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Betaball, o Moneyball do basquete – ou quase isso

Livro conta em detalhes a trajetória do time que passou do limbo ao título da NBA após ser comprado por figurões do Vale do Silício

STEPHEN CURRY, DO GOLDEN STATE WARRIORS: sistema de captura de informações de posicionamento dos jogadores foi fundamental para sucesso do time (Thearon W. Henderson/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 24 de fevereiro de 2018 às 11h58.

Última atualização em 26 de fevereiro de 2018 às 10h41.

Betaball: How Silicon Valley and Science Built One of the Greatest Basketball Teams in History (Betaball: Como o Vale do Silício e a Ciência Forjaram um dos Maiores Times de Basquete da História)

Autor: Erik Malinowski

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Editora: Atria books

400 páginas

Preço: US$ 15,39; e-book: US$13,98

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Na virada do século, a literatura esportiva viu nascer um clássico: Moneyball: The Art of Winning an Unfair Game, de Michael Lewis ( Moneyball: O Homem que Mudou o Jogo, editora Intrinseca ). Lançado em 2003 nos Estados Unidos, o livro narra a saga de Billy Beane, ex-jogador de beisebol e manager do Oakland Athletics, que, com a ajuda do jovem economista Paul DePodesta, transformou a equipe em potência na liga americana com uma estratégia de contratações, dispensas e decisões de jogo baseada em estatísticas avançadas. O livro fez tanto sucesso que Hollywood o adaptou para o cinema em 2011, com Brad Pitt no papel principal.

O livro e o filme contribuíram para despertar ainda mais o interesse de torcedores, profissionais do esporte e imprensa especializada por conhecer, discutir e aplicar métodos científicos e tecnológicos capazes de turbinar a performance em quadras e campos profissionais mundo afora.

É nesse contexto que surge Betaball: How Silicon Valley and Science Built One of the Greatest Basketball Teams in History (em tradução livre, Betaball: Como o Vale do Silício e a Ciência Forjaram um dos Maiores Times de Basquete da História, ainda sem edição em português ). Lançado no ano passado e escrito pelo jornalista Erik Malinowski, Betaball conta a história da gestão transformadora que quebrou um jejum de 40 anos sem títulos do time identificado com San Francisco mas sediado também, como os Athletics, na vizinha Oakland, campeão das temporadas 2014/15 e 2016/17 da NBA e um dos favoritos para repetir a dose neste ano.

Ao leitor pouco acostumado aos esportes norte-americanos, os times da NBA são propriedades privadas, empresas conhecidas como franquias. O Golden State Warriors nasceu do outro lado do país, na Pensilvânia, sob o nome Philadelphia Warriors. Em 1962, mudou-se para a Califórnia rebatizado de San Francisco Warriors. Nove anos depois, fincou pé em Oakland com a nomenclatura atual.

O maior peso da narrativa de Malinowski está em contar a história da fase californiana da franquia, iluminando algumas temporadas especiais dentro e fora das quadras. A virada para o sucesso começou com a derrocada da gestão anterior do Golden State, comandada por Chris Cohan. Magnata do setor de operadoras de TV a cabo, proprietário da Sonic Communications, Cohan era figura desconhecida no universo dos esportes, embora já possuísse 25% do clube. No final de 1994, tornou-se o máximo mandatário ao comprar o restante das ações em uma disputa que só foi resolvida na Justiça. Jim Fitzgerald e Dan Finnane, antigos sócios majoritários, acabaram deixando o clube pela porta dos fundos, com fiascos em quadra e acusados de falcatruas, entre elas bônus superfaturados. O investimento de Cohan totalizou 130 milhões de dólares.

A gestão Cohan, porém, foi coerente com seus antecessores no que se refere ao fracasso. Sem títulos desde 1975, a “era Cohan” fez os fãs conviverem, entre outros desastres, com dificuldades de renovação com a Arena de Oakland (o clube mandou seus jogos da temporada 1996/1997 em San Jose), mudanças impopulares nos pacotes de ingressos e escolhas desastradas no Draft (espécie de “loteria” com prioridades para captar os talentos que chegam do basquete universitário) ­– em 1996, o clube poderia ter escolhido Kobe Bryant ou Steve Nash, dois jogadores que entrariam para o Hall da Fama da NBA, em prol de Todd Fuller, que seria descartado dois anos depois… Foram 15 anos e apenas uma temporada onde o clube atingiu os playoffs, a fase decisiva em formato mata-mata. Cohan tornou-se tão mal visto que deixou de frequentar as arquibancadas na Oracle Arena, tantas eram as vaias da torcida a ele e sua família.

