Apple na China: o sucesso do iPhone e surpresas com iPad e relógios renovaram a esperança na companhia (Aly Song/Reuters)
EXAME Hoje
Publicado em 4 de agosto de 2017 às 16h58.
Última atualização em 4 de agosto de 2017 às 16h58.
A Apple andava em baixa nas últimas semanas. Não a ponto de deixar de ser a empresa mais valorizada do planeta. Mas os analistas se queixavam do declínio nas vendas do iPhone e a demora da companhia em acenar com alguma grande inovação para tomar seu lugar.
E então, na terça-feira 1, tudo mudou. Depois da divulgação de resultados do trimestre, a euforia voltou. E redobrada. Com a alta de mais de 6% no valor de suas ações no dia seguinte, a Apple passou a ser avaliada em 830 bilhões de dólares.
Essa cifra imediatamente ressuscitou os comentários de que a Apple deverá se tornar a primeira empresa da história a atingir o valor de 1 trilhão de dólares – o que equivalente a meio PIB do Brasil.
Segundo o analista Amit Daryanani, da consultoria RBC Capital Markets, a Apple poderia atingir esse patamar “nos próximos 12 a 18 meses”. Para isso, claro, teria que manter o encantamento mundial com seus produtos e serviços, que levam ao embevecimento de investidores. Foram estes últimos que fizeram as ações da empresa se valorizarem 38% este ano até aqui, quase quatro vezes mais que a média do mercado americano, de 10,6%.
O relatório do terceiro trimestre fiscal da empresa, que causou essa nova comoção, foi de fato muito positivo. A receita cresceu 7,2%, atingindo 45,4 bilhões de dólares, meio bilhão acima das projeções de analistas.
Mais que isso: em vez do declínio na divisão de celulares, a Apple vendeu 41 milhões de iPhones. Com esse acréscimo, o total de iPhones vendidos até hoje passou de 1,2 bilhão, mais que um sétimo da população mundial. Até o iPad, que supostamente sofre pelo fim da febre dos tablets, vendeu acima das expectativas (esperavam-se 9 milhões, venderam-se 11,4 milhões). E as vendas do relógio, considerado um quase fiasco da Apple, subiram 50%.
A Apple tem em caixa assombrosos 261,5 bilhões de dólares, uma quantia maior do que o PIB da Finlândia, de Portugal, da Nova Zelândia e de dezenas de outras nações (só 41 países têm um PIB maior do que isso).
Mas o que realmente animou os investidores não foram os resultados do terceiro trimestre. Foi a expectativa para o quarto. O consenso dos analistas era de um faturamento de 49,2 bilhões de dólares, e a Apple disse esperar vendas entre 49 bilhões e 52 bilhões de dólares. Com base nisso, analistas avaliaram que o lançamento da próxima geração de iPhones não vai atrasar.
Embora a Apple tenha se transformado numa empresa dependente de um único produto, o iPhone tem mostrado uma impressionante capacidade de se manter como objeto de desejo – e sustentar altas margens de lucro para a empresa. Além das atualizações dos modelos de iPhone 7, o próximo celular (que marca os dez anos do produto) deverá vir com grandes novidades, como um corpo inteiro de vidro, reconhecimento facial em três dimensões, carregamento sem fio e a ausência de botão Home. Espera-se que isso leve os fãs a trocar de modelo em níveis tão altos quanto os de 2015 – nesse caso, a previsão de vendas da Apple pode se mostrar até conservadora demais.
Esses números reafirmam o favoritismo da Apple para chegar ao mítico valor de 1 trilhão de dólares – um número com 13 dígitos. Mas estão longe de garantir a façanha. O trilhão é um fetiche dos analistas de negócios há bastante tempo. Em 2012, a própria EXAME, entre outras publicações, já falava da possibilidade de a Apple chegar lá.
