Palestinas protestam em Jerusalém: cônsul de Israel em São Paulo espera que manifestações não tenham tanto fôlego (Ammar Awad/Reuters)
Da Redação
Publicado em 9 de dezembro de 2017 às 06h52.
Última atualização em 9 de dezembro de 2017 às 10h25.
Como todo presidente americano, Donald Trump quer entrar para a história por seu papel no Oriente Médio. Seus antecessores fracassaram, tentando um acordo final entre israelenses e palestinos. Parece que ele conseguirá. Não por obter um acordo, mas por mergulhar os EUA na irrelevância.
Ao reconhecer Jerusalém como capital de Israel, Trump assumiu um lado na disputa. O que aconteceria com um juiz se, antes de começar a final do campeonato, declaras-se ser torcedor de um dos times, o presenteasse com a bola e lhe entregasse o troféu? Trump desqualificou os EUA como mediadores do conflito.
A Partilha da Palestina, aprovada pela ONU em 1947, mantinha Jerusalém sobre jurisdição internacional. Os judeus aceitaram o desenho; os palestinos, não, por serem o dobro da população, ficarem com a mesma área e, segundo eles, as piores terras.
Em 1948, a Grã-Bretanha, que tinha o mandato sobre a região desde o fim da 1.ª Guerra Mundial, retirou-se, e os judeus declararam a criação de Israel, dando início a uma guerra com os árabes. Nessa guerra, os judeus, mais coesos, ocuparam mais terras, incluindo a parte ocidental de Jerusalém.
Em 1967, Israel tomou o que restava dos territórios palestinos e Jerusalém Oriental — onde, afinal, se localizavam construções importantes para a história judaica, como o Templo de Jerusalém, em cujo lugar foi construído o Templo de Herodes, do qual resta hoje o Muro das Lamentações.
Sobre esse local, no entanto, estão construídas as mesquitas do Domo da Rocha e Al-Aqsa, essa última para lembrar o voo noturno do profeta Maomé para o céu, partindo de Jerusalém, segundo a tradição muçulmana.
Por causa dessa importância para os dois povos, sucessivas resoluções da ONU determinaram que o status final de Jerusalém será definido em negociações entre israelenses e palestinos. Trump atropelou esse processo, entregando o troféu a Israel. Mas fez isso sozinho: toda a comunidade internacional, do secretário-geral da ONU, António Guterres, aos governantes dos principais países europeus, para não falar nos árabes e muçulmanos, rejeitaram sua decisão.
Os israelenses têm argumentado que a Rússia já havia dado esse passo. Não é verdade. Em abril, a chancelaria em Moscou divulgou uma nota, que dizia o seguinte: “Reafirmamos nosso compromisso com os princípios aprovados pela ONU para um acordo palestino-israelense, que inclua o status de Jerusalém como capital do futuro Estado palestino. Ao mesmo tempo, devemos afirmar que, neste contexto, vemos Jerusalém Ocidental como a capital de Israel”.
A mensagem foi tão desfavorável aos interesses do governo de Benjamin Netanyahu que, depois de analisá-la, os funcionários israelenses decidiram ignorá-la. Isso porque, em 1980, Israel anexou Jerusalém Oriental e passou a chamá-la de sua “capital indivisível”. Ou seja, a direita israelense não tem a menor intenção de deixar que os palestinos realizem o seu sonho de instalar ali a capital de um futuro Estado.
Para analistas israelenses ouvidos por EXAME, o passo dado por Trump é apenas a aceitação de um fato consumado.
“Para Israel, essa é uma grande conquista”, disse Hillel Frisch, professor dos departamentos de estudos políticos e do Oriente Médio na Universidade Bar-Ilan, em Tel-Aviv. “Jerusalém foi a capital do Reino Judaico sob os reis David e Salomão e, desde 1948, a capital do Estado do povo judaico, Israel, seus descendentes.”
O analista considera que “já era hora que um país singular como os Estados Unidos aceitassem a singularidade do renascimento do Estado judaico com Jerusalém como sua capital”.
Hillel acrescentou: “Os Estados Unidos ainda são a única superpotência do mundo hoje, com o único Exército que pode projetar poder globalmente, a usina científica de nossa era, um país com ligações políticas e econômicas com todo o mundo”.
Exatamente por isso o embaixador palestino em Brasília, Ibrahim Alzeben, acha que Trump não poderia ter dado esse passo. “É uma violação ao direito internacional e ao direito palestino, uma provocação e desrespeito a muçulmanos e cristãos”, critica o embaixador. “Jerusalém é capital do Estado da Palestina e território ocupado.”
Alzeben argumenta que “a decisão ameaça a paz não só na região, mas mundial”, e que ela “se soma a outras atitudes com relação ao meio ambiente e aos vizinhos do sul”, referindo-se à retirada do Acordo do Clima de Paris às ameaças contra o México por parte de Trump.
Para o embaixador, os EUA “são uma superpotência, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, e portanto têm que promover a paz”. Mas está “promovendo a violência, logo não está atuando à altura do que exige a comunidade internacional”.
