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UE–Mercosul: por trás dos protestos europeus, a disputa silenciosa dos custos de produção agrícola

Protestos revelam a crescente dificuldade de competitividade do setor agrícola europeu frente a regiões com custos de produção estruturalmente mais baixos

Acordo UE-Mercosul:Em 2024, o consumo intermediário do setor agropecuário europeu ultrapassou €300 bilhões (La FNSEA/Divulgação)

Acordo UE-Mercosul:Em 2024, o consumo intermediário do setor agropecuário europeu ultrapassou €300 bilhões (La FNSEA/Divulgação)

China2Brazil
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Agência

Publicado em 19 de dezembro de 2025 às 15h41.

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Os protestos recentes de produtores rurais da União Europeia contra o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, que tomaram as ruas de Bruxelas e influenciaram diretamente o adiamento da assinatura do tratado, revelam mais do que uma resistência pontual ao comércio internacional. Eles expõem um conflito estrutural: a crescente dificuldade de competitividade do setor agrícola europeu frente a regiões com custos de produção estruturalmente mais baixos, como o Brasil.

Embora o discurso político europeu enfatize preocupações sanitárias, ambientais e regulatórias, a raiz econômica do problema está cada vez mais clara: o diferencial de custo por unidade produzida tornou-se um fator central de tensão.

Dados oficiais da consultoria Eurostat mostram que a agricultura da União Europeia é pressionada por custos com insumos. Em 2024, o consumo intermediário do setor agropecuário europeu ultrapassou €300 bilhões, sendo a ração animal, fertilizantes, energia e defensivos os principais componentes.

Existem ainda outros fatores estruturais como fazendas de menor escala média, alto custo de energia e mão de obra, exigências ambientais rigorosas da Política Agrícola Comum (PAC), redução gradual de subsídios diretos e aumento de condicionalidades ambientais, e mercado consumidor exigente. Na prática, isso significa que qualquer ampliação da concorrência externa, mesmo que limitada por cotas e salvaguardas, gera reação imediata do setor produtivo europeu.

A China ocupa uma posição singular nesse comparativo. Relatórios oficiais da National Development and Reform Commission (NDRC) indicam que os custos de produção agrícola chineses são fortemente influenciados por estrutura fundiária fragmentada, alto custo de mão de obra, e uso intensivo de subsídios e políticas de suporte.

Diferentemente do Brasil, a China não busca competir globalmente em custo em todas as commodities, mas sim garantir segurança alimentar, estabilidade social e previsibilidade de oferta. Por isso, mantém estoques estratégicos e aceita custos domésticos mais elevados, compensados por importações seletivas, especialmente do Brasil. Compradores chineses recorrem com frequência à soja, ao milho e às proteínas brasileiras quando o diferencial de preço se amplia.

O debate político na Europa enquadra a discussão exclusivamente em padrões ambientais ou sanitários, e não reconhece que o diferencial de custo é estrutural, não conjuntural. Nesse contexto, o acordo UE–Mercosul torna-se um símbolo de um dilema maior: como conciliar competitividade global, transição ambiental e proteção social do produtor europeu.

Para o Brasil o momento exige uma comunicação mais sofisticada e baseada em evidências. É preciso explicar que a competitividade brasileira resulta de eficiência produtiva, não de “concorrência desleal”. Além disso, é necessário utilizar dados oficiais (CONAB, estatísticas setoriais reconhecidas) para demonstrar competitividade e mostrar que padrões sanitários e ambientais não são fraquezas, mas diferenciais crescentes em mercados exigentes.

Os protestos dos agricultores europeus não são apenas contra o Mercosul — são contra uma realidade econômica que a Europa vem adiando enfrentar. O diferencial de custo entre Brasil, União Europeia e o resto do mundo está no centro desse embate, ainda que nem sempre explicitado.

Para o Brasil, o desafio não é apenas negociar acordos comerciais, mas consolidar sua posição como fornecedor confiável, competitivo e transparente em um mundo onde agricultura, geopolítica e segurança alimentar estão cada vez mais interligadas.

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