Distribuição: duas empresas obtiveram do governo as licenças de produção e distribuição da maconha de uso psicoativo que, controlada pelo Estado, será vendida em farmácias (Desiree Martin/AFP)
Da Redação
Publicado em 2 de outubro de 2015 às 06h51.
Montevidéu - Quase dois anos depois de aprovar a pioneira lei que regula o mercado da maconha sob o controle do Estado, o governo do Uruguai anunciou nesta quinta-feira que duas empresas se encarregarão de cultivar cannabis e fixou um prazo "não menor a oito meses" para que seja vendido em farmácias.
O acesso da população em geral a esta substância, por meio de registro e através de estabelecimentos farmacêuticos, tinha se transformado até agora em um constante adiamento desde que, em agosto de 2014, o Estado convocou empresas interessadas em produzi-la.
O motivo, segundo explicou o governo em várias ocasiões, era outorgar maiores prazos às empresas para assegurar que não "ocorram falhas", por considerar que o país está no ponto de mira internacional na matéria.
Hoje, e após um processo de qualificação técnica e seleção realizado pelo Instituto de Regulação e Controle de Cannabis (Ircca), foi anunciado que duas empresas obtiveram do governo as licenças de produção e distribuição da maconha de uso psicoativo que, controlada pelo Estado, será vendida em farmácias.
"Para que o produto chegue às farmácias vai transcorrer um prazo seguramente não menor a oito meses a partir deste momento e, neste marco, o Estado iniciará campanhas de divulgação sobre os riscos do consumo para a saúde", explicou hoje o presidente da Junta Nacional de Drogas do Uruguai, Juan Andrés Roballo.
De capital uruguaio e estrangeiro, essas duas empresas, das 22 que se postularam, serão as encarregadas de produzir, a princípio, até duas toneladas anuais de produto em um lugar de propriedade estatal situado ao sudoeste do país e que contará com segurança tanto de gestão pública como privada das próprias empresas.
O objetivo determinado por lei é que o cannabis, cujas sementes ainda estão em fase de avaliação a fim de obter uma genética própria, chegue aos cidadãos que oportunamente se registrem no Ircca em doses de até 40 gramas mensais e 10 semanais.
O governo continua em negociações com as farmácias, estabelecimentos que a lei estabelece como dispensadores da maconha, e já há uma minuta de acordo e uma ata de entendimento sobre 11 pontos básicos que têm a ver com as condições de armazenamento e segurança.
Consultadas pela Agência Efe, fontes do Centro de Farmácias do Uruguai, grêmio dos proprietários destes estabelecimentos, evitaram fazer declarações - como é habitual desde a aprovação da lei -, mas assinalaram que se trata de um tema "muito delicado" no país e que por enquanto "não há certeza" dos detalhes sobre como acontecerá a venda.
A grama de maconha custará cerca de US$ 1, um preço pensado "com certa margem" para poder ser adequado ao que é o preço do mercado ilegal, explicou em entrevista coletiva o presidente da junta diretiva do Ircca, Augusto Vitale.
"Parece correto que se siga apostando que a grama de cannabis custe US$ 1 e continue sendo competitivo com o mercado negro, porque é um dos objetivos principais da política", declarou hoje à Efe Hernán Delgado, integrante da ONG Proderechos, uma das impulsoras da legalização do cultivo.
Por enquanto, até que se possa pagar por ela legalmente, já há duas formas ter acesso legal a cannabis no país sul-americano, não sem antes executar um longo trâmite burocrático de registro.
Desde meados de 2014 está em andamento o cultivo doméstico, destinado aos que se registrem para plantar certa quantidade de maconha em sua própria casa, assim como os chamados clubes canábicos, que funcionam como uma espécie de cooperativa para o cultivo coletivo de um grupo limitado de pessoas.
Para Victoria Verrastro, da Proderechos, o anúncio de hoje "é um começo" e demonstra que o Executivo tem vontade política de implementar a lei.
Neste sentido, disse que o sistema de farmácias "é muito importante" porque será o responsável por abastecer a maioria dos usuários.
No entanto, estas duas licenças "ainda não fazem a cobertura total para todos os usuários estimados de cannabis", criticou Verrastro, que afirma que 55.000 pessoas consomem maconha várias vezes por semana e 18.000 diariamente no Uruguai.
No entanto, até agora são mais de 3.000 usuários legalizados em todo o país entre cultivadores domésticos e os organizados em clubes canábicos.
Acabar com o negócio do narcotráfico foi uma das principais razões para que, sob o mandato de José Mujica (2010-2015), tenha sido aprovada em dezembro de 2013 uma lei que transformou o Uruguai em pioneiro neste enfoque da luta antidrogas.
Após a licitação anunciada hoje para vender maconha recreativa, com investimentos das empresas não menores a US$ 600 mil e que podem chegar a US$ 2 milhões, fica pela frente a correspondente às que produzirão a substância para uso medicinal ou de pesquisa.