Já o cientista político israelense Efraim Inbar, presidente do Instituto Jerusalém de Estudos Estratégicos, acha que “Trump introduz um senso de realidade no discurso sobre o processo de paz”. Ele diz que “Jerusalém como capital israelense é um fato que todos os países aceitam em suas relações com Israel”, e acrescenta: “Ninguém sério disputa a soberania de Israel sobre Jerusalém Ocidental”.
Essa é a nuance importante, presente no comunicado russo e ausente no de Trump: “ocidental”. O presidente americano se referiu simplesmente a “Jerusalém” como a capital de Israel, embora tenha acrescentado que os Estados Unidos continuavam engajados na criação de um Estado palestino, se esse fosse o resultado de negociações entre os dois lados.
Trump ainda se regozijou do fato de estar colocando em prática uma lei aprovada pelo Congresso americano em 1995, e cumprindo uma promessa que seus antecessores descumpriram. Na verdade, nenhum presidente americano havia prometido isso. Trump parece não ter se perguntado por quê.
Inbar continua, num tom ao mesmo tempo pragmático e conciliador: “O mundo árabe e os palestinos em particular precisam encarar a realidade para alcançar a paz com o Estado judaico. Por muito tempo a comunidade internacional tem permitido aos palestinos alimentar objetivos impossíveis”.
O analista observa que “uma Jerusalém unificada” goza de um grande consenso na opinião pública israelense (que costuma discordar sobre virtualmente tudo), com mais de 70% de apoio. “A insistência palestina sobre Jerusalém é um obstáculo para a paz”, argumenta Inbar. “Só uma abordagem palestina realista pode trazer a paz.”
Sagrados ou não?
A falta de culpa, digamos assim, com que muitos israelenses e judeus — com exceção dos mais liberais — encaram sua soberania sobre Jerusalém está baseada na ideia de que os lugares sagrados para os muçulmanos são Meca e Medina.
Jerusalém foi acrescentada mais tarde à tradição islâmica, para justificar sua reivindicação sobre a estratégica cidade, que os árabes tomaram dos bizantinos (cristãos orientais) em 637. Em contraste, raciocinam os judeus, Jerusalém tem um papel único em sua história.
“A Autoridade Palestina (AP) aprenderá a viver com a declaração e continuará a coordenação com Israel sobre temas de segurança, contra o inimigo comum, o Hamas”, prevê Frisch, referindo-se ao grupo radical islâmico que governa a Faixa de Gaza, e disputa poder com a facção moderada Fatah, que comanda a AP na Cisjordânia.
Não foi o que transpareceu na reação do presidente da AP, Mahmud Abbas. “Essas medidas condenáveis e inaceitáveis são uma forma deliberada de minar todos os es-forços para alcançar a paz, e representam a retirada dos Estados Unidos do papel que têm desempenhado nas últimas décadas na promoção do processo de paz”, declarou o líder palestino em um pronunciamento na TV.
Quanto aos países árabes, “estão mais preocupados com o engrandecimento do Irã do que com Jerusalém, uma cidade menor para a fé muçulmana”, continua Frisch. “Os que expressarão a maior oposição à decisão são Irã e Turquia, potências imperiais do passado e seus representantes, o (grupo guerrilheiro xiita) Hezbollah, os Houthis (milícia xiita) do Iêmen e o Hamas, que estão reacendendo esses desígnios imperialistas em relação a seus vizinhos árabes.”
O Hamas declarou que o anúncio de Trump “abre as portas para o inferno” e convocou para uma nova intifada, o levante palestino iniciado em 1987 e retomado em 2000. Houve manifestações de palestinos e confrontos com as forças de segurança israelense nos últimos dias. E alguns mísseis foram disparados da Faixa de Gaza para Israel.
Entretanto, o cônsul de Israel em São Paulo, Dori Goren, espera que essas manifestações não tenham tanto fôlego. Ele lembra que a última onda de protestos tinha um objetivo concreto. Em julho, depois que dois árabes israelenses mataram a tiros dois policiais na Esplanada das Mesquitas, na cidade velha de Jerusalém, Israel instalou detectores de metais nos portões de acesso às mesquitas. Diante dos protestos, os detectores foram retirados. “Não vejo a possibilidade de os EUA mudarem sua decisão por causa dos protestos”, raciocina Goren. “Quando não há um objetivo claro, é difícil manter manifestações por muito tempo.”
Quem tem um objetivo claro é o presidente russo, Vladimir Putin. Depois de condenar a decisão de Trump, ele visita nessa segunda-feira o Cairo e Ancara, para conversar com os presidentes do Egito, marechal Abdel Fattah al-Sisi, e da Turquia, Recep Tayyip Erdogan. O encontro com Sisi já estava agendado anteriormente. Com Erdogan, foi combinado num telefonema, no qual os dois expressaram “séria preocupação” com a decisão de Trump.
No dia 20 de novembro, Putin recebeu no balneário russo de Sochi o ditador Bashar Assad, que foi abraçá-lo para lhe agradecer por ter “salvado a Síria”. As Forças Armadas russas, combinadas com milícias xiitas patