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6 questões cruciais sobre mudanças climáticas para acompanhar em 2022

Das promessas para a ação: depois de todos os compromissos firmados ao longo de 2021, o que veremos de concreto no combate ao aquecimento global este ano?

O acordo para acabar com o desmatamento foi uma das grandes conquistas da COP26 e cumprir essa meta depende do que for colocado em prática a partir de agora (Andre Dib/Pulsar)
GS

Gabriella Sandoval

Publicado em 27 de janeiro de 2022 às 08h00.

Especialistas do World Resources Institute ( WRI ) apresentam todo janeiro as principais questões relacionadas à sustentabilidade para acompanhar durante o ano. Na 19ª edição do Stories to Watch, evento que aconteceu neste mês, a grande pergunta foi: 2022 será o ano em que governos e empresas vão enfim traduzir seus compromissos climáticos em ação?

Nesta década crítica para o clima, líderes globais anunciaram uma infinidade de iniciativas para frear o aquecimento global e criar um planeta mais sustentável – mas nem tudo saiu do papel. Em um momento em que o mundo começa a emergir da pandemia de Covid-19, todos esperam que seja a hora de colocar as promessas em prática.

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Confira a seguir as seis histórias para acompanhar com atenção, que o WRI enxerga como determinantes no ano, nas palavras do novo presidente e CEO da Instituição, Ani Dasgupta.

1. NET ZERO: os compromissos anunciados vão ganhar credibilidade?
“Mais de 80 países se comprometeram a reduzir as emissões de carbono até 2050, de forma a zerar seu balanço (emitir CO2 na mesma medida em que retira da atmosfera), mas isso vem sendo desacreditado. O grande fator para esse ceticismo é que 2050 parece estar muito distante, como uma desculpa para deixar para depois, e as pessoas que estão assumindo esse compromisso agora não estarão 28 anos após para cumprir.

Então, como trazer credibilidade a essas promessas? É preciso focar nas ações atuais, não somente fazer planos de longo prazo. Para chegar ao net zero em 2050, as ações têm que ser executadas agora – hoje, amanhã, depois de amanhã. Isso vai aumentar a credibilidade. Segundo ponto: fazer planos transparentes, para que o progresso seja percebido.

A maior parte do G20 se comprometeu com o net zero. A China, por exemplo, assumiu o compromisso para 2060, porém suas metas intermediárias, para 2030, não são tão ambiciosas. Por isso, fica a pergunta: a China vai trazer metas mais confiáveis para 2030? O Brasil e a Austrália se comprometeram com 2050, mas não com 2030. Como acreditar na capacidade desses países para 2050 sem um planejamento claro para o fim desta década?

Em Bali, neste ano, no encontro do G20, os países terão a oportunidade de apresentar planos de ação mais concretos. Juntos, esses 20 países produzem 75% das emissões globais de carbono. Então, suas ações têm impactos além de suas fronteiras. Cada país importa, cada ação importa.”

Momentos para prestar atenção: na política
Eleição presidencial na França (abril)
Eleições presidencial e legislativa na Colômbia (março, maio e junho)
Eleições presidencial e estaduais no Brasil (outubro)
Eleições de meio de mandato nos EUA (novembro)

2. CARVÃO: teremos uma transição suave e justa para a energia renovável?

“O mundo sabe dos danos do carvão, a ciência prova que é algo muito nocivo. Porém, a transição não tem sido fácil, pois o carvão é uma fonte de energia importante para vários países: 60% na China, 70% na Índia. Esse é um ponto fundamental este ano, porque a forma com que vamos gerenciar a transição do carvão para energia limpa será um parâmetro de como mudar a matriz energética como um todo.

Todos os modelos para conter as mudanças climáticas mostram que temos que sair do carvão. Na última COP, 46 países concordaram em eliminar o uso doméstico do carvão e 34 não vão investir no carvão estrangeiro – a China foi um deles. Foi uma declaração muito importante.

