B2W vai torrar mais dinheiro -- e quem paga são as Lojas Americanas
Dona de Submarino e Shoptime vai captar 2,5 bilhões de reais com emissão de ações. Na prática, será um novo aporte de sua controladora, as Lojas Americanas
Carolina Riveira
Publicado em 20 de agosto de 2019 às 15h05.
Última atualização em 20 de agosto de 2019 às 16h41.
Bom para a B2W , ruim para as Lojas Americanas . É como parte do mercado vem lendo o anúncio feito pela varejista online B2W na noite de segunda-feira, 19, quando a empresa afirmou que vai captar mais 2,5 bilhões de reais com a emissão de mais de 64 milhões de novas ações ordinárias.
Na prática, significa um grande novo aporte das Lojas Americanas, seu acionista controlador, com 61,5% de participação. A empresa se comprometeu a aumentar seu número de ações na B2W -- dona dos endereços de comércio eletrônico das próprias Lojas Americanas e de Submarino e Shoptime -- proporcionalmente à nova emissão, além de comprar as ações que porventura os acionistas minoritários não quiserem. Se todos os atuais acionistas comprarem as novas ações, o aporte das Lojas Americanas será na casa dos 1,5 bilhão de reais, e o dos minoritários será de outros 1 bilhão de reais.
É o quarto aumento de capital da B2W aprovado pelo conselho da empresa desde 2014, e, desta forma, o quarto grande aporte das Lojas Americanas. De lá para cá, já foram mais de 6,9 bilhões de reais em aumento de capital, o que equivale a mais de 4,4 bilhões de reais aportados pelas Lojas Americanas.
O objetivo do novo capital é permitir “que a companhia siga investindo na plataforma digital e acelerando seu crescimento, por meio de um ecossistema completo de soluções”, segundo ata da reunião de acionistas da B2W em que a medida foi aprovada. Nos últimos anos, a empresa aprimorou sua plataforma de logística, começou a integrar as vendas virtuais com as vendas físicas das Lojas Americanas e lançou a carteira digital AME (na qual as Lojas Americanas têm 56,9% de participação e a BW2, 43,1%).
O aporte permitirá à B2W transformar dívidas de 2,1 bilhões de reais num caixa de 400 milhões de reais. Investir mais só para torrar ainda mais dinheiro parece contraproducente, mas é assim que as coisas vão no mundo paralelo do varejo online. Tanto é que analistas classificaram a medida como positiva para a B2W, podendo ajudar no crescimento da empresa em um mercado de comércio eletrônico cuja disputa é cada vez mais acirrada.
Para as Lojas Americanas, no entanto, o aporte a ser feito na B2W deve levar a um aumento do endividamento da companhia. Se comprar, em novas ações, apenas o correspondente à sua atual participação na B2W, as Lojas Americanas verão seu endividamento subir de 1,5 vez os ganhos operacionais para 2,16 vezes, segundo cálculos do banco BTG Pactual.
A corretora Coinvalores também considerou o aporte um mau negócio para as Lojas Americanas, mas "necessária" para o crescimento da plataforma digital da B2W. "Consideramos [o aporte] negativo para a Lojas Americanas, haja vista que novamente a companhia se compromete a injetar capital em sua subsidiária", disseram os analistas da corretora em relatório.
As ações das Lojas Americanas caíam na casa dos 0,5% ao meio-dia, tanto as ordinárias quanto as preferenciais, mas reverteram a tendência e passaram a subir 0,5% pela tarde. As ações da B2W, por sua vez, amanheceram em alta e subiam na casa dos 7% por volta das 14h.
Juntas, mas nem tanto
A operação de B2W e Americanas é separada, algo que podia fazer sentido em 2006 mas é questionável em 2019. Faz só pouco mais de um ano que as empresas decidiram integrar o sistema de vendas. Passou a ser possível, por exemplo, comprar um produto nos sites da B2W e retirar nas lojas físicas das Americanas.
Criada em 2006 com a junção do Submarino.com e do braço de comércio eletrônico das Lojas Americanas, a B2W nasceu com o intuito de ser o maior e-commerce do Brasil — e vem queimando dinheiro da controladora desde então, apresentando prejuízo anual há sete anos.
Além das Lojas Americanas, o segundo maior acionista da B2W é o banco australiano Macquaire Group, que detém 5,5%. Nas Lojas Americanas, os controladores — Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto da Veiga Sicupira, do fundo 3G Capital — detêm 40% do total de ações. Os fundos de investimento Tobias Cepelowicz, Oppenheimer e Black-Rock são acionistas minoritários.
