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Trump, Rússia e o Twitter: a era da guerra fria digital

Russos estão insuflando polarização nas redes sociais dos EUA. Hillary Clinton não é o único alvo

(Kacper Pempel/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 30 de setembro de 2017 às 09h20.

Última atualização em 30 de setembro de 2017 às 15h27.

As ações da Rússia para interferir nos debates políticos e sociais nos Estados Unidos envolveram a publicação de conteúdo pago no Twitter e no Facebook. Os detalhes dessas operações emergiram nos últimos dias, em depoimentos de executivos das duas plataformas aos comitês de inteligência do Congresso americano e a outras autoridades que investigam a interferência russa nas eleições do ano passado.

Mas há indícios de que essas operações, que estão sendo encaradas por alguns especialistas com uma nova fase da guerra fria, continuam este ano. De acordo com informações publicadas nos últimos dias na imprensa americana, os russos estão insuflando a polarização nas redes sociais, com perfis falsos que assumem posições tanto liberais quanto conservadoras, sobre polêmicas como a que envolve os esportistas que protestam contra a violência policial e contra o governo Donald Trump ajoelhando-se durante a execução do hino nacional.

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Segundo executivos do Twitter que depuseram na quinta-feira 28 no Comitê de Inteligência do Senado, os russos investiram 274.100 dólares em mais de 1.800 tuítes durante a campanha do ano passado. As publicações são de 22 contas abertas pelo Russia Today (RT), órgão de comunicação ligado ao governo russo.

Essas contas, que foram fechadas pelo Twitter, estão vinculadas a outras 450 no Facebook. Aparentemente as operações foram realizadas em computadores fora da Rússia. Seu conteúdo estava relacionado com discussões que geram divisões políticas e sociais, explicaram os executivos aos senadores, na reunião a portas fechadas. O Facebook já havia informado que essas contas foram responsáveis por 3.000 anúncios, no valor total de 100.000 dólares.

O valor é insignificante, para a receita em anúncios do Facebook. Entretanto, de acordo com Dennis Yu, diretor de Tecnologia da BlitzMetrics, empresa de marketing digital especializada em publicidade no Facebook, com esse orçamento é possível publicar anúncios na plataforma que podem ser vistos centenas de milhões de vezes.

“Cem mil dólares de posts muito concentrados são muito poderosos”, afirma Yu. “Quando você tem um post realmente quente, você consegue com frequência que ele se multiplique de forma viral. As pessoas comentam e compartilham.”

O Twitter informou ainda ter detectado 179 contas relacionadas com aquelas 22, e que algumas foram fechadas, por violarem suas normas. Algumas mensagens instruíam eleitores da candidata democrata Hillary Clinton a votar por SMS na tentativa de prejudicá-la, já que esse “voto” se perderia. Não foram divulgados outros detalhes sobre esses conteúdos nem sobre as normas que violaram.

A reunião durou várias horas. O Twitter esteve representado pelo vice-presidente de Política Pública, Governo e Filantropia Corporativa, Colin Crowell; pelo diretor dessas mesmas áreas, Carlos Monje; pela advogada Elizabeth Banker e pela diretora de Comunicações, Emily Horne. Eles entregaram os anúncios ao comitê.

Em seu próprio perfil, o Twitter assegurou que está se esforçando mais para detectar e prevenir mensagens “maliciosas” disparadas automaticamente.  A empresa informou ainda que seus sistemas automáticos detectam por semana mais de 3,2 milhões de contas suspeitas no mundo inteiro — mais do dobro do que há um ano.

As informações e providências não satisfizeram o líder da bancada democrata no comitê, senador Mark Warner. Ele disse que as explicações foram “profundamente decepcionantes” e “mostraram uma enorme falta de compreensão da equipe do Twitter do quanto essa questão é séria, a ameaça que ela representa para as instituições democráticas”.

Para Warner, as medidas adotadas pelo Twitter foram “meramente derivativas” daquelas já tomadas pelo Facebook. O deputado Adam Schiff, líder democrata no Comitê de Inteligência da Câmara, que também teve uma sessão com os executivos, fez uma avaliação mais generosa do encontro, considerando-o “bom, mas preliminar”.

Mas Schiff também comparou negativamente o desempenho da plataforma em relação ao Facebook: “Acho que há desafios para o Twitter em sua investigação forense porque seus usuários não fornecem a mesma informação de seu histórico que os do Facebook”.

Twitter, Facebook e Google ainda não responderam a convites para testemunharem publicamente perante os comitês de inteligência das duas Casas.

Em um vídeo de sete minutos e meio, o presidente do Facebook,

Mark Zuckerberg, disse que a empresa criou equipes para construírem defesas contra essas ações em várias partes do mundo. “Elas fecharam milhares de contas falsas tentando influir nas eleições de muitos países, incluindo recentemente na França”, afirmou Zuckerberg.

“Eu gostaria de poder lhes dizer que conseguiremos parar todas as interferências”, continuou o fundador do Facebook. “Isso não seria realista. Sempre haverá atores maus no mundo e não podemos barrar todos os governos de todas as interferências. Mas podemos tornar muito mais difícil e é nisso que vamos nos focar”, disse ele, acrescentando que a empresa está “cooperando ativamente” com o governo e o Congresso americanos.

