Equador: Apesar da vitória presidencial em 2021, Guillermo Lasso obteve um resultado ruim na Assembleia Nacional do Equador. (Gerardo Menoscal/Agencia Press South/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 30 de julho de 2022 às 14h19.
Um mês após o acordo que interrompeu os protestos que estremeceram o Equador durante 18 dias, o governo de Guillermo Lasso está enfraquecido e sem perspectivas de reconstrução. Desde o acordo, o centro-direitista trocou os titulares de três ministérios e uma secretaria, está isolado na Assembleia Nacional - que tentou destituí-lo no meio da crise - e precisa negociar com lideranças indígenas ainda mais fortalecidas após os levantes sociais. O risco para o Equador, se Lasso não conseguir reverter a fragilidade, é ter um “governo zumbi” e um país dividido.
Os indígenas foram responsáveis pela paralisação do país a partir do dia 12 de junho em protesto ao preço alto dos combustíveis e o consequente aumento do custo de vista. As manifestações seguiram até o dia 30 do mesmo mês em uma escalada de tensão e conflito com a polícia, que resultou em 6 mortos (5 civis e 1 militar) e quase 600 feridos. Apesar da liderança indígena, diversos setores sociais se somaram e foram às ruas contra o presidente.
Pressionado, Lasso respondeu aos protestos com um decreto de estado de exceção que permitiu a repressão militar às manifestações e instituiu um toque de recolher em Quito, antes de aceitar negociar. Os conflitos foram atribuídos a essa medida - e acabaram contribuindo para uma perda de popularidade e isolamento político do presidente. “O governo não mostrou nenhuma capacidade antecipativa de frear os protestos e nunca se importou com alguns pontos”, diz Daniel Ponton, sociólogo e docente do Instituto de Altos Estudos Nacionais, localizado na capital equatoriana.
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O acordo do dia 30 de junho, mediado pela Igreja Católica, atendeu parte das exigências dos manifestantes - como o aumento do subsídio da gasolina e do diesel para abaixar o preço nas bombas, a revogação de um decreto que permitia investimento privado em atividades petrolíferas e a reforma de outro, para impedir a exploração mineral em terras indígenas - e estabeleceu 90 dias para o governo negociar com as organizações civis sobre outras demandas, como o perdão às dívidas dos camponeses e o controle de preços de produtos de primeira necessidade.
O principal líder dos protestos foi Leonidas Iza, presidente da Confederación de Nacionalidades Indígenas del Ecuador (Conaie). Quando retornou à província de Cotopaxi, no interior do país, após o acordo, o indígena foi recebido efusivamente pela população local enquanto enumerava as vitórias de Quito. A recepção evidenciou os ganhos políticos de Iza, que estrategicamente manteve um discurso de pressão sobre o governo para não enfraquecer os resultados. “Guillermo Lasso nunca se sentou à mesa de diálogo, mas seu governo foi obrigado a responder ao povo. Viva a luta social”, escreveu a Conaie no dia 30 de junho.
Lasso, por sua vez, fez um pronunciamento nacional com um discurso de reconstrução do Equador e atenção aos mais necessitados. Deixou de lado o termo “violento” para descrever os manifestantes e adotou o tom de reconciliação. “O alívio que hoje sentimos revela uma realidade: somos uma família”, declarou.
Uma semana após o acordo, Guillermo Lasso trocou os titulares de três ministérios sensíveis à pauta social (Economia, Saúde e Transporte) e de uma secretaria importante (Educação Superior). A decisão deixou claro a derrota do presidente nestas áreas e a guinada na tentativa de recuperar a confiança do governo: na educação superior, as aulas presenciais não retornaram após a pandemia por conta do baixo orçamento; a saúde pública enfrenta falta de medicamentos e insumos; e, na economia, as políticas, mais ligadas a uma disciplina fiscal, se mostraram totalmente ineficazes.
Na análise de Daniel Ponton, o presidente buscou nomes mais técnicos para assumir os cargos. O destaque é o economista Pablo Arosemena Marriott, que substituiu Simon Cueva na Economia. “O atual ministro atuou na Câmara de Comércio, mais ligado ao setor empresarial e à economia de mercado, enquanto o anterior era mais ligado à disciplina fiscal. Mostra uma guinada para um modelo mais social”, declarou Ponton.
O sociólogo acrescentou que a troca de ministros mostra como Lasso foi obrigado a retroceder em algumas políticas e a tentar mudanças devido às manifestações. O tamanho das concessões que vai fazer durante o período de negociação, no entanto, ainda é desconhecida - e depende em parte da sua condução política nos próximos 60 dias.
“O governo está enfraquecido e sob pressão, então busca uma remoção interna em áreas sociais para sair da anemia política. Por enquanto, não dá para afirmar se surtiram efeito e atenderam demandas sociais, mas agora há uma abertura maior pro diálogo diante de um isolamento político”, acrescentou Ponton.
