A vez dos clubes de café
Houve um tempo em que era preciso ir até uma locadora e alugar um dvd para ver um filme longe dos cinemas. Nessa mesma época, a única forma de ouvir um lançamento musical era comprando o CD. E mais ou menos no mesmo período, nem tão remoto assim, quem quisesse encontrar um bom café brasileiro […]
Da Redação
Publicado em 27 de maio de 2016 às 10h26.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h56.
Houve um tempo em que era preciso ir até uma locadora e alugar um dvd para ver um filme longe dos cinemas. Nessa mesma época, a única forma de ouvir um lançamento musical era comprando o CD. E mais ou menos no mesmo período, nem tão remoto assim, quem quisesse encontrar um bom café brasileiro acabava se contentando com um exemplar razoável, em geral por um preço nada razoável, sob pena de ter de engatar uma busca cansativa e sem um final feliz garantido. Nada mais natural, portanto, que quem hoje pode ver filmes ilimitados em aplicativos e ouvir música sem restrições em serviços de streaming também possa assinar um serviço que selecione os melhores cafés brasileiros e os entregue em casa. O que não só já é uma realidade como cresce vertiginosamente.
Os clubes de assinatura de cafés especiais, cerca de uma dezena em atividade hoje, criaram um público consumidor cativo. E um fator parece ter feito a diferença: são serviços criados majoritariamente por devotos da bebida, ou seja, pessoas que entendem a demanda do público amante de café porque também fazem parte dele. “Entendemos o que a gente faz como um projeto de aproximação entre produtor e consumidor. O clube de assinatura contextualiza esse conceito e cria uma experiência única, mas queremos ir muito além. Queremos atuar de forma relevante na evolução dessa cadeia de valor”, diz Marco Antonio de Oliveira Santos, sócio fundador do Have a Coffee (haveacoffee.com.br). O serviço oferece a seleção de um café nacional especial diferente a cada mês, com informações sobre o produtor, a produção e o tipo de café. O assinante escolhe se quer receber em grãos ou moído, e a quantidade, 250 (34,90 reais) ou 500 gramas (64,90 reais).
Apesar de não entrar em detalhes sobre o negócio em si, Santos revela que já há uma aposta consolidada no crescimento da empresa. “Nunca fizemos altas rodadas de investimento, mas possuímos no nosso quadro sócios investidores”, conta. O negócio que interessa a ele é o café em si. “Realizamos a compra do café, visitamos produtores, selecionamos e separamos apenas os melhores grãos, torramos com extremo cuidado e controle. Além do café, fortalecemos os laços com produtores locais e incentivamos o uso consciente da terra”, diz Santos. O negócio ainda dá seus primeiros passos: são apenas 500 assinantes.
Ele não está sozinho. O Moka Clube (mokaclube.com.br), sediado em Curitiba e criado em agosto de 2012, teve a mesma origem. “Houve pouco estudo e muita paixão”, confessa Hugo Rocco, idealizador e coffee hunter do clube. “Logo na primeira viagem à fazenda, percebemos a importância do produto para o país e o quanto a qualidade era diferente do que estávamos acostumados a encontrar no mercado. Foi tudo muito rápido, da concepção ao produto finalizado e os testes de mercado”, relembra Rocco. O Moka vende assinaturas de 250 gramas do café especial selecionado do mês e sua loja virtual oferece outros grãos e produtos relacionados à bebida. Este ano, em um caminho inverso ao convencional, a marca, que tem cerca de 1.000 assinantes, ganhou um endereço físico, uma cafeteria no bairro curitibano de Juvevê.
Quando se aponta a paixão como um diferencial nesse negócio, pode até parecer pieguice, mas é, também, um fato. O Moka Clube também foi criado por devotos incondicionais da bebida que, por conta disso, tornaram-se empresários eventuais. “Procuramos selecionar somente cafés que gostamos de tomar em casa”, explica Rocco, engenheiro eletricista por formação, que abriu o negócio com dois amigos e ganhou mais um sócio depois. “A seleção é feita depois de testes com diversos métodos de preparo. E a sequência de cafés escolhidos sempre tem o objetivo de trabalhar com características sensoriais bem diferentes, para que as comparações sejam parte da experiência no clube”, completa Rocco. O detalhe é que, além de estarem descobrindo mais e melhores cafés brasileiros, eles estão ganhando dinheiro com isso – ou, no mínimo, pavimentando o caminho para ganhar.
Dinheiro que saiu do bolso de um único homem para criar um clube de assinatura de cafés também em 2012. Mais precisamente 150.000 reais, com os quais Luiz Claudio Cruz, que já era produtor da bebida, fundou o ClubeCafe (clubecafe.net.br). O clube nasceu em função de uma combinação de fatores. “Como consumidor, sentia uma carência no mercado de cafés de qualidade, em grãos frescos para moagem e na quantidade que eu quisesse. Café fresco era praticamente impossível de achar”, lembra Cruz. “E como investidor, estava buscando algo que pudesse ser explorado na internet. A ficha caiu quando um amigo me convidou para montar um clube de vinhos. Então pensei: Por que não montar um clube de café, já que não havia ninguém no mercado brasileiro e eu, como produtor, tinha bastante conhecimento e acesso a grãos de altíssima qualidade?”, explica. O ClubeCafé começou a operar em junho de 2012, e garante que foi o pioneiro.