Entre as medidas adiantadas por Zuckerberg está “tornar mais transparente a publicidade política”. Ele adiantou que quem comprar  anúncios de propaganda política na plataforma terá que publicar em sua página quem pagou pelo anúncio e também todos os outros anúncios que está publicando.

O vídeo de Zuckerberg teve mais de 55.000 comentários, muitos dos quais mostraram o ceticismo e a irritação dos usuários. “Quanto mais você explica, mais nebuloso fica”, escreveu um usuário que assina como JR Dios Martinez. “Faça de tudo para que não aconteça de novo. Olhe quem temos na Casa Branca”, continuou, referindo-se ao presidente Donald Trump, cuja campanha se beneficiou das interferências russas, que se voltaram contra Hillary. “Você pode ajudar.”

A investigações sobre a intromissão russa nas eleições, tanto por parte dos comitês parlamentares quanto da comissão especial chefiada por Robert Mueller, ex-diretor do FBI, estão sob sigilo. Mas entre os exemplos que vazaram dos depoimentos estão anúncios promovendo grupos ativistas dos direitos dos negros, como o Black Lives Matter, e outros afirmando que eles representam uma ameaça. Outros tratavam de temas como direitos dos homossexuais, imigração e controle de armas — todos tópicos polêmicos.

“O objetivo deles foi semear o caos”, analisa o senador Mark Warner. Em muitos casos, segundo ele, desencorajar as pessoas a votar. Zuckerberg propôs em seu vídeo que os anúncios sejam mostrados à opinião pública. O deputado Adam Schiff endossa essa proposta: “Acho que o povo americano deveria ver uma amostra representativa desses anúncios para perceber o quanto os russos foram cínicos em usá-los para semear a divisão em nossa sociedade”.

Michael McFaul, ex-embaixador americano na Rússia, afirma que o Kremlin tem como objetivo incentivar a “discórdia” na sociedade americana. “(O presidente russo, Vladimir) Putin tem uma ideia de que nossa sociedade é imperfeita, de que nossa democracia não é melhor que a dele, e portanto nos ver em conflito em grandes questões sociais é do interesse do Kremlin”, explicou McFaul, que atualmente dirige o Instituto Freeman Spogli para Estudos Internacionais da Universidade Stanford, na Califórnia.

Mark Jacobson, professor da Universidade Georgetown, em Washington, que acaba de concluir uma pesquisa sobre o tema, concorda: “Os operadores políticos russos almejam minar a confiança na democracia americana, não só com relação às eleições, mas também esgarçar o tecido social da sociedade, encorajar a divisão, que eles esperam que se torne violenta”.

Jacobson é co-autor de um relatório intitulado “Shatter The House Of Mirrors” (Estilhace a Casa de Espelhos) — recém-publicado pelo Centro Pell para Relações Internacionais e Política Pública da Universidade Salve Regina, em Newport, Rhode Island —, que recomenda mais regulação da internet.

“Precisa haver um equilíbrio entre regular e alavancar a força da internet, que está na liberdade de expressão”, afirma o especialista.

“Queremos que as plataformas de mídias sociais tenham a mesma transparência das emissoras de rádio públicas e das redes de difusão comerciais. Identificar as fontes de financiamento da propaganda política. E aí, não importa o que for dito, deixar a audiência decidir se acredita, se concorda, ou não.”

De acordo com Jacobson, cabe à Comissão Federal Eleitoral regular isso, da mesma forma como já faz com a televisão e o rádio.

De resto, argumenta o pesquisador, cabe aos usuários das redes sociais e aos veículos de imprensa denunciar informações incorretas, sobre temas tão diversos como vacinas ou o Black Lives Matter. Ele acha que o Congresso deve aprovar uma nova legislação para introduzir programas de “alfabetização digital” no sistema educacional: “Francamente, essa é a defesa definitiva contra esse tipo de desinformação”.

As ações dos russos não se limitaram a atrapalhar a campanha de Hillary — odiada por Putin especialmente a partir de uma declaração que deu em 2011,  quando era secretária de Estado, apoiando o direito de manifestantes oposicionistas em Moscou. De acordo com o senador republicano James Lankford, do Comitê de Inteligência, os russos têm insuflado as polêmicas sobre os jogadores que se ajoelham durante a execução do hino, criticados pelo presidente Donald Trump.

Durante audiência na quarta-feira 27 com o secretário de Segurança Interna e os diretores do FBI e do Centro Nacional de Contra-Terrorismo, Lankford afirmou: “Assistimos nessa semana mesmo os russos e suas troll farms (organizações que difundem conteúdos provocativos), e seu pessoal de internet, lançando os hashtags ‘dê uma ajoelhada’ e ‘boicote a NFL (Liga Nacional de Futebol Americano)”.

De acordo com o senador, o objetivo dos russos é “tentar elevar o nível de ruído e de divisão na América”. Ele prevê que isso voltará com toda força na eleição do ano que vem, para a Câmara dos Deputados e um terço do Senado. Lankford afirmou que o Congresso vai destinar mais recursos para o combate a essas ações, com foco específico nas próximas eleições. E que eles sabem que os russos estão tentando influir nas eleições de outros países também.

É bom o Brasil botar as barbas de molho.

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