem esse tipo de filosofia serão as vencedoras.

MacDuffie: Eu sei que seria uma avaliação radical a esse ponto, mas você vê as montadoras americanas em posição para fazer bem isso? Essa é uma oportunidade para elas.

Fujimoto: Certo. Se elas virem isso como uma oportunidade de marketing em curto prazo, é muito perigoso. Mas se virem isso como uma grande oportunidade para examinar a qualidade de seus próprios carros - melhorar a qualidade de design e a qualidade de produção ao mesmo tempo - e deixar mais clientes felizes, há uma grande chance para elas.

MacDuffie: Obrigado pela sua presença.

Fujimoto: Obrigado.

* Publicado originalmente em 31 de março de 2010.  Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.

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