A economia também está a favor: hoje um projeto de energia renovável é mais barato do que uma usina com base em carvão, o que é uma boa notícia. E a anergia renovável vem crescendo enquanto que o carvão tem diminuído aos poucos. Ainda assim, há muito o que ser feito para que seja eliminado até 2030.

Embora os custos não sejam mais um obstáculo, ainda existem barreiras técnicas e políticas. Tudo isso acontece também em um momento de aumento de demanda de energia (24% na última década) e enquanto 76 milhões de pessoas não têm acesso confiável à eletricidade. Então, quando pensamos na transição do carvão, temos que considerar tudo isso.

São vários os questionamentos envolvidos. Conseguiremos fazer uma transição justa, resiliente e suave? Os países que são grandes usuários de carvão vão se comprometer com a eliminação gradativa? Para eles, essa mudança é um problema. Os investimentos em energia renovável vão preencher a lacuna da demanda? Porque o ritmo da construção das usinas renováveis tem que ser o triplo do que vemos hoje. E a matriz energética estará preparada para operar sem interrupções? Será que os países mais pobres terão recursos para financiar essa transição em um mundo pós-pandemia? Vamos cuidar dos milhões de pessoas que dependem do carvão para sua subsistência?”

3. JUSTIÇA CLIMÁTICA: as tomadas de decisão vão envolver as comunidades locais?

“A justiça da transição energética tem a ver com justiça climática, um tema que felizmente é hoje reconhecido como algo que integra o contexto da mudança climática. Afinal, ouvir quem está na linha de frente nas comunidades é peça-chave: não podemos falar de mudança climática se as pessoas mais afetadas não fizerem parte do debate.

Mas fica a pergunta: existe justiça climática entre os países? E dentro dos países? Entre eles, poderíamos pensar em quem causou o problema, os países ricos, que vêm usando há séculos os combustíveis fósseis. Mas quando a gente olha quem realmente foi impactado, a imagem é bem diferente: são os países menos desenvolvidos.

E dentro desses países? Os mais afetados pelo clima são os marginalizados. É falta de água potável, enchentes, incapacidade de produzir alimento na terra degradada ou ar que está poluído. Em tudo isso, os pobres e marginalizados são os impactados. As cisões históricas se repetem.

Quando falamos de clima, temos que falar de pessoas. É uma forma de pensar o clima com um olhar diferente da Ciência, que é tão importante. A justiça é uma questão multidimensional. Como resolver isso?

Em todos os casos, temos que focar em ação local. Seria o mais correto, e o mais eficaz também. As comunidades conhecem as situações do seu dia a dia, portanto, estão mais bem equipadas para responder aos desafios. Há 70 organizações e seis países que se comprometeram com os princípios da adaptação liderada localmente. A meta e ter 25% do financiamento climático para isso. Porém, os direitos e financiamentos precisam chegar ao nível local – veremos essa mudança?”

4. DESMATAMENTO: será uma nova era de ações para eliminá-lo?

“Tentamos reverter o desmatamento já há muito tempo. Neste ano, há uma razão para esperança: um dos maiores acordos da COP, jamais aceito, foi eliminar o desmatamento até 2030. Mais de 140 líderes mundiais assumiram esse compromisso. Eu estava lá e vi esses líderes declarando o quanto se importam com as florestas. Espero que esse entusiasmo todo com a natureza saia do discurso, porque as florestas tropicais são essenciais para conter o aquecimento do planeta.

As consequências do desmatamento são muito claras e devastadoras. Embora tenha havido tentativas, a gente não conseguiu ainda reduzir os índices. Será que enfim vamos encontrar uma forma real de lidar com isso e progredir?

Veremos a continuidade e o crescimento do mercado de carbono? Os países consumidores de commodities vão barrar a importação de produtos ligados ao desmatamento? Esse tema estará no centro do planejamento desses países? Como as empresas vão retirar o desmatamento da cadeia de produção? De que forma vão rastrear isso?

