Membros da aldeia do Jaraguá protestam contra reintegração de posse de terreno da Tenda (Comissão guarani yvyrupa/Divulgação)
Mariana Desidério
Publicado em 10 de março de 2020 às 12h32.
Última atualização em 11 de março de 2020 às 11h33.
Um grupo de indígenas ocupa há cerca 40 dias um terreno da construtora Tenda na região do Jaraguá, zona norte de São Paulo. O objetivo da construtora é criar ali um empreendimento com até 2 mil imóveis. Mas o terreno é vizinho da Terra Indígena do Jaraguá, onde vivem cerca de 800 guaranis. Assim que a construtora começou a derrubar as árvores para iniciar as obras, a aldeia organizou uma ocupação do local.
Após mais de um mês de ocupação, a construtora conseguiu um mandato de reintegração de posse. A Polícia Militar foi ao local nesta terça-feira para realizar a reintegração de posse. Após negociação com o comando da Polícia Militar, os guaranis deixaram o terreno da construtora na tarde de ontem e se transferiram para a frente do portão do terreno. O objetivo é continuar resistindo à derrubada das árvores.
A construtora tem a permissão para derrubar 528 árvores para a fase inicial do empreendimento. Os guaranis temem que a derrubada seja ainda maior nas fases seguintes do projeto. Na semana passada, acatou uma decisão da Justiça Federal que determinou a paralisação das obras até o dia 6 de maio. O grupo de indígenas reclama que o licenciamento para o empreendimento não levou em conta os impactos que o projeto pode causar à aldeia. Eles exigem que a construtora realize um estudo de impacto ambiental e social com componente indígena, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
“Não estamos questionando a posse do terreno, mas a forma como o projeto foi licenciado”, afirma Thiago Henrique Karai Jekupeá, da aldeia Yvy Porã. Por conta da natureza da reivindicação, os indígenas dizem que o tema só pode ser discutido na Justiça Federal, e questionam a reintegração de posse concedida pela Justiça Estadual.
Além do corte das árvores, os indígenas acreditam que a maior presença de não índios na região pode gerar hostilidade contra os membros de sua aldeia. “O avanço da cidade para perto da nossa aldeia aumenta situações de preconceito e o resultado é que nossos jovens entram em depressão, não conseguem se encontrar nesse mundo. Mas o real impacto da obra só poderá ser medido com esse estudo detalhado que estamos pedindo”, afirma.
O terreno em questão é tema de projeto de lei apresentado em fevereiro pelo vereador Eliseu Gabriel (PSB), que visa transformá-lo em um parque municipal. “Se a medida não for efetuada o proprietário do terreno poderá dar continuidade ao desmatamento da área e que o solo seja impermeabilizado para a construção do empreendimento previsto, gerando prejuízos à saúde dos moradores da região e da metrópole”, diz o texto do PL 52/2020.
A Tenda afirma que o projeto de seu empreendimento prevê a preservação de 50% da área e levará infraestrutura e saneamento básico à região. A empresa afirma ainda que ontem, antes de uma audiência pública sobre o caso na Câmara de Vereadores de São Paulo, a sede da Tenda foi invadida e depredada por líderes indígenas armados que mantiveram funcionários sob ameaça de arcos e flechas.
Natalício Karai de Souza, uma das lideranças indígenas que estiveram ontem na sede da companhia, afirma que o objetivo do grupo era negociar uma saída para reintegração de posse e diz que não houve violência ou ameaça. “Fomos de forma pacífica. Os funcionários deles até nos serviram café”.
A Tenda tem sua operação bastante atrelada ao programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, e atua principalmente nas faixas 1,5 e 2 do programa. A companhia vale 3,3 bilhões de reais na bolsa de valores B3.