A redenção de Chris Hughes, co-fundador do Facebook
Cofundador do Facebook, Chris Hughes defende uma renda garantida de US$ 500 por mês para adultos que ganham menos de US$50 mil por ano
Da Redação
Publicado em 7 de março de 2018 às 18h59.
Última atualização em 7 de março de 2018 às 18h59.
Chris Hughes foi criado por pais luteranos em Hickory, Carolina do Norte, que lhe ensinaram, por exemplo, a recolher o dízimo. Todos os anos, eles davam 10 por cento de sua renda para a igreja e outras instituições de caridade locais, e Hughes manteve essa tradição na idade adulta. Mas, em 2008, quando vendeu US$1 milhão de suas ações do Facebook em mercados privados, e a quantidade de dinheiro que precisava doar aumentou exponencialmente, começou a pensar mais seriamente em como suas contribuições poderiam gerar maior impacto.
“Cresci vendo o preço de tudo até o último centavo, desde uma garrafa de suco até uma lata de refrigerante”, ele me contou no início de fevereiro, explicando por que queria “o melhor uso” para a filantropia. Estávamos no escritório de Nova York do Projeto de Segurança Econômica, organização da qual Hughes é um dos fundadores com dois outros ativistas, Dorian Warren e Natalie Foster, que financia o trabalho de tecnólogos, acadêmicos, políticos e outros que estudam a ideia de uma renda básica garantida para americanos com rendimentos baixo e médio.
Hughes é também um dos fundadores do Facebook, onde realizou um volume de trabalho “equivalente a três anos por quase US$1 bilhão”, como ele descreve, enfatizando a natureza extrema de seu sucesso. Ele e Mark Zuckerberg foram companheiros de quarto em Harvard e, logo no início, Hughes era o encarregado da comunicação e do departamento de marketing da empresa. O enorme sucesso da rede social acelerou sua carreira. Em 2008, ele se juntou à primeira campanha presidencial de Barack Obama, lançando e controlando o My.BarackObama.com, sistema robusto que organizou os apoiadores do então candidato e foi visto como essencial para sua vitória. Em 2012, quando o Facebook se tornou público e a New Republic foi posta à venda, ele a comprou na esperança de levar a publicação para um futuro digital e ampliar seu alcance. Esse período tumultuado terminou em 2016, quando vendeu a revista. Mais tarde naquele ano, juntou-se a Warren e Foster para formar o Projeto de Segurança Econômica.
Em seu novo livro, “Fair Shot: Rethinking Inequality and How We Earn”, Hughes, de 34 anos, narra sua escalada para mostrar como as forças que influenciaram seu sucesso e o do Facebook – os avanços tecnológicos, a globalização e o surgimento de empresas de capital privado – criaram uma economia no estilo “o vencedor leva tudo”, na qual apenas um pequeno grupo de pessoas se dá bem.
“Acho que quando as pessoas vivenciam tipos diferentes de sucesso, muitas vezes é fácil se esquecer de todos os fatores que contribuíram para que isso fosse possível”, disse ele, citando sua própria educação. Hughes cresceu em uma família estável, classe média, filho único de um vendedor de papel e uma professora. Na infância, participava de programas educacionais de verba pública e foi colocado em classes de alunos “talentosos”. Aos 14 anos, fez uma busca on-line por “o melhor ensino médio nos EUA”, e o resultado foi a Phillips Academy, uma escola particular prestigiada em Andover, Massachusetts; fez sua matrícula e conseguiu uma bolsa de estudos. Todos esses fatores, ele argumenta, contribuíram para seu sucesso, mesmo antes de se tronar colega de quarto de Zuckerberg.
Em “Fair Shot”, ele sugere uma solução para equilibrar a balança: uma renda garantida de US$ 500 por mês para adultos que ganham menos de US$ 50 mil por ano, incluindo trabalhadores não tradicionais, como pais e alunos. Sua proposta é que esse programa saia de um imposto pago por aqueles cuja renda anual é de US$ 250 mil ou mais. Seu plano beneficiaria 60 milhões de adultos e tiraria 20 milhões de pessoas da pobreza da noite para o dia, escreve ele, proporcionando maior estabilidade financeira aos integrantes da classe média.
“A renda garantida é uma ideia tão simples que muitas vezes as pessoas parecem ignorar o poder do dinheiro em si. Pensamos: ‘Ai, meu Deus, a desigualdade de renda é tão inacreditável, todas as estatísticas são tão insanas, mas o que podemos fazer? Educação? Maior capacitação profissional? Salário mínimo mais alto?’. Eu respondo: ‘Sim, sim e sim’, mas precisamos fazer mais”, insiste ele.
O escritório do Projeto de Segurança Econômica é parte biblioteca universitária, parte startup de tecnologia. Parece refletir as sensibilidades de Hughes, sua admiração pelas instituições antigas e bem estabelecidas e sua receptividade da tecnologia digital.
Antes de começar o Projeto de Segurança Econômica, ele trabalhou internacionalmente com a questão da renda garantida através da GiveDirectly, uma organização sem fins lucrativos que opera um programa de transferência para colocar dinheiro nas mãos de quem precisa. Hughes se inspirou nos ideais da instituição e começou a imaginar se um modelo semelhante poderia funcionar no mercado interno.
“Não havia nenhuma organização nos Estados Unidos focada em explorar como a renda garantida poderia funcionar”, disse ele.
“Porém, em vez de colocarmos a mão na massa, dissemos: ‘Essa é uma ideia promissora. Vamos formar uma rede de pessoas para pensar sobre o assunto de forma colaborativa e ver no que dá'”. O Projeto de Segurança Econômica foi originalmente concebido como uma iniciativa temporária de dois anos, mas prorrogado até 2020.
A plausibilidade da ideia é motivo de debate. Branko Milanovic, estudioso na desigualdade de renda, e Dean Baker, economista do Centro de Pesquisa Econômica e Política, acreditam que o plano é realista, tendo em conta a atual divisão do clima político. Baker mencionou também que mudanças na política para reestruturar a economia, como leis mais brandas de patentes e direitos autorais e financiamento público para medicamentos genéricos, são uma necessidade mais urgente. O professor de Stanford e economista conservador Nicholas Bloom mencionou o potencial de fraude, acrescentando que o controle do governo seria difícil.
Hughes sabe que sua proposta é ambiciosa. “É uma ideia grande e cara, mas acho que está de acordo com a escala do problema, que também é imensa”, disse ele.
Ele afirma que sua própria sorte financeira lhe deu a capacidade de avaliar suas metas e persegui-las, e agora sente que sua responsabilidade é disseminá-las. Quando lhe pergunto de onde vem esse desejo, seu semblante se ilumina. “Dos meus pais”. Seu pai queria que fosse bem-sucedido, explicou, mas “havia também a ideia de que não podia me dar bem em detrimento de outros”.
Dar dinheiro às pessoas, de acordo com seu ponto de vista, não é apenas a maneira mais eficaz para combater a desigualdade hoje, mas também a mais humana: “É de fato uma crença de que as pessoas são confiáveis e merecem a oportunidade de planejar suas vidas, de perseguir seus próprios sonhos”.