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Voto evangélico intensifica conservadorismo na América Latina

No Brasil, o país com maior população pentecostal do mundo (26%), existe, inclusive, uma "bancada evangélica" no Congresso com quase 80 membros

Crivella: no Rio de Janeiro, o senador e bispo Marcelo Crivella lidera as pesquisas de intenção de voto para as eleições municipais (Facebook Marcelo Crivella/Divulgação)

Crivella: no Rio de Janeiro, o senador e bispo Marcelo Crivella lidera as pesquisas de intenção de voto para as eleições municipais (Facebook Marcelo Crivella/Divulgação)

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AFP

Publicado em 21 de outubro de 2016 às 17h46.

Contra o aborto, contra o casamento gay, ou contra a legalização da maconha: a crescente influência das igrejas evangélicas na América Latina abre as portas para tendências conservadoras, como a vitória do 'Não' no plebiscito sobre o acordo de paz com as Farc na Colômbia.

"A crescente influência evangélica na política latino-americana é um dos motores conduzindo a região para a direita", disse à AFP Andrew Chesnut, diretor de Estudos Católicos da Commonwealth University, na Virgínia (EUA).

Na América Latina, lar de 625 milhões de pessoas, 69% se declaram católicos, e 19% protestantes, segundo dados de 2014 do Pew Research Center.

No continente onde vivem 40% dos católicos do mundo, é cada vez maior, porém, o número de cristãos de diferentes denominações.

"Um em cada dez latino-americanos foi criado em igrejas protestantes, mas cerca de um em cada cinco se descreve agora como protestante", afirmou essa instituição com sede em Washington.

Para Chesnut, os latino-americanos se veem atraídos por esse tipo de culto, que inclui cânticos, exorcismos e uma relação mais pessoal com Cristo.

"Por mais incrível que pareça, as igrejas evangélicas (70% são especificamente pentecostais) conseguiram se 'latino-americanizar' muito mais em menos de 100 anos do que a católica em 500 anos", afirmou.

Sua influência se vê na "arena política", como aconteceu nos Estados Unidos nos anos 1980 e 1990.

"Opõem-se ao aborto, ao casamento gay, à legalização da maconha e favorecem modelos tradicionalistas da família e dos papéis tradicionais de gênero", explicou o especialista.

Essa agenda - acrescentou - foi chave para que, na Colômbia, a população optasse pelo "não" no plebiscito sobre o pacto entre o governo de Juan Manuel Santos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) para pôr fim a 52 anos de conflito armado.

Decisão 'exacerbada'

"A decisão dos cristãos para rejeitar o acordo de paz com as Farc tinha a ver com a moral e foi exacerbada", avaliou o professor e pesquisador da Universidade do Norte em Barranquilla, Fernando Giraldo.

Esse cientista político advertiu que "não eram corretos" muitos dos argumentos dos cristãos opositores ao acordo, alcançado após quase quatro anos de negociações em Cuba.

Entre os temas que - segundo o governo - não estavam no pacto, Giraldo mencionou a "ideologia de gênero", segundo a qual a identidade sexual é fruto de uma construção cultural.

Chesnut considera que a oposição evangélica ao acordo "pode ser interpretada como uma rejeição à legalização do casamento gay no país e da linguagem da 'ideologia de gênero'".

"Estamos com a paz, mas não com os acordos", disse o pastor Édgar Castaño, presidente da Confederação Evangélica da Colômbia, que reúne 266 organizações.

Na Colômbia, informou Castaño, dez milhões dos 48 milhões de habitantes são evangélicos, e seis milhões podem votar.

"Calculamos que cerca de quatro milhões votaram, e entre 1,5 e dois milhões votaram no 'não'", lembrou.

O acordo com a guerrilha foi descartado por apenas 55.600 votos, com uma abstenção histórica superior a 60%. Depois da derrota nas ruas, Santos, um declarado católico, reuniu-se com líderes cristãos na tentativa de renegociar com as Farc.

Crivella lidera no Rio

O peso do voto evangélico no plebiscito na Colômbia é apenas a mais recente prova dessa força religiosa na América Latina, onde seus adeptos superam 30% da população em Honduras, Guatemala, Nicarágua, El Salvador e Porto Rico, relata o Pew.

No Brasil, o país com maior população pentecostal do mundo (26%), existe, inclusive, uma "bancada evangélica" no Congresso com quase 80 membros e chave no impeachment da presidente Dilma Rousseff, segundo Chesnut. Especialistas atribuem o avanço desses grupos ao retrocesso da esquerda.

No Rio de Janeiro, o senador e bispo Marcelo Crivella lidera as pesquisas de intenção de voto para as eleições municipais pelo Partido Republicano Brasileiro (PRB), considerado o braço político da neopentecostal Igreja Universal do Reino de Deus.

Fundada em 1977 pelo polêmico bispo Edir Macedo, também dono da segunda maior emissora de televisão do país, a Record, a Universal é uma das denominações religiosas que mais candidatos leva nessas eleições, junto com a Assembleia de Deus, outra popular igreja evangélica.

Segundo as pesquisas, Crivella tem maior apoio entre eleitores de nível de escolaridade e renda mais baixos - algo fácil de entender, se se considerar a constante presença dessas igrejas em cada rua das periferias e favelas brasileiras, onde, com frequência, a política tradicional e o Estado estão ausentes.

No Brasil, há 123,3 milhões de católicos, 64% de sua população, de acordo com o censo de 2010, contra 91,8% em 1970. Ao contrário dos católicos, porém, o número de evangélicos aumenta, e eles já representam 22%, com 42,3 milhões de pessoas.

"É uma consequência do crescimento dos evangélicos no Brasil, que leva a uma maior representação política. No Congresso, por exemplo, a bancada evangélica é uma das que mais crescem", disse à AFP o diretor do Instituto Datafolha, o sociólogo Mauro Paulino.

"Isso também se combina com um momento mais conservador no país e com uma onda de negação da política tradicional. Um terço dos eleitores brasileiros declara não ter simpatia por qualquer partido político, um recorde no período democrático", acrescenta.

'Ameaça ao Estado laico'

Já na Argentina, onde 9% da população se declaram evangelista, o presidente católico Mauricio Macri buscou captar esses eleitores e recebeu o apoio público do cantor e compositor Ricardo Montaner, de grande popularidade no país e evangélico.

O voto evangélico é especialmente cobiçado pela centro-esquerda no Chile. Em seu primeiro mandato, entre 2006 e 2010, Michelle Bachelet teve vários gestos a favor desse grupo, que reúne 17% dos chilenos. Entre eles, está estabelecer 31 de outubro como o "Dia Nacional das Igrejas Evangélicas".

Uma das primeiras demonstrações da relevância do voto evangélico na América Latina foi com Alberto Fujimori, no Peru, onde cerca de 10% se declaram cristãos. Em 1990, o ex-presidente ganhou as eleições com o apoio dessas igrejas e até incluiu o pastor Carlos García como segundo vice-presidente.

"A conquista de espaços religiosos e políticos de parte dos evangélicos resultou em uma ampliação da liberdade de culto (...) Mas as novas alianças entre os evangélicos e os católicos conservadores podem representar uma ameaça ao Estado laico no futuro", advertiu Chesnut.

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