O diálogo se dá sobretudo através das câmaras técnicas criadas para negociar as demandas sociais. Com um mês de acordo, o resultado das câmaras ainda é desconhecido, apesar da imprensa equatoriana ter divulgado conflitos internos entre governo e organizações sociais - normais em um período de negociação. Nas redes sociais, Leonidas Iza, o principal porta-voz dos indígenas tem ressaltado que propostas estão sendo levadas ao governo, mas não tece comentários sobre os resultados.
Apesar da vitória presidencial em 2021, Guillermo Lasso obteve um resultado ruim na Assembleia Nacional do Equador. O partido no qual foi eleito, Creando Oportunidades (Creo), possui apenas 12 das 137 cadeiras do parlamento e, até o momento, o presidente não conseguiu uma coalizão que o permita governar. Isolado, o presidente quase foi deposto pelos deputados, a maioria ligada ao ex-presidente Rafael Correa, durante as manifestações de junho.
Passado um mês desde o fim dos protestos, o presidente não conseguiu alterar a sua situação na Assembleia Nacional - o que mina as suas chances de realizar reformas prometidas durante a campanha e, consequentemente, enfraquece a sua base. “Como vai conseguir governar por 3 anos num cenário negativo, sem apoio da Assembleia e com a pressão dos líderes indígenas?”, questiona Daniel Ponton.
Os deputados tentaram retirar o centro-direitista do poder no final de junho através do mecanismo constitucional chamado “morte cruzada”, instituído na Constituição de 2008. Pelo texto, a Assembleia Nacional pode destituir o presidente da República por “grave crise política e comoção interna” se obter 92 dos 137 votos possíveis. Os deputados não conseguiram reunir a quantidade de votos necessários, e Lasso continuou no poder.
Ainda de acordo com a constituição, o mecanismo só pode ser aplicado uma vez durante os três primeiros anos de mandato do presidente. O governo tem dito que, como falharam, os deputados não possuem mais como destituir Lasso por vias legais, mas alguns analistas veem de outra maneira. “Essa explicação é conveniente para o governo, mas alguns interpretam - e também é a minha opinião - que pode ser tentado mais de uma vez”, explicou Ponton.
Mesmo que os deputados não voltem a tentar a morte cruzada, entretanto, o isolamento político de Lasso pode conduzi-lo a três anos de um mandato “zumbi”, sem reais forças de governar, acrescenta o sociólogo. “Se não conseguir reverter a situação, que exige uma guinada política diante de tanta pressão, Lasso não tem condições de fazer reformas estruturantes que prometeu e vai viver num compasso de espera, que é a situação que está hoje”, analisou.
Junto de toda crise política, Lasso ainda vê uma piora na sua imagem devido a denúncias de corrupção que respingam no seu governo. Em 2021, ele apareceu envolvido no Pandora Papers, acusado de que teria desviado, talvez ilegalmente, sua fortuna a contas em paraísos fiscais. Mais recentemente, um ex-assessor do governo foi alvo de uma operação do Ministério Público ligada a denúncias de indicação de cargos públicos mediante pagamento de propina.
Nesta sexta-feira, 29, o governador da província de Cotopaxi, do partido Pachakutik, ligado à Leonidas Iza e a Conaie, foi preso acusado de corrupção fiscal. Leonidas Iza se pronunciou no Twitter sobre o caso, afirmando que “não tolera nenhum ato de corrupção, venha de onde venha” com a ressalva de que “tampouco tolera seletividade da Justiça”, citando os casos que envolvem Lasso - um episódio que demonstra como as tensões permanecem altas no país.
Enquanto respondeu às manifestações com repressão, Guillermo Lasso contribuiu para aumentar uma divisão nacional entre seus apoiadores e opositores, avalia Ponton. Quando os deputados tentaram destituí-lo, o presidente denunciou como uma tentativa de golpe de Estado. Com os conflitos entre manifestantes e a polícia nacional, denunciou que quem estava nas ruas eram guerrilheiros urbanos e o crime organizado.
Como consequência, apoiadores de Lasso e setores mais ligados à classes altas do Equador foram às ruas ainda em junho para pedir paz e o fim dos protestos. Leonidas Iza é considerado criminoso por alguns e Rafael Correa, conspirador.
A análise de Ponto é que mesmo que, no fim, as partes tenham chegado a um acordo, o discurso de conflito continua reverberando. “As teses de golpe de Estado e de guerrilha urbana aumentam as divisões sociais no Equador. O país ainda está dividido após o fim dos protestos, e a tensão não cessou”, declarou.
Apesar da divisão, Ponton não acredita que os conflitos devem se repetir de imediato no fim dos 90 dias de negociação - mesmo que o governo não atenda todas as demandas indígenas. “Acredito que vai haver mobilizações da base, mas não protestos imediatos nas ruas. Mas é certo que Lasso vai sofrer uma pressão, principalmente se não conseguir virar o jogo e continuar enfraquecido”, afirmou.
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