A aventura ocidental da Rakuten
Letícia Toledo, de San Mateo Com mesas de pebolim e ping pong e uma enorme cafeteria com frutas, doces e bebidas à disposição de seus funcionários, a sede da empresa de comércio eletrônico japonesa Rakuten no Vale do Silício parece bem acomodada ao estilo da região. O mesmo pode-se dizer do presidente da companhia no […]
Letícia Toledo
Publicado em 22 de fevereiro de 2017 às 18h14.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h38.
Letícia Toledo, de San Mateo
Com mesas de pebolim e ping pong e uma enorme cafeteria com frutas, doces e bebidas à disposição de seus funcionários, a sede da empresa de comércio eletrônico japonesa Rakuten no Vale do Silício parece bem acomodada ao estilo da região. O mesmo pode-se dizer do presidente da companhia no país, Yaz Iida, que anda pelo escritório em San Mateo com o “uniforme” dos CEOs da região – camiseta, calça jeans e tênis. Já de seus negócios no país não se pode dizer o mesmo.
Há quase 12 anos nos Estados Unidos, a companhia ainda é uma desconhecida dos consumidores americanos e não consegue avançar na competição com as gigantes Amazon, eBay e Walmart. “No Japão estamos acostumados a ser número um, aqui o mercado é o mais concorrido do mundo. Achamos que seria fácil nos desenvolver, mas não foi”, diz Iida.
Apesar do fracasso inicial, a companhia acredita que está prestes a mudar este cenário moldando seu e-commerce ao gosto dos americanos. A Rakuten quer personalizar anúncios e ofertas de acordo com as preferências de cada cliente e atrair mais americanos para o seu programa de fidelidade, que atualmente tem quase um bilhão de membros ao redor do mundo, oferecendo mais descontos.
Para isso, a Rakuten decidiu reunir todas as startups que comprou nos últimos anos em uma nova sede. O prédio espelhado de seis andares que sustenta o discreto nome da Rakuten em seu topo agora abriga os funcionários de empresas como a do serviço de streaming de vídeos Viki e do o site de compras Ebates, startups que a Rakuten comprou nos últimos anos. “Agora todos podem se comunicar”, afirma Iida mostrando um dos andares – sem nenhuma divisória ou baias separando os funcionários. O mesmo deve acontecer com a base de dados dessas empresas, que serão reunidas em um único sistema – criando uma enorme plataforma de dados para entender seus consumidores.
Foi com esse modelo de negócios que a Amazon se tornou a varejista online mais bem-sucedida do planeta, ainda no início da década passada. Com algoritmos poderosos e um banco de dados gigantesco, a Amazon prevê quem tem mais propensão a comprar um DVD do filme O Poderoso Chefão e até mesmo quando suas clientes terão bebês e com isso oferecer o que os seus clientes realmente querem.
“Nós temos um programa de fidelidade com mais de um bilhão de clientes ao redor do mundo em diferentes áreas. Temos o Viber, um aplicativo de mensagens, o Ebates, que oferece cupons de descontos para compras e o Viki, nossa plataforma de vídeos. A Amazon e o eBay não têm dados em todas as áreas que temos”, diz Iida.
A Rakuten chegou aos Estados Unidos em 2005, quando comprou a empresa de publicidade online LinkShare por 425 milhões de dólares – a sua maior aquisição até então e o primeiro passo para expandir suas operações para fora do Japão. Com isso, a empresa abriu um escritório no Vale do Silício e desde então adquiriu partes ou a totalidade de mais de 30 startups ao redor do mundo, a maioria delas nos Estados Unidos.
Entre os principais investimentos, em 2010 a companhia comprou o marketplace Buy.com por 250 milhões de dólares; em 2011 a Rakuten pagou 315 milhões de dólares no leitor de livros digitais Kobo; em 2012, liderou uma rodada de investimentos no site de compartilhamento de imagens Pinterest no valor de 100 milhões de dólares; em 2013, adquiriu o serviço de streaming de vídeos Viki por 200 milhões de dólares; a maior aquisição foi o site de compras Ebates, em 2014, por quase 1 bilhão de dólares; em 2015, liderou uma rodada de investimentos no aplicativo Lyft, concorrente do Uber, de 500 milhões de dólares.
“Para ser honesto, compramos empresas que achávamos interessantes, mas sem uma estratégia definida. Depois decidimos que precisávamos construir um negócio único nos Estados Unidos e então – depois das aquisições – ficou claro que nós temos um negócio que é único quando se trata de dados”, afirma Iida.
O empreendedor Mikitani
A relação da Rakuten e de seu fundador, Hiroshi Mikitani, com os Estados Unidos vem de muito antes de 2005. Em 1993, com 28 anos, Mikitani foi um dos 120 funcionários do principal banco do Japão, o Banco Industrial do Japão, a ganhar uma viagem aos EUA para estudar na Harvard Business School. Com a descoberta de um mundo totalmente novo, Mikitani ouviu uma palavra que nunca tinha aprendido em suas aulas de inglês no Japão: entrepreneur (empreendedor).
O empurrão para sair do banco veio em janeiro de 1995 com o terremoto de 7,3 graus que atingiu sua cidade natal, Kobe, deixando 6.434 mortos, entre eles um tio e uma tia e muitos de seus amigos. “Eu percebi que qualquer coisa poderia acontecer. Nada é eterno “, disse Mikitani em uma entrevista ao jornal Financial Times anos depois.
