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Brasil vira centro estratégico de engenharia para montadoras

Matrizes de Volks, GM, Fiat e Ford descentralizam desenvolvimento de veículos e trazem projetos ao país

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h39.

A engenharia brasileira se prepara para pegar embalo em um movimento mundial das montadoras. Atrás de operações mais baratas e uma "regionalização" de seus veículos, matrizes de gigantes da indústria automobilística começam a desconcentrar a criação de produtos, aproveitando a qualidade e o custo de suas subsidiárias. As filiais brasileiras entraram na corrida para conquistar a maior fatia dessa distribuição de projetos, e algumas já começam a colher os primeiros resultados.

Na General Motors do Brasil (GM), a disputa ganhou recentemente prêmio e data. O presidente da operação brasileira da montadora, Ray Young, anunciou que o Brasil está concorrendo a dois projetos mundiais que serão produzidos entre 2009 e 2010. Se vencer, a GM do Brasil poderá receber 1 bilhão de dólares para criar os veículos a partir do papel. "A gente vem se preparando para esse desafio", diz Luiz Carlos Peres, diretor de engenharia para América Latina, África e Oriente Médio. Esta não seria a primeira vez que os engenheiros brasileiros ganham crédito da matriz da montadora, que teve prejuízo de 2 bilhões de dólares em 2006 e amargou a perda do título de maior do mundo para a Toyota no primeiro trimestre de 2007. Desde o ano passado, a filial instalada aqui é a responsável pela concepção da base dos novos modelos de picapes médias que serão produzidas pela GM em todo o mundo. Na Ford brasileira, os engenheiros preparam um novo veículo para os mercados interno e externo, com lançamento previsto para 2008. "Vamos ter um produto competitivo desenvolvido no Brasil, com custos mais baixos do que nos Estados Unidos ou na Europa", diz Diógenes de Oliveira, gerente de motores da montadora. Tanto na GM quanto na Ford, a explicação para a oportunidade de desenvolver no Brasil veículos que rodarão pelo mundo está na descentralização da engenharia que as matrizes vêm implementando. "A GM quer reduzir custos, e o Brasil tem capacidade técnica e custo", afirma Peres. "A Ford quer grupos de engenheiros localizados em pontos estratégicos para entender o que os consumidores querem", diz Oliveira.

Interessada nos custos e na importância geográfica brasileira dentro da América Latina, a Iveco, braço de caminhões e ônibus da Fiat, decidiu instalar, em março, um centro de desenvolvimento em Minas Gerais, ao custo de 30 milhões de reais. A empresa já contava com uma área de engenharia na Argentina, mas sentia falta de uma base num mercado tão representativo para o setor. "Somos o melhor laboratório latino-americano para carros", afirma Renato Mastrobuono, que vai comandar a nova equipe de 35 engenheiros e técnicos. A iniciativa começa ainda tímida no primeiro semestre de 2007, integrada à unidade argentina e inicialmente responsável pelo projeto dos veículos destinados a América do Sul. Mas o objetivo é ganhar cada vez mais espaço em projetos mundiais. "Uma vez que esse centro esteja maduro, a idéia é vender nosso trabalho para produtos de outros mercados", diz o executivo.

As conquistas recentes dentro da indústria automotiva são prova de que os engenheiros brasileiros, preparados durante os anos 90 para desenvolver carros localmente - por causa do fechamento do mercado brasileiro -, podem pegar carona agora na globalização de projetos, segundo Letícia Costa, presidente da consultoria Booz Allen Hamilton. "Há uma tendência de diferenciação entre veículos para mercados emergentes e desenvolvidos, o que oferece uma oportunidade para a engenharia brasileira", diz a analista. Seguindo essa linha, o Brasil deve assumir papéis estratégicos dentro das montadoras, como o já conquistado dentro da GM, na qual trabalham 1.200 engenheiros - são 9 mil nos Estados Unidos e 7 mil na Europa. Na Volkswagen, o nicho a que a engenharia deve se dedicar é o dos carros pequenos e de baixo custo. "Temos uma especialização e uma experiência nesse segmento, caminhamos para cuidar desses projetos", diz João Alvarez, gerente-executivo de engenharia da montadora. Espaço nas operações mundiais da Volks é algo que a filial brasileira tem conseguido, mesmo quando não previsto. Responsáveis pela pioneira e brasileiríssima Brasília, da década de 70, os engenheiros brasileiros conceberam o Gol e o Fox, que, criados inicialmente para o mercado regional, acabaram cruzando fronteiras mais distantes. O Gol, lançado nos anos 80, está agora em 50 países, enquanto o Fox, desenhado no fim dos anos 90, chegou a América Latina, África e Europa.

Custos e qualidade

Conquistar uma atenção maior das matrizes é questão de tempo, na visão dos engenheiros. Para Evandro Maciel, diretor da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil), os últimos cinco anos já garantiram uma extrema valorização do trabalho nacional. "Por dois motivos: a mão-de-obra é excelente e mais barata do que a de europeus e americanos", diz. Na Iveco, a questão do custo foi crucial para a instalação do centro de desenvolvimento no Brasil. "Em relação à Europa, nosso engenheiro custa pelo menos a metade, por conta do padrão de salário brasileiro. Além disso, o brasileiro trabalha 40 horas por semana mais uns 30% de hora extra, contra 32, 35 horas do europeu", diz Mastrobuono. Além de ser reconhecido como mais barato, o engenheiro brasileiro já é visto nas montadoras como competitivo em qualidade, continua o executivo da Iveco. "Passamos aquela fase antiga de fazer carroças made in Brazil ".

Mostrar-se qualificado para desenhar um carro destinado a qualquer mercado consumidor será essencial na disputa que já se desenha contra outros centros emergentes de engenharia: China e Índia. "Dentro de cinco a dez anos, vamos entrar em um cenário de extrema competição", diz Maciel, da SAE. "Eles estão vindo muito rápido, é um panorama bastante ameaçador". Há quem se apresente menos temeroso, como Letícia Costa, da Booz Allen: "As vantagens de custo nessa área não são tão claras, mas a engenharia brasileira é mais capacitada do que a indiana e a chinesa". As montadoras, por sua vez, tentam acalmar os ânimos. "Nós temos expertise em determinados veículos, os engenheiros deles podem ter em outros. Haverá lugar para todos", afirma Alvarez, da Volkswagen.

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