Para alguns analistas, ela até já deveria ter batido esse número. Em 2015, a corretora Cantor Fitzgerald considerou que as ações da Apple estavam subvalorizadas, dados os prognósticos de penetração no mercado chinês e o lançamento do relógio Apple Watch, e que ela já devia estar valendo até mais do que 1 trilhão de dólares.
Será que esse “erro do mercado” vai ser corrigido tão cedo? Para chegar à marca, as ações da Apple ainda têm que se valorizar cerca de 25%. Não é impossível, mas não é nada fácil. Quando uma empresa tem uma participação de mercado da ordem que a Apple tem, torna-se mais complicado promover mudanças – pelo medo de alienar a base de consumidores.
Isso explica por que o iPhone, tão revolucionário no início, foi lento em adotar inovações como modelos de tamanho grande e a tela Amoled (que deve chegar só agora, anos depois de alguns concorrentes). No computador Mac Pro, o processador tem quase quatro anos de vida, e a interface gráfica é a mesma desde 2012.
Além disso, está nos planos para o futuro próximo uma recompra de ações e um aumento no pagamento de dividendos aos acionistas. A recompra dificulta o caminho rumo ao trilhão porque quanto menos ações, maior precisa ser o seu valor para atingir a marca. E o aumento dos dividendos é também um obstáculo, embora mais indireto: ele desvia, para o bolso dos acionistas, recursos que poderiam ser aplicados para levar ao mercado produtos novos, capazes de dar novo impulso à Apple.
Isso não quer dizer que a marca do trilhão não será alcançada. O próprio crescimento da economia acabará levando a ela. Se não por méritos das empresas, pela mera evolução da inflação. A questão não é tanto se, mas quando. E, claro, quem. Porque a Apple pode estar na frente, mas não é a única empresa com chances de chegar lá.
Pela primeira vez na história, seis empresas estão avaliadas em mais de 400 bilhões de dólares: Apple, Alphabet, Microsoft, Amazon, Facebook e Berkshire Hathaway (o fundo do megainvestidor Warren Buffett). Em tese, são todas fortes contendoras – embora Buffett tenha comprado ações da Apple e dito que aposta nela.
A Microsoft, a rigor, já esteve mais perto do trilhão do que a Apple. Em 1999, no auge do seu poder, ela valia 619 bilhões – em dinheiro de hoje, seria algo como 890 bilhões de dólares. Mas aí veio o estouro da bolha da internet, e a companhia chegou a perder dois terços de sua cotação. A recente revolução promovida pelo CEO Satya Nadella a coloca de volta ao jogo, com a aposta nos serviços de nuvem.
A Alphabet é o concorrente mais próximo. A holding que controla o Google já chegou a ultrapassar a Apple como empresa mais valiosa do mundo, durante um breve período em fevereiro. Com valor de mercado de cerca de 650 bilhões de dólares, ela tem os mesmos problemas de gigantismo da Apple.
A Amazon é um concorrente em quem muita gente aposta, especialmente com a entrada no varejo físico, com a compra da rede de supermercados Whole Foods, e o crescimento nos serviços de computação em nuvem. O banco de investimentos Barclays aponta a empresa como forte contendora. Mas como ela precisaria dobrar de valor para chegar lá, a previsão é de um caminho de uma década.
Seu maior problema é a margem de lucro de apenas 1,7%, ou 628 milhões de dólares, para uma receita de 150 bilhões. O Facebook, na metade do caminho rumo ao trilhão de dólares, seria o próximo concorrente. O maior trunfo é sua expansão acelerada em propaganda digital.
Uma surpresa pode vir de fora do mundo da tecnologia. A estatal de energia da Arábia Saudita, a Saudi Aramco, está em processo de se tornar uma empresa aberta. Por controlar 18% das reservas mundiais de petróleo, há quem diga que ela poderá bater a marca não de 1 trilhão, mas logo de 2 trilhões de dólares.
Mas essas previsões estão longe de ser consenso. Há quem calcule o valor da Saudi Aramco como de “apenas” 400 bilhões de dólares. É muito, mas é só meia Apple.