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Após fraudes, IRB tem prejuízo de R$ 1,5 bi; 2021 vai ser melhor?

Entenda a a trajetória da resseguradora em meio ao caos e as perspectivas para este ano

Resseguradora IRB Brasil continua a tentar corrigir os seus números depois de fraude contábil (IRB Brasil/Divulgação)

Resseguradora IRB Brasil continua a tentar corrigir os seus números depois de fraude contábil (IRB Brasil/Divulgação)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 19 de fevereiro de 2021 às 11h30.

Última atualização em 19 de fevereiro de 2021 às 11h46.

A resseguradora IRB Brasil – uma das empresas mais polêmicas do momento no mercado brasileiro -- teve prejuízo de 1,5 bilhão de reais em 2020, ante lucro de 1,2 bilhão de reais em 2019. O prejuízo do quarto trimestre foi de 620 milhões de reais, o maior do ano. No mesmo período de 2019, a companhia teve lucro de 654 milhões de reais. O prejuízo veio mesmo em um ano em que a resseguradora teve alta de cerca de 12% nos prêmios emitidos, com um total de 9,5 bilhões de reais, ante 8,5 bilhões de reais em 2019.

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A perda bilionária é resultado de um período recheado de polêmicas para a empresa, que até o início do ano passado pouco aparecia no noticiário. Em mensagem publicada junto com os resultados, o presidente, Antônio Cássio dos Santos , afirma que a companhia enfrenta uma "crise de credibilidade".

Desde o início de 2020, a resseguradora foi acusada de fraude, divulgou uma farsa envolvendo o mega investidor Warren Buffett, e foi alvo de uma ação de milhares de investidores com o objetivo impor perdas a fundos que operavam vendidos, apostando na queda dos papéis – o chamado short squeeze, prática que ficou conhecida após o caso da norte-americana Gamestop.

Entenda a seguir os recentes acontecimentos envolvendo a companhia e o que mudou na empresa desde então, e o que esperar do IRB em 2021.

O IRB atua no pouco emocionante setor de resseguros, o seguro das seguradoras. Foi fundado como uma empresa estatal por Getúlio Vargas, em 1939, quando passou a deter o monopólio nacional do segmento. Em 2007, a companhia deixou de ter o monopólio desse mercado no Brasil e, em 2013, foi totalmente privatizada. O IRB abriu capital na bolsa de valores brasileira, a B3, em 2017 e era visto como uma rara combinação entre potencial de crescimento e altos dividendos. Dados da Economática mostram que a resseguradora ganhou 31 bilhões de reais em valor de mercado entre agosto de 2017 e janeiro de 2020, quando chegou a valer 40 bilhões de reais na bolsa – uma valorização de quase 350%.

O caldo começou a entornar em fevereiro de 2020, quando a gestora Squadra divulgou duas cartas questionando os resultados da companhia e anunciando que mantinha uma posição vendida (short) contra a empresa -- ou seja, a gestora apostava que o ativo ia se desvalorizar e se posicionava para lucrar com isso.

Lucro inconsistente e a farsa com Warren Buffett

Na primeira carta, a Squadra disse que havia "uma grande disparidade entre o preço e o valor nas ações da IRB Brasil e que encontrou indícios que apontam lucros normalizados (recorrentes) significativamente inferiores aos lucros contábeis reportados nas demonstrações financeiras da companhia.” A carta fez a ação da companhia cair 15% em um dia. No segundo comunicado, voltou a ressaltar a existência de “ganhos extraordinários” classificados como recorrentes.

Alguns dias depois surgiu a notícia de que a Berkshire Hathaway, empresa do bilionário Warren Buffett, havia triplicado a fatia que detinha da IRB Brasil em fevereiro.

Segundo uma reportagem publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, entre os dias 6 e 18 de fevereiro, a Berkshire Hathaway aproveitou a baixa das ações da resseguradora para ampliar a sua participação. A notícia fez as ações subirem cerca de 9% em um dia.

Em nota publicada no dia 3 de março, a empresa de Buffett desmentiu a informação e afirmou que não é acionista do IRB, nunca foi e também não tem intenção de se tornar acionista da companhia brasileira. A nota da empresa de Buffet fez as ações do IRB despencarem mais 35%.

No dia seguinte, o IRB anunciou a renúncia do presidente da companhia, José Cardoso, e do vice-presidente executivo, financeiro e de relações com investidores, Fernando Passos. O presidente do conselho e administração, Ivan Monteiro, já havia deixado o cargo alguns dias antes. Werner Suffert foi eleito vice-presidente executivo, financeiro e de relações com Investidores do IRB Brasil. No dia 10 de março, Antonio Cassio dos Santos foi indicado como novo presidente do conselho de administração da companhia e assumiu também como CEO interino.

A nova gestão

Sob a nova administração, o IRB iniciou investigações internas sobre as acusações feitas pela gestora. A CVM também abriu inquéritos sobre possíveis irregularidades envolvendo a companhia.