Temos visto movimentos nesse sentido. O sinal mais importante neste momento é a mudança de mentalidade. Precisamos dessa nova reflexão sobre a questão e ver ações locais para atingir os objetivos globais. Mas é preciso ter financiamento para uma real transição. Este é realmente um ano de virada para revertermos o desmatamento.”

Momentos para prestar atenção: eventos
Conferência da ONU sobre Biodiversidade (abril)
Estocolmo
Stockholm+50 (junho)
Convenção da ONU sobre Oceanos (junho)

5. PANDEMIAS: os líderes globais vão se preparar para prevenir futuras doenças?

“Não é surpresa que uma história de saúde pública esteja aqui no meio de impactos climáticos. A Ciência tem percebido cada vez mais as conexões entre os sistemas naturais. A maioria das doenças começa com a transmissão de patógenos de animais para humanos. As razões para isso são, por exemplo, desmatamento, insetos, contato direto com animais silvestres e comércio ilegal de animais selvagens.

Mais de 5,4 milhões de pessoas morreram pela Covid-19. O questionamento que fica é se o mundo vai tomar medidas agora para evitar uma próxima pandemia. A estratégia atual tem sido de reação – vacinação, distanciamento social… Mas a gente podia evitar pandemias como essa investindo na saúde pública e também protegendo florestas, impedindo o comércio de animais, reduzindo o contato humano com a vida selvagem. Um planeta saudável leva a menos pandemias.

O que acontece é que as pessoas que pensam nas florestas são diferentes das que pesquisam a saúde pública. Esses dois grupos ainda não trabalham juntos. Você deve estar se perguntando: temos dinheiro para cuidar do problema dessa forma? Sim.

Enquanto a população mundial gasta 100 bilhões de dólares por ano com os animais domésticos, nós precisamos entre 20 e 31 bilhões para proteger as florestas e a vida selvagem. Nada contra os animais domésticos, mas reflita sobre isso.

Será que este ano conseguimos unir a saúde pública e o setor ambiental para trabalhar na prevenção de uma nova pandemia? O que é preciso para que essa alquimia aconteça? Em abril, teremos uma conferência sobre biodiversidade e será uma oportunidade de tratarmos do assunto fazendo também uma conexão com a saúde.

6. VEÍCULOS ELÉTRICOS: o mundo adotará medidas para descarbonizar o transporte?

“Fala-se em carros elétricos em toda parte e eles são vistos com muito entusiasmo. Podemos então usar essa animação para promover uma mudança real na crise climática? Porque esse é um setor que não está fazendo progresso.

Há um crescimento exponencial de carros elétricos nos últimos anos. São mais de 500 modelos disponíveis. Até a Sony, conhecida por fazer TVs e computadores, está produzindo veículos elétricos. Estamos em um momento favorável, inclusive com políticas públicas que valorizam esses automóveis. Na China, por exemplo, 100% dos ônibus são elétricos e, na Califórnia, já há caminhões elétricos. Porém, se analisarmos a frota mundial, somente 1% é elétrico.

Outra coisa que chama a atenção é o número de carros que existem, 1,2 bilhão hoje. Se não fizermos nada, serão 2 bilhões em 2050. Pense que não só os carros em si, mas também a produção deles. Temos que expandir nossa reflexão.

A bateria de um carro hoje requer cobalto e chumbo, por exemplo. Nesse contexto, há abusos no meio ambiente e dos direitos humanos, das pessoas que estão em contato com esses minerais pesados, que estão em países pobres muitas vezes.

Por isso, não precisamos só eletrificar 92% dos carros, mas também retirar as pessoas dos carros, passando a usar mais o transporte público, a bicicleta ou caminhar.

Políticas públicas para o setor podem fazer isso? O restante do mundo vai seguir os bons exemplos que vemos em alguns países? Para fazermos realmente uma revolução, precisamos criar também infraestrutura, como para o carregamento dos carros, além de garantir que a energia usada seja limpa. À medida que estamos saindo dessa pandemia, é essencial implementar esse planejamento. É uma oportunidade enorme de aproveitarmos esse entusiasmo e fazer uma virada.”

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