A estratégia histórica da B2W de separar físico e online — tanto na operação quanto no nome — vai na contramão do que fez nos últimos anos uma das principais concorrentes, o Magazine Luiza. Sob o comando do presidente Frederico Trajano, a empresa começou há mais de dois anos um processo de integrar lojas físicas e online, e tanto Trajano quanto seus diretores afirmam com orgulho que o cliente é um só, não importa se na internet ou nas lojas.
Quanto dinheiro é preciso?
A B2W já chegou a ter 40% das vendas na internet brasileira na primeira década dos anos 2000, mas um analista ouvido por EXAME afirma que, de lá para cá, a empresa “se perdeu”. Em 2018, a B2W teve 19% do mercado, atrás de 32% do Mercado Livre e à frente de Magazine Luiza (9%) e Via Varejo (9%), segundo o Bradesco BBI. A empresa, contudo, está muito mais perto de perder o segundo lugar do que de ultrapassar o Mercado Livre.
Um relatório do Itaú BBA divulgado nesta semana aponta que, com a compra da Netshoes pelo Magazine Luiza confirmada em junho deste ano, a B2W perde a vice-liderança para o Magazine Luiza em número de acessos em seu aplicativo. Segundo dados da empresa de análise de tráfego online SimilarWeb indicados pelo Itaú, o número médio de usuários ativos por dia nos apps do Magalu, incluindo a Netshoes, foi de 881.000 nos últimos três meses, ante 836.000 na B2W. No site, a B2W ainda lidera, com 497 milhões de usuários acessando seus portais nos últimos três meses, ante 287 milhões do Magalu.
Outra má notícia para a B2W é que a empresa aumenta o tráfego a uma velocidade muito menor do que a concorrente: ainda segundo a SimilarWeb, o tráfego no app do Magalu cresceu 116% e o site 43% nos primeiros sete meses de 2019 na comparação com o mesmo período de 2018, ante alta de 28% nos apps e 11% nos sites da B2W. (Os números do Magalu, neste caso, ainda não incluem a incorporação da Netshoes.)
O anúncio do novo aporte dos acionistas vem menos de duas semanas depois que a empresa animou os mercados ao reportar geração de caixa de 40,3 milhões de reais no segundo trimestre, o melhor resultado em nove anos, com saldo positivo de 6 milhões de reais — uma grande virada posto que a empresa teve caixa negativo de 34 milhões de reais no mesmo período do ano passado. A ação fechou o dia seguinte ao balanço do segundo trimestre com alta de 14%.
Ao mesmo tempo em que queimou menos caixa, a B2W também aumentou as vendas em 22%, puxada por crescimento de 51% no marketplace -- isto é, produtos de terceiros vendidos na plataforma da empresa e que responderam por 59% das vendas no trimestre. Altas no marketplace também são boa notícia para o caixa da B2W, uma vez que demandam menos investimento em logística e estoque do que produtos de venda própria.
Além das vendas no varejo digital, um dos principais destinos do novo aporte na B2W será alavancar a carteira digital AME. A empresa afirma que a ferramenta teve 3 milhões de downloads do aplicativo, mas ainda não divulga volume de transações ou outras informações.
A estratégia de apostar nas transações financeiras é similar à adotada por concorrentes, como o Mercado Pago, braço financeiro do Mercado Livre. O líder no segmento no Brasil é o PicPay, com 10 milhões de usuários. O Mercado Livre, contudo, tem também um bolso mais fundo: a empresa argentina já levantou 1,9 bilhão de dólares em aportes, o último em março deste ano (contando com investidores como a empresa de pagamentos americana PayPal).
Apesar das controvérsias, em relatório distribuído nesta terça-feira, 20, a clientes, os analistas do banco BTG indicaram a compra do papel da B2W. A expectativa é que, mesmo com a queima de caixa, a empresa deve gerar 200 milhões de reais em caixa neste ano. “Embora outro aumento de capital possa soar negativo à primeira vista, apontamos que isso aumenta muito a capacidade da B2W de continuar investindo em seu negócio, sob um modelo de negócio mais saudável e lucrativo, após sua estratégia de migração mais rápida para um modelo centrado no marketplace desde o começo de 2017”, escrevem os analistas.
Assim, a visão é que a série de iniciativas dos últimos trimestres — da logística integrada à carteira digital da AME — até vêm mostrando alguns resultados. Mas a empresa acumula prejuízos anualmente desde 2011, e ao abrir mais frentes de combate, só joga a possibilidade de resultados positivos mais para a frente. Para correr atrás da década perdida, mais alguns caminhões de dinheiro podem ser necessários.