Em 15 de Julho de 2010, finalmente, veio o anúncio: por 450 milhões de dólares, Cohan vendia a franquia para um grupo de empresários liderado por Joe Lacob, um conhecido investidor do Vale do Silício, e Peter Guber, famoso produtor de Hollywood, apoiados por alguns outros sócios minoritários, mas não menos proeminentes, como Chad Hurley, co-fundador do YouTube. Foi um valor recorde na NBA, superando os 401 milhões da venda dos Phoenix Suns, em 2004.

Amante dos esportes desde a infância em Massachusetts (torcia para o Boston Celtics), chegou na adolescência a vender amendoins no estádio de Anaheim, Califórnia, para onde a família se mudou no final dos anos 1960. Formou-se em Ciências Biológicas pela Universidade da California-Irvine, apaixonando-se pelas aulas de matemática ministradas por Edward O. Thorp. Em 1962, Thorp publicou Beat and Dealer, um best seller onde discorria sobre métodos de contagem e algoritmos que ajudariam jogadores a triunfar nos casinos.

As ideias do professor sobre risco e recompensa tiveram alto impacto em Lacob. O apreço pelos negócios o fez desistir de estudar Medicina para cursar um MBA em Stanford. Logo Lacob estava liderando a equipe de marketing da Cetus, empresa de biotecnologia com base em Oakland. Seu sucesso atraiu a atenção da Kleiner Perkins Caufield & Byers, empresa de capital de risco que o contratou como diretor e sócio. Por mais de 20 anos, Lacob liderou os investimentos da empresa em dezenas de negócios, envolvendo de energias alternativas a equipamentos médicos.

Seu parceiro Peter Guber, também nascido em Massachusetts, não deve nada em termos de sucesso. Produtor de filmes campeões de bilheteria como Rain Man, Flashdance e A Cor Púrpura, é CEO da Mandalay Entertainment e chairman de outras empresas ligadas a esportes e entretenimento. Seu mais recente livro, Tell to Win – Connect, Persuade and Triumph with the Hidden Power of Story, alcançou o primeiro lugar na lista dos mais vendidos do New York Times.

O peso dos currículos, entretanto, não foi suficiente para quebrar a desconfiança dos torcedores do Warriors. A conquista da legitimidade no controle da equipe veio a partir de uma série de ações. Lacob começou surpreendendo ao responder pessoalmente a todos os jornalistas que o procuraram para saber seus planos, sugerindo transparência. No comando da equipe, os novos donos optaram por demitir o lendário Don Nelson e promover o assistente Keith Smart a treinador.

O que mais Lacob valorizava eram os dados, as estatísticas, a informação como base fundamental para todas as decisões. “Riscos, para um investidor, jamais podem ser eliminados por completo. Mas certamente você pode minimizá-los acumulando informações”, escreve Malinowski sobre os conceitos do empresário.

Outro ponto importante no diagnóstico de Lacob era identificar o que não deveria mudar. E o jovem Stephen Curry era a principal aposta no que se referia ao elenco. Enquanto Lacob se preocupava com o time, o produto em si, Peter Guber assumia a gestão da experiência do fã, o cliente. A dupla foi aos poucos implantando uma nova cultura na empresa, visando criar um ambiente positivo de trabalho, que estimulasse as pessoas a contribuir com seu melhor. Divisórias foram removidas, uma iluminação mais amigável instalada. Fotos da arena lotada, imagens gigantes do teto ao chão, passaram a forrar as paredes dos dois andares da sede do Warriors no Oakland Convention Center. Até mesmo uma “mini-linha de três pontos” foi pintada o chão para que os funcionários treinassem arremessos de bolinhas de papel no lixo, emulando as habilidades de Curry e Klay Thompson.