Em 1997 nascia a Rakuten, que começou com Mikitani, seis funcionários e um pequeno marketplace com 13 lojas. Com seu site, o Rakuten Ichiba, Mikitani queria oferecer uma plataforma a pequenos comerciantes para que eles pudessem montar lojas online com toda a infraestrutura da Rakuten, cobrando uma taxa mensal fixa. Desde então, a Rakuten se tornou um gigante do comércio eletrônico com cerca de 12.000 funcionários, mais de 42.000 lojas e vendas de 5 bilhões de dólares. O sucesso da Rakuten transformou Mikitani no quinto homem mais rico do Japão, com uma fortuna de 5,7 bilhões de dólares, segundo a revista Forbes.
O grupo Rakuten é muito mais do que uma companhia de comércio eletrônico. No Japão, a empresa é dona de um banco online e uma agência de viagens, por exemplo. Os clientes que fazem parte do programa de fidelidade do grupo recebem descontos por usarem um cartão de débito do Rakuten Bank, reservar um salão pelo site Rakuten Beauty ou comprar uma apólice da Rakuten Insurance.
A companhia também tem ligações com diferentes esportes. Em 2004 Mikitani resgatou o time de futebol de sua cidade, o Vissel Kobe, que beirava a falência. Dez anos depois, a Rakuten comprou o time de baseball Rakuten Eagles. Nas suas operações no Japão, os quase 90 milhões de clientes membros do programa de fidelidade ganham desconto para comprar no site da Rakuten quando os times da companhia ganham um jogo.
Para ganhar fama no ocidente, o novo plano da Rakuten também inclui associar seu nome ao de um grande nome do esporte. Em novembro do ano passado, a marca se tornou patrocinadora oficial do Barcelona, em contrato que vai até junho de 2021.
Os problemas no Japão
A necessidade da companhia de traduzir seu sucesso em outros países é reflexo de um mercado onde a perspectivas não são lá tão animadoras. O Japão tem o terceiro maior mercado de comércio eletrônico do mundo, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Hoje há 80 milhões de japoneses que fazem compras online. O problema é que esse número representa quase 74% de todos os usuários de internet no Japão.
Mas a população do país está diminuindo e a economia não avança. A expectativa é de que a população diminua cerca de 30% até 2060. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômica estima que o PIB japonês crescerá a uma média de 0,81% ao ano até 2020 e de 0,75% ao ano entre 2021 e 2030.
Com mentalidade internacional, a Rakuten usa princípios meritocráticos e estimula a competição entre seus funcionários, uma prática pouco comum no Japão. Também faz questão de que todas as suas reuniões entre executivos, funcionários e com investidores sejam feitas em inglês.
A estratégia para se tornar uma companhia global também fez a Rakuten desembarcar no Brasil em 2011, quando comprou a fornecedora de serviços de comércio eletrônico Ikeda. Quase seis anos depois, as operações da companhia no país ainda são pouco conhecidas. “Viemos para o Brasil com a mesma estratégia usada no Japão, mas isso não funcionou por aqui”, diz René Abe, que foi nomeado presidente da Rakuten no Brasil em julho de 2016.
Abe foi responsável pela mudança de estratégia da Rakuten no país. No modelo antigo, a Rakuten funcionava como um marketplace comum – no site oficial do grupo, lojistas brasileiros podiam anunciar e vender seus produtos. Agora, o foco principal da empresa é prestar serviços para ajudar o lojista a desenvolver seu próprio site e conectá-lo a operadores logísticos e marketing.
Apesar dos esforços para se tornar global, mais de 70% de suas receitas ainda vem do Japão. A companhia fechou, no ano passado, seu site de comércio eletrônico no Reino Unido, Espanha, Austrália, Singapura, Indonésia e Malásia e focou suas operações na França e Alemanha, mercados onde enxerga mais potencial.
Desde 2010, quando a empresa adotou uma estratégia mais expansiva, seus lucros cresceram 66%, somando 26,4 bilhões de ienes (cerca de 234 milhões de dólares) nos nove meses de 2016 até setembro. Já a receita chegou a 781,9 bilhões de ienes (6,9 bilhões de dólares) em 2016, o dobro do resultado de 2010. Parece muito, mas não é. Seu principal concorrente chinês, o grupo Alibaba, faturou 17,24 bilhões de dólares nos últimos nove meses – mais de 20 vezes o seu resultado de 2010. Na varejista Amazon, as receitas somaram 136 bilhões de dólares em 2016, quatro vezes mais do que em 2010.
Enquanto a Rakuten tenta se firmar no Ocidente, a Amazon avança no Japão. Em 2015, último dado disponível, a receita da Amazon no Japão alcançou 8,2 bilhões de dólares, enquanto as receitas da Rakuten no país no mesmo período somaram 5,07 bilhões de dólares. “As vendas da Amazon no Japão confirmam que ela continua crescendo mais rápido do que a Rakuten”, afirmam analistas do banco Morgan Stanley em relatório.
Analistas também parecem céticos sobre até onde os planos internacionais da Rakuten podem ir. “Os investimentos ou grandes fusões e aquisições da Rakuten em outras empresas dificilmente contribuirão para o lucro, pelo menos por enquanto e as perdas em novos negócios se mantém”, afirmam analistas do Morgan Stanley. A Rakuten quer conquistar o mundo, mas não pode esquecer o Japão.