Varejo: Ainda que seja necessário se adaptar às mudanças, o caminho a ser seguido é incerto (Foto/Thinkstock)
Karin Salomão
Publicado em 1 de junho de 2017 às 11h51.
Última atualização em 1 de junho de 2017 às 15h47.
São Paulo – A forma como compramos está mudando drástica e rapidamente. O crescimento das vendas pela internet, consumidores mais exigentes e o avanço da tecnologia obrigam empresas a transformar seu modelo de negócios – e, muitas vezes, até sua mentalidade.
Ainda que seja necessário se adaptar às mudanças, o caminho a ser seguido é incerto. O grande desafio é que, com tantas mudanças e inovações, não há uma receita de bolo para o sucesso, diz Eco Moliterno, diretor de criatividade da Accenture Brasil. “Não há um único modelo a ser copiado, ao contrário de transformações anteriores”, afirmou.
As mudanças que ocorrem hoje fazem parte da quarta grande onda do varejo. A primeira foi a das lojas familiares de bairro. Depois, vieram vendas por catálogo, como a Sears. Lojas gigantes e que ofereciam preços muito baixos, como Walmart, foram a onda seguinte. Agora, a Amazon é a protagonista da transformação digital, afirmou Shawn Mishra, vice-presidente de produtos e recursos da Cognizant, consultoria em tecnologia.
Por enquanto, as vendas on-line ainda têm uma participação pequena em relação ao total do comércio. Nos Estados Unidos, representam cerca de 10% das vendas totais. A média global é de 7% e, no Brasil, 4%.
No entanto, essa fatia deverá crescer rapidamente. Por isso, é momento de testar e estudar as melhores práticas para esse mercado e evitar grandes erros no futuro. “A cada onda de inovação, as empresas que não se atualizaram para o novo mercado acabaram morrendo. Agora, no entanto, a velocidade de mudanças é muito maior”, disse Moliterno.
EXAME.com conversou com diversos especialistas para entender as principais tendências do futuro do varejo. Confira o levantamento abaixo.
Com as compras online, a lealdade do consumidor fica mais fluida. Afinal, a concorrência está só a um clique de distância. Por isso, as empresas precisam criar novas maneiras de engajar o consumidor.
Um exemplo, segundo Juliano Tubino, diretor de liderança digital da Accenture Brasil, é o das boutiques de café da Nespresso. A empresa, que vendia seus produtos apenas para outras varejistas, passou a vender diretamente ao consumidor final. “A experiência se torna mais rica e a marca se posiciona como algo luxuoso”, disse ele.
Nesse caso, o online impulsionou o off-line. Como o Nespresso Clube surgiu na internet, a empresa já sabia exatamente em quais regiões estavam os seus clientes e onde deveria abrir suas lojas.
O comércio eletrônico irá obrigar as lojas a se transformarem. Centenas delas, principalmente nos Estados Unidos, fecharam nos últimos anos. “O número de lojas hoje está muito alto”, afirmou Shawn Mishra, da Cognizant. “Antes era preciso ter muitas unidades para estar perto do consumidor. Hoje, com a internet, isso não faz muito sentido”.
Por isso é necessário criar novos papéis para os locais físicos. Além de serem um ponto de contato do consumidor com a marca, como descrito no item anterior, as lojas também podem ser um apoio para as vendas on-line.
O exemplo brasileiro mais conhecido é o Magazine Luiza, que pretende ser “uma empresa digital com pontos físicos”. Hoje, as vendas online são responsáveis por 22,5% de todo o faturamento da companhia.
A plataforma de vendas e estoque é a mesma para os dois canais, assim como os centros de distribuição, logística de transporte e equipe no escritório. O mesmo caminhão que leva o estoque para uma loja em uma determinada região também pode entregar as compras feitas pelo site. Além disso, o consumidor pode comprar pela internet e optar por recolher na loja, sem pagar o frete.
Algumas empresas levaram a integração ao extremo: nos supermercados Amazon Go, o consumidor precisa apenas se identificar ao entrar na loja. Ele faz as compras e sai, sem passar no caixa, já que um sofisticado sistema de câmeras contabilizou todos os itens escolhidos.
Que as compras feitas pelo smartphone crescem a passos largos não é mais novidade. A inovação vem com outros produtos que também podem realizar compras, de acordo com Teo Correia, diretor da Accenture Brasil e autor do livro The Fluid Consumer.
Um exemplo é o dos “dash buttons”, botões conectados à internet da Amazon que podem fazer o pedido de itens específicos e recorrentes, como detergente de louça, água ou ração para animais de estimação.
