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A Ferrero, dona da Nutella, cresce sem vergonha do açúcar

Compra da operação de doces da Nestlé dos EUA mostra que grupo italiano aproveita a pressão por produtos mais saudáveis para ganhar terreno

NUTELLA: um pote do creme de avelã é vendido a cada 2,5 segundos no mundo (Kai Pfaffenbach/Reuters)

NUTELLA: um pote do creme de avelã é vendido a cada 2,5 segundos no mundo (Kai Pfaffenbach/Reuters)

CA

Camila Almeida

Publicado em 17 de janeiro de 2018 às 18h12.

Num mundo que aperta cada vez mais o cerco contra o açúcar, a italiana Ferrero, empresa que detém marcas como Nutella, Ferrero Rocher, Kinder e Tic Tac, deu um passo ousado: adquiriu nesta terça-feira a operação de doces e chocolates da Nestlé nos Estados Unidos. A aquisição, avaliada em 2,8 bilhões de dólares, é parte de uma estratégia da empresa de ampliar sua atuação em solo americano – a empresa já havia feito duas aquisições de grupos americanos ano passado. Com a compra, passam a fazer parte do portfólio da companhia marcas como Crunch, que colocam a Ferrero no posto de terceira maior fabricante de doces dos Estados Unidos e do mundo.

O novo investimento mostra que os italianos trilham caminho diferente de alguns concorrentes. A suíça Nestlé, maior fabricante de alimentos do planeta, se desfez da operação de doces nos Estados Unidos por mudança de hábitos dos consumidores e pressão de analistas e acionistas para investir em produtos mais saudáveis. Outras fabricantes de alimentos, como a anglo-holandesa Unilever, seguem caminho semelhante, apostando em produtos orgânicos e mais de acordo com o espírito dos dias de hoje.

Pois a Ferrero aproveita a brecha para ganhar terreno mundo afora com produtos açucarados, sim. Afinal, pessoas mundo afora vão continuar gastando bilhões e bilhões de dólares por ano com produtos açucarados. Especialmente com Nutella, o creme de avelãs que virou um ícone pop e tem puxado o crescimento do grupo. Um pote de Nutella é vendido a cada 2,5 segundos no planeta, o que ajudou o faturamento da Ferrero a bater, em 2017, a marca de 10 bilhões de euros, numa alta de 7% em relação ao ano anterior. O lucro cresceu de 514 milhões para 793 milhões de euros no mesmo período.

Numa mostra que não está mesmo preocupada com a patrulha anti-açúcar, a empresa mudou ano passado sua receita de Nutella, deixando-a mais açucarada e com cor marrom menos intensa, devido à adição de mais leite em pó desnatado. A versão agora conta com 56,3% de açúcar, contra 55,9%. Os consumidores perceberam a mudança e chegaram a lançar uma campanha nas redes sociais com a hashtag #boycottNutella. A Ferrero respondeu que a qualidade e os ingredientes do produto continuavam os mesmos.

O fato é que há um movimento global das fabricantes por produtos menos calóricos e mais saudáveis, criado em 2017, que incluiu Mars, Nestlé, Lindt, Ferrera Candy e a própria Ferrero. Elas se comprometeram a vender 50% dos seus produtos em embalagens contendo menos de 200 calorias e a colocar a informação energética na frente da embalagem. Foi o primeiro anúncio coletivo que a indústria de doces fez para atender uma cobrança pela promoção de mais saúde e bem-estar. Por trás do marketing, a Ferrero investe para crescer.

Uma pesquisa de mercado consultoria Research and Markets apontou que o setor de confeitaria americano vai continuar crescendo, mesmo que timidamente, nos próximos cinco anos. Entre 2017 e 2021, estima-se uma alta de 1,68% ao ano.

No Brasil, as marcas também estão precisando se reinventar para se adequar às novas demandas do setor, de acordo com o consultor Adri Vicente Junior, diretor da Food Service Company, consultoria especializada no mercado de alimentos. “As empresas que fabricam chocolates estão apostando na expansão no território, com maior demanda por abertura de lojas e franquias, maior até do que a expansão da produção”, afirma.

O avanço no mercado americano e o crescimento acelerado marcam a chegada da segunda geração ao comando da empresa. Michele Ferrero, o criador da Nutella, morreu em 2012 aos 89 anos depois de rejeitar por cinco décadas crescer via aquisições. O novo controlador, Giovanni Ferrero, assumiu com o objetivo de acelerar o passo, sem deixar de lado a história de um grupo fundado em 1946. Em 2013, quando a Nestlé tentou comprar a Ferrero, ele publicou anúncios em jornais italianos dizendo que a Ferrero não tinha o menor interesse de deixar de ser um grupo familiar.

Giovanni Ferrero escolheu ano passado o primeiro executivo profissional a assumir a presidência da companhia, Lapo Civiletti, um ex-diretor do grupo. Segundo analistas, à frente de um grupo familiar fechado, Civiletti e Ferrero têm menos pressão de acionistas e de grupos sociais por aderir a produtos mais saudáveis. Quatro anos depois de o grupo negar a oferta da Nestlé, conseguiu dar o troco comprando a operação da concorrente nos Estados Unidos.

Na disputa pela preferência do consumidor americano, a Ferrero deve bater de frente, até 2021, com Hershey, Mars, Mondelez, e Lindt & Sprngli, segundo pesquisa da com a pesquisa da Research and Markets. Não vai ser fácil, mas os italianos acreditam no poder da Nutella para continuar desafiando os “modernos” padrões de consumo.

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