Em junho vieram a público as primeiras conclusões da apuração conduzida na companhia. O IRB divulgou ao mercado que identificou irregularidades em pagamentos de supostos bônus a um ex-diretor e a outros colaboradores da companhia e suas controladas, no valor de aproximadamente 60 milhões de reais. O IRB abriu processo criminal contra ex-administradores para exigir ressarcimento.

A investigação também identificou os responsáveis por disseminarem a informação falsa sobre a participação acionária da Berkshire Hathaway na empresa. Segundo a empresa, “todas essas operações foram realizadas à revelia do Conselho de Administração”.

Alguns dias depois, a resseguradora divulgaria mais novidades sobre as apurações internas. Informou que as demonstrações financeiras de 2019 estavam “incorretas em alguns aspectos”, e por isso, foram substituídas por novas edições. De acordo com a empresa, a nova diretoria “identificou diversos fatos e indícios que sugeriam que os saldos de abertura do exercício de 2020 não estavam corretos e deveriam sofrer ajustes”. A empresa também diz que identificou o ex-diretor e demais  funcionários  envolvidos nas irregularidades.

Em julho, a companhia aprovou um aumento de capital de ordem de 2 bilhões de reais, dinheiro que a ser usado para enquadrar a a resseguradora nas regras de provisões técnicas do regulador, a Superintendência de Seguros Privados, e fortalecer sua estrutura de capital, após um período tão turbulento.

Em agosto, a gestora Squadra divulgou uma nova carta em que reconhece os esforços da nova gestão do IRB para revisar estratégia, números e contratos anteriores do ressegurador, mas que ainda enxergava uma "ótima relação risco x retorno" para permanecer vendida nas ações da companhia. Entre outros pontos, o texto apontava que ainda havia espaço para redução do patrimônio do IRB, em "sequelas dolorosas" do modelo de negócios adotado pela antiga cúpula da companhia.

Prejuízos e short squeeze

Os números de 2020 até agora mostram os impactos da crise interna  associada à pandemia da covid-19. Nos nove primeiros meses de 2020, a companhia teve prejuízo de 901,1 milhões de reais, ante lucro de 555,7 milhões de reais no mesmo período de 2019.

Os números foram impactados pela desvalorização cambial e pela pandemia da covid-19, com o aumento de sinistros. A resseguradora já havia sido levada a republicar balanços anteriores. Em 2019, a companhia teve lucro de 1,2 bilhão de reais – 553 milhões de reais a menos que o divulgado anteriormente. Em 2018, o lucro foi de 1,1 bilhão de reais, 117 milhões de reais menos que o divulgado antes.

Em janeiro de 2021, o IRB voltou ao noticiário, quando investidores passaram a se organizar no aplicativo de mensagens Telegram para gerar uma onda compradora dos papeis da resseguradora, e assim impor perdas a fundos que operavam vendidos, apostando na queda dos papeis.

O grupo, batizado inicialmente de “short squeeze IRB”, é inspirado em movimento semelhante ocorrido nos Estados Unidos com as ações da loja de videogames Gamestop, que disparam mais de 8.000% em seis meses, depois que pequenos investidores e organizaram na rede social Reddit. As ações do IRB disparam 17,8% em um dia.

A CVM disse que "acompanha e analisa informações e movimentações envolvendo companhias abertas, tomando as medidas cabíveis sempre que necessário". O Ministério Público Federal (MPF) abriu investigação para apurar a disparada nas ações do IRB. A Procuradoria desconfia de ação coordenada de investidores.

O que mudou na empresa?

Desde a publicação da primeira carta da gestora Squadra, muita coisa mudou no IRB. A diretoria estatutária foi totalmente alterada, e o Conselho de Administração foi quase completamente renovado. A empresa reformulou seu estatuto social, a fim de evitar novos casos de fraude. Também reformulou seu canal de denúncias, administrado por uma empresa independente.

Além de rever os resultados apresentados nos anos anteriores, a nova gestão também fez uma análise dos contratos de clientes, venda de ativos e outros acordos, a fim de identificar outras possíveis distorções.

Outro foco da nova gestão foi reduzir a volatilidade de seu portfólio. A prioridade, segundo a empresa, é ter um portfólio com mais margem, ao invés de crescer com mais velocidade. Para os contratos de rentabilidade insatisfatória, a empresa está operando com renegociação de taxas ou até mesmo cancelamento. Mas esse é um processo demorado.

A expectativa da empresa é que o cenário comece a melhorar e que os números positivos comecem a aparecer em 2021. O prejuízo do terceiro trimestre (de 229,8 milhões de reais) foi menor que o do segundo trimestre (de 685,1 milhões de reais). Se excluídos os contratos descontinuados, o resultado do terceiro trimestre já é positivo, com lucro de 149,4 milhões.

Ainda assim, o mercado continua reticente. Desde janeiro, as ações do IRB caíram 14%, mesmo com os efeitos do short squeeze das últimas semanas. A empresa vale hoje cerca de 8,5 bilhões de reais, pouco mais do que valia em agosto de 2017, quando abriu capital na bolsa. Prova de que, ainda que mudanças estejam em curso, o pesadelo da resseguradora e de seus acionistas ainda está longe de terminar. 

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