Apesar da paixão aqui ter vindo acompanhada de uma visão mais bem fundamentada do negócio, Cruz também começou o clube de forma intuitiva. “Não fiz estudo de mercado. Minha ideia era: o Brasil é o maior produtor e segundo maior consumidor de café do mundo, tem que existir aqui um público relativamente grande interessado em café gourmet de qualidade, sob medida para as suas necessidades, e com conveniência e praticidade.” Ele estava certo, como indicam os vários clubes surgidos na sequência e, novamente, o interesse capitalista. “Recentemente houve interesse de um investidor e, se o aporte se concretizar, iremos fazer novos investimentos”, revela Cruz, que oferece pacotes diferentes do padrão consagrado por seus pares. O ClubeCafé tem três planos de acordo com o perfil do consumidor, Básico, Arrojado ou Expert: variam os cafés, a quantidade mínima e o ponto de torra, entre outros detalhes.
Tamanho vs. prazer
Esse grupo de homens obstinados com a missão de descobrir e espalhar o bom café brasileiro (e ganhar dinheiro com isso) não surgiu de trevas sobre a face do abismo. A ideia de vender cafés especiais por assinatura é um negócio já bem estabelecido fora do Brasil – em especial no mercado norte-americano, onde até a gigante Starbucks passou, em 2015, a oferecer um serviço similar com cafés selecionados. Mas, por mais que cresça, o consumo de cafés especiais no mercado interno ainda é estatisticamente bem pequeno. “Não temos um número preciso, mas podemos estimar que o mercado de café arábica representa menos de cinco por cento do consumo nacional”, diz Marco Suplicy, conselheiro da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) e sócio fundador da Suplicy Cafés Especiais, rede de cafeterias em São Paulo, Rio e Brasília que produz a própria linha de cafés. A Associação foi criada para cuidar da imagem do café brasileiro no exterior (por isso a sigla, do inglês Brazil Specialty Coffee Association) mas, nos últimos dois anos, começou a olhar com mais atenção para dentro. E o crescimento dos clubes de assinatura serviram com um dos sinais do aumento do interesse do mercado interno.
Arábica e robusta são os dois tipos mais populares de café, sendo que um produto especial é aquele composto 100% de grãos do tipo arábica,
A conta é feita da seguinte forma: cafés especiais representam, atualmente, cerca de 10% da produção brasileira, o que significa cerca de 5 milhões de sacas, das quais 80% são exportadas – em 2015, essa exportação rendeu 1,84 bilhão de reais. Os 20% que restam se destinam ao consumo interno. Se considerarmos os números da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), que estima em 20 milhões de sacas o consumo total de café no país, logo os cafes especiais representam 5% deste universo.
Diante de um mercado tão reduzido e do numeroso exército de brasileiros que toma diariamente cafés, digamos, não-especiais, qualquer movimento de expansão é bem recebido. E nesse sentido, os cafés em cápsulas tiveram papel importante nos últimos anos, como explica Suplicy. “Uma cápsula compatível com as máquinas mais populares tem cerca de cinco gramas de café, é diferente de um saco com 500 gramas, que você só compra se sabe que gosta daquele café. Se uma em cada dez pessoas que provarem cafés em cápsulas se interessarem em notar as nuances de aroma e de sabor, ganhamos um consumidor.”
O crescimento do consumo do café em cápsula é um movimento global, garante um estudo da Euromonitor International apresentado para a Abic em abril. A expectativa no Brasil é que o consumo de café no formato, que somou 1,12 bilhão de reais em vendas em 2014, salte para 2,22 bilhões em 2019. Não por acaso, entre os serviços de assinatura de café que mais crescem estão também assinaturas de cápsulas. O clube de vinhos Wine.com.br comprou ano passado a marca suíça Mocoffee e passou a vender também suas cápsulas. Com faturamento de mais de 200 milhões de reais ao ano, a Wine é séria candidata a bicho-papão desse mercado.
Entre os novatos, um dos que mais chama a atenção é o Clube das Cápsulas (clubedascapsulas.com.br), criado pelo administrador de empresas Rafael Erlich Joseph. O clube é, na prática, uma loja online multimarcas especializada na venda de cápsulas de café expresso que oferece como bônus combos mensais, inclusive um que prevê três sabores surpresa. Joseph veio se juntar a Rocco, Cruz, Santos e a outros obstinados, como o casal Renata e Boris Gancev, que abriram a Grão Gourmet (graogourmet.com) no fim de 2013, ou o pessoal do Coffeery (coffeery.com.br), que oferece grãos internacionais. Em comum, a paixão pelo café e, como consequência disso, por conhecer a bebida e tratá-la com respeito, a possibilidade de ganhar bastante dinheiro com ela.
(Jardel Sebba)