Após quatro décadas a Globo deixará de exibir corridas de Fórmula 1. (Gonzalo Fuentes/Foto de Arquivo/Reuters)
Lucas Amorim
Publicado em 25 de junho de 2019 às 17h30.
Última atualização em 25 de junho de 2019 às 17h58.
O presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria, estão numa disputa ferrenha por um negócio que já viu dias melhores: a Fórmula 1.
Na tarde desta terça-feira o governador paulista e o prefeito da capital, Bruno Covas, se reuniram com representantes da competição automobilística para discutir a renovação do contrato com São Paulo. Ontem, Bolsonaro afirmou, ao lado do governador do Rio, Wilson Witzel, que as chances da etapa brasileira da Fórmula 1 ir para o Rio de Janeiro são de 99%.
A disputa tem contornos que vão além do esporte e das finanças, já que reúnem possíveis adversários na disputa presidencial de 2022. O próprio Bolsonaro trouxe esta faceta à tona ao dizer que, se quer ser de fato candidato em 2022, Doria deveria pensar mais no Brasil e apoiar o projeto do Rio de Janeiro. “Melhor ficar no Rio do que não ficar em lugar nenhum”, afirmou.
Política à parte, receber a Fórmula 1 é um bom negócio?
Para quem já tem um autódromo, sim. São Paulo quer manter a Fórmula 1 pois o evento gerou movimentou em 2018 mais de 330 milhões reais em atividades turísticas. A prova é realizada no autódromo de Interlagos desde 1990. Ainda assim, custa dinheiro: a manutenção anual do complexo custa 55 milhões de reais à prefeitura paulistana.
Uma saída para manter os ganhos e reduzir os custos é a privatização, uma das promessas de campanha do então candidato a prefeito João Doria. Após muitos atrasos, a privatização foi descartada — em maio, a Câmara Municipal autorizou a concessão à iniciativa privada.
Um dos grandes desafios para a viabilidade econômica é o autódromo poder ser usado para além dos grandes prêmios. “Um autódromo é caríssimo e tem mais limitações de uso do que arenas construídas para Copa e Olimpíadas”, diz Amir Somoggi, sócio da consultoria de marketing esportivo SportsValue.
Não custa lembrar que o Rio ainda tenta dar destinação adequada a elefantes brancos construídos para as Olimpíadas de 2016. Nem o estádio do Maracanã, o mais famoso do Brasil, é rentável para a iniciativa privada.
O Rio de Janeiro tem um projeto de 700 milhões de reais para construir um autódromo em Deodoro, a mais de 30 quilômetros da Zona Sul, numa localização que pode dificultar a atração de eventos para além do grande prêmio.
Segundo Bolsonaro, a pista não terá financiamento público. Na prática, as coisas podem ser mais complicadas. Em 2012, o Exército cedeu um terreno de 2 milhões de metros quadrados em Deodoro para receber a nova pista, onde Ministério do Esporte já investiu 60 milhões de reais para descontaminar o espaço, de onde foram retiradas 4 mil granadas.
Quem bancará o projeto? O prefeito do Rio, Marcelo Crivella, abriu uma concorrência para desenhar um novo autódromo. Em um ano, nenhum interessado apareceu. Até que, em junho de 2018, o Consórcio Rio Motorsports, pintou como único interessado ao entregar um projeto elaborado pelo arquiteto alemão Hermann Tilke. Tilke tem se especializado em desenhar projetos nababescos em países com bolso fundo, como em Abu Dabi, Sochi (Rússia) e Bahrein.
O Tribunal de Contas do Município (TCM) solicitou mais de cem correções ao texto inicial apresentado pela prefeitura. O Ministério Público entrou com um pedido para suspender o edital por dúvidas em relação à licença ambiental do projeto.
As corridas na berlinda
A própria Fórmula 1 vive momentos de questionamento. Durante décadas, a categoria foi bancada principalmente com o patrocínio de grandes empresas de tabaco (quem não se lembra das McLaren de Senna estampadas com Marlboro?). Segundo reportagem do jornal The New York Times a indústria do tabaco investia 350 milhões de dólares por ano na Fórmula 1 na virada do século. Mas em 2006 a categoria proibiu o anúncio de cigarro.
De 2012 para 2015, último ano com dados disponíveis, o faturamento das dez equipes caiu de 750 para 200 milhões de dólares por ano. Montadoras tradicionais, como Honda e Toyota, saíram. Agora, a categoria está sendo pressionada para proibir anúncios de álcool, fast-food e comidas industrializadas, o que seria um novo golpe para as receitas.
Pressionada a embarcar de vez no século 21, a categoria vem sendo criticada até por exibir beldades nos boxes das equipes. Tudo isso tem levado a uma reengenharia forçada.
Em 2016, a Fórmula 1 foi comprada do polêmico bilionário inglês Bernie Ecclestone pelo grupo americano Liberty Media, por 8 bilhões de dólares. O Liberty é controlado pelo bilionário da TV a Cabo John Malone, e tem direcionado seus investimentos a mercados emergentes, sobretudo na Ásia. Vietnã receberá o primeiro GP em 2020.
Um desafio é recuperar a relevância, investindo no digital. Entre 2008 e 2016 a audiência caiu de 600 milhões de pessoas para 360 milhões. Para essa missão Malone nomeou Chase Carey, ex-presidente da 21st Century Fox.
Carey é o executivo que se encontrou com Bolsonaro nesta segunda-feira, em Brasília, e com Doria nesta terça-feira, em São Paulo. Bolsonaro afirmou que há 99% de chance de o Grande Prêmio de Fórmula 1 do Brasil ser sediado no Rio a partir de 2021. Carey não quis se comprometer.
Em entrevista após o encontro, Doria afirmou que a decisão será tomada com base em análises econômicas. E criticou o terreno escolhido pelo Rio: “só de cavalo se chega a Deodoro”.
A disputa por um negócio que já viu dias melhores continua a mil por hora.