Japão está na luta para garantir seu futuro em um mundo de carros elétricos
Da Redação
Publicado em 22 de janeiro de 2018 às 16h30.
Última atualização em 22 de janeiro de 2018 às 17h51.
Fuji, Japão – Em uma fábrica próxima à base do monte Fuji, os trabalhadores montam, meticulosamente, transmissões para alguns dos carros mais vendidos do mundo, mas o fato é que os componentes caros e complexos e o emprego dos trabalhadores poderão estar obsoletos daqui algumas décadas.
A ameaça: os veículos elétricos movidos a bateria.
Seu design acaba com as correias e engrenagens de transmissão, além de milhares de outras peças usadas em carros convencionais. Os grandes fabricantes estão nervosos, especialmente no Japão, onde a indústria automobilística é um pilar da economia – e onde gigantes industriais já foram deixados para trás pela mudança tecnológica.
“Se o mundo todo adotasse os carros elétricos hoje, meu negócio acabaria”, disse Terry Nakatsuka, diretor executivo da Jatco, empresa proprietária da fábrica que produz a transmissão.
Com sete mil funcionários, a Jatco é parte de um vasto ecossistema de montadoras e fornecedores que gera um a cada 10 postos de trabalho no Japão, contribui com um quinto das exportações nacionais e dá mais lucro do que qualquer outra indústria japonesa.
O Japão está na luta para garantir seu futuro em um mundo de carros elétricos. A Toyota, maior fabricante de automóveis do país, foi pioneira em híbridos gasolina-eletricidade, mas está cética em relação ao apetite dos consumidores por carros que funcionem apenas com baterias. Agora, sob pressão de rivais estrangeiros como a Tesla, a empresa diz que está desenvolvendo um lote de novos modelos elétricos.
O governo japonês está priorizando a mudança da próxima geração de veículos, mas os críticos dizem que sua abordagem não tem muito foco. Ele apostou alto nas células de combustível de hidrogênio, uma tecnologia alternativa às baterias recarregáveis que luta para conquistar apoio unânime.
O medo é que, mais uma vez, o Japão perca o bonde de uma grande mudança tecnológica.
No setor de consumo de eletrônicos, a transição para novos produtos como televisões de tela plana e leitores de música digital prejudicou as outrora onipresentes marcas japonesas. A inovação da era digital se tornou exclusividade do Vale do Silício, e a produção em massa ficou com a China.
Como resultado, alguns nomes do mundo da tecnologia – Sharp, Toshiba, Sanyo – também desapareceram, ou já não são tão lembrados pelos consumidores em todo o mundo como já foram.
“O que realmente coloca o Japão na defensiva é a ideia de que a revolução da tecnologia está chegando à indústria automobilística”, disse James Kondo, professor visitante da Universidade Hitotsubashi, em Tóquio, que já trabalhou com empresas de tecnologia nos Estados Unidos e no Japão.
“A indústria está no centro de tudo, não só econômica, mas psicologicamente, e está enfrentando uma mudança fundamental,” acrescentou.
Carros que não são movidos a gasolina ou a diesel têm uma pequena parcela do mercado mundial hoje, mas suas perspectivas parecem brilhantes.
Conforme as baterias vão ficando mais poderosas, seus preços vão caindo. A China, maior mercado automobilístico do mundo, está apostando alto em carros elétricos. A França e o Reino Unido anunciaram que vão diminuir gradualmente o mercado de carros movidos a combustível fóssil, visando combater a mudança climática.
Na feira anual Tokyo Motor Show, no final de 2017, alguns dos maiores fabricantes de carros do Japão procuraram dissipar as preocupações de que não estão investindo o suficiente em veículos elétricos.
A Toyota e a Honda exibiram com destaque seus novos protótipos elétricos. Antes, ambas haviam expressado dúvidas de que os carros que dependem inteiramente de baterias recarregáveis poderiam ser confiáveis, ou que seriam capazes de viajar longos trajetos, e por isso os consumidores não os adotariam.
Assim, seu foco se voltou para o desenvolvimento de carros que extraem energia de células de combustível de hidrogênio. O entusiasmo por essa tecnologia diminuiu em outros países, em parte porque exigiria uma infraestrutura de fornecimento de hidrogênio aos motoristas nova, enorme e cara.
O Japão está se tornando um promotor cada vez mais isolado da opção.
A Toyota exibiu um novo protótipo de célula de combustível na feira, ao lado de seu modelo elétrico. E o governo continua investindo em projetos transformadores, com planos para construir 320 postos de hidrogênio para carros até 2025.
“Está crescendo a tendência dos veículos elétricos e as vendas estão aumentando, mas não podemos ir para esse lado assim de repente”, disse em setembro Seko Hiroshige, ministro da Indústria do Japão, defendendo o compromisso do governo com o hidrogênio.
Nem todas as montadoras japonesas evitam os veículos elétricos. A Nissan foi uma das primeiras defensoras de carros movidos somente a bateria, apresentando o Leaf, seu modelo completamente elétrico, em 2010.
Outras montadoras estão agora começando a diversificar. Em janeiro, a Toyota anunciou uma parceria para desenvolver baterias com a Panasonic, que produz as baterias de íon-lítio da Tesla, a startup americana fabricante de carros elétricos. E disse que quer introduzir 10 novos modelos elétricos até o início dos anos 2020, com o objetivo de vender um milhão desses veículos por ano até 2030.
O acordo Toyota-Panasonic mostra como algumas indústrias que não são fornecedores automobilísticos tradicionais no Japão têm a ganhar com a mudança para veículos elétricos. A Panasonic, que perdeu bilhões de dólares na última década, quando sua produção de televisores encolheu, voltou-se para a indústria de autopeças, que hoje é sua divisão que mais rapidamente cresce, vendendo sensores e painéis, além de baterias.
Alguns integrantes do setor, apontando para os problemas da Tesla para expandir a produção, dizem que grandes empresas como a Toyota estão mais bem posicionadas para trazer os veículos elétricos para o mercado de massa.
Mas as rápidas mudanças na paisagem têm deixado muita gente da indústria nervosa. Como os celulares e televisores de hoje, os carros de amanhã podem se destacar, não tanto pela forma sólida com que são construídos, mas sim pelo software que os controla e pela habilidade com que são desenvolvidos e comercializados. A Apple e o Google, empresas de tecnologia com um talento especial para dar às pessoas o que elas querem, estão pensando em entrar no setor automobilístico.
“No futuro, a mobilidade não será exclusividade dos fabricantes de automóveis”, disse Akio Toyoda, executivo-chefe da Toyota.