Nas lojas tradicionais, o único dado que a empresa tinha sobre seu consumidor eram os números de vendas, mas não conseguia saber o que estava ao redor do momento de compra.
Agora, com redes sociais e internet, é possível conhecer o cliente por inteiro. Para Claudia Sciama, diretora de varejo do Google Brasil, é indispensável saber quem é o seu consumidor, onde ele está e quais os seus gostos.
O case mais famoso, ainda que não relacionado ao varejo, é o da Netflix. De posse de montanhas de dados sobre o que os clientes assistem, a empresa começou a criar conteúdos moldados ao gosto de cada um deles. A série Stranger Things só foi criada porque a companhia percebeu que muitos estavam interessados em entretenimento dos anos 1980.
Outra tendência do varejo é incorporar práticas e experiências de outros setores. Se no Uber permite que o consumidor resolva tudo pelo celular sem sair do carro nem encostar em sua carteira para pagar, a expectativa do mesmo consumidor é encontrar o mesmo nível de eficiência em tudo.
A Starbucks é uma das empresas que adotou o pedido e pagamento sem ficção. Com o aplicativo, o consumidor pode pedir e pagar pelo seu café com o celular e retirar o produto na loja. A inovação diminui o tempo em filas e já responde por 7% do total de vendas nos Estados Unidos.
Outro case é a parceria da Visa com o Restorando. Ao fazer uma reserva em um restaurante pelo site, o consumidor também pode optar pelo Visa Checkout como forma de pagamento. Assim, quando terminar a sua refeição, não precisa esperar o garçom chegar com a conta: é só pagar pelo aplicativo e pronto. Hoje, 46 restaurantes de São Paulo já usam esse serviço.
O varejo tradicional tem momentos muito bem definidos: primeiro, o consumidor se conecta à marca, conhece o produto, decide comprar e, por fim, recebe sua compra.
Hoje, a jornada linear não faz mais tanto sentido, diz Tubino. A pessoa pode, por exemplo, conhecer o produto pela internet e, ao retirar na loja, ter seu primeiro contato com a marca.
Esse caminho também passa por diversos canais diferentes. O consumidor pode ir a uma loja para tocar ou experimentar um produto que conheceu pela internet, o que torna essencial os canais precisarem estar integrados e coesos.
Na mão de cada consumidor, há um mundo de conhecimento. Com os smartphones, redes sociais e resenhas de produtos nos próprios sites de compra, os clientes passam a saber mais sobre o produto que querem comprar - às vezes, mais até do que os próprios vendedores.
Para Mishra, as empresas podem usar isso ao seu favor. Seja na internet ou no meio físico, a marca pode fornecer informações sobre seu produto de forma a construir uma história e envolver o cliente.
O marketing da Nike é um bom exemplo disso. A companhia, que construiu sua história se conectando a grandes atletas, também está ajudando seus consumidores a contar sua própria história.
Com o aplicativo Nike+, a fabricante de calçados coleta dados sobre o rendimento dos seus consumidores, envia dicas de treinos e sugere os melhores tênis para cada atividade.
Outra forma de fazer compras é ainda mais distante do modelo tradicional de lojas físicas: uma simples conversa com um robô, também chamado de chatbot. O consumidor pode pedir a uma inteligência artificial que procure opções de um determinado produto e até que faça a encomenda.
A ideia, que parece futurista demais, já é real. A Alexa, assistente virtual da Amazon, realiza compras a partir de conversas de voz.
Há também casos brasileiros. Já é possível fazer compras no Shopfácil, marketplace do banco Bradesco, apenas conversando com um robô. A partir do chat do Facebook, o consumidor pode escolher um produto, colocar no carrinho e fazer o pagamento pelo Visa Checkout, sem ser redirecionado para outra página.
Criado em parceria com a Visa, o robô foi ao ar em novembro e a integração com o Visa Checkout veio em abril deste ano. Desde que o serviço foi lançado, há seis meses, consumidores já interagiram com ele mais de 200 mil vezes. “Queremos desconstruir o cartão e mostrar que existem outras formas diferentes de pagar”, afirmou Renato Rocha, vice-presidente de soluções para comércio da Visa.
A operadora de cartões também tem um chatbot no Facebook para falar de finanças pessoais, o Finanças Práticas. Em breve, ela deverá lançar outro robô, dessa vez para tirar dúvidas sobre parcelas, pagamentos, ofertas de descontos e benefícios como seguro viagem.