A montagem do board foi decisiva para a virada do time. Lacob trouxe Bob Myers para ser seu manager. A transformação de um ex-agente de atletas em principal executivo do clube foi um lance considerado ousado. Como contrapeso, Lacob e Guber trouxeram uma legenda da NBA para auxiliar na montagem do time: Jerry West, então com 73 anos, campeão em 1972 pelos Lakers. Convencer alguém desse calibre a se juntar a uma organização com tantos desafios é, segundo o autor, um clássico movimento dos empresários do Vale do Silício. Myers era ousadia. West, tradição e inspiração.

Em 2011, veio o maior lance: Lacob demitiu o presidente Robert Rowell e contratou para seu lugar Rick Welts, ex-CEO dos Phoenix Suns. Com longa experiência na NBA como homem de relações publicas, Welts chegou a ser o número três do escritório da liga em Nova York. Em sua gestão, criou o concurso de enterradas, que precedeu o All Star Game, o Jogo das Estrelas. Em 1992, Welts ajudou a criar a marca Dream Team, como ficou conhecida a seleção de basquete dos EUA que ganharia o ouro nos Jogos de Barcelona. E havia um detalhe: Welts havia acabado de se assumir publicamente gay, tornando-se ativista dos direitos dos homossexuais.

O “nerd” Travis Schlenk foi uma figura-chave na parte técnica. Analista de desempenho antenado com toda traquitana tecnológica que poderia gerar informação, foi promovido a auxiliar-técnico. Através dele, Lacob, um habituée da MIT Sloan Sports Analytics Conference, meca das inovações tecnológicas ligadas ao esporte, chegou a um sistema chamado SportVU, criado em 2005 por um físico israelense chamado Miky Tamir, em princípio para rastrear mísseis. Adaptado para os esportes, o sistema de câmeras, softwares e computadores fornece dados em três dimensões dos jogadores em quadra, gerando uma massa gigantesca de informações. Lacob se encantou com a ferramenta e espalhou câmeras do SportVU pela Oracle Arena. A interpretação de seus dados foi importante para turbinar o desempenho coletivo e individual dos atletas do Golden State.

Outra ferramenta, chamada Sports Aptitude, ajudou a comissão técnica a produzir perfis comportamentais dos jogadores, medindo 10 diferentes critérios de personalidade em uma escala de 1 a 10, como “motivação interna” e “potencial de liderança”. O filho de Joe Lacob, Kirk, supervisionou pessoalmente o trabalho. Kirk também intermediou o contrato com um grupo de engenheiros de Stanford chamado MOCAP, que processava toda a informação do SportVU e criava ferramentas como mapas de calor e gráficos palatáveis a treinadores e jogadores. “Nós temos que fazer toda essa informação se tornar útil e representar a diferença em médio prazo”, dizia Joe Lacob às portas da temporada 2012/13.

Faltava, porém, um treinador que se encaixasse nessa nova concepção de jogo baseada em ciência, números e análise. Em maio de 2014, Lacob ganhou a disputa com o New York Knicks para contratar Steve Kerr, cinco vezes campeão da NBA por Chicago Bulls e San Antonio Spurs, que vinha trabalhando como comentarista na rede de televisão TNT. Filho de intelectuais, Kerr havia sido dirigente do Phoenix Suns por três temporadas, mas seria sua primeira experiência como treinador.

Nem nos melhores sonhos a dupla Lacob-Guber esperava que a “revolução” na gestão traria tão cedo seus melhores resultados. Mas o fato é que, na primeira temporada de Kerr, os Warriors foram campeões da NBA. Na temporada seguinte, chegariam à final e perderiam o título para o Cleveland Cavaliers, de LeBron James. Um ano depois, estavam celebrando novamente o título de 2016/17. As duas franquias fizeram as últimas três finais da NBA, o que pode se repetir novamente este ano.

Betaball, entretanto, sugere no nome uma semelhança maior com Moneyball do que o leitor atento perceberá. O livro de Malinowski não mergulha fundo na Ciência, descrevendo por alto o uso das ferramentas. Tampouco disseca os métodos de gestão de Lacob, como o título faz sugerir. Mas é um precioso relato do nível profissional em que está o basquete americano, e resgata com detalhes o processo de recuperação do time que hoje divide com os Cavaliers a hegemonia do melhor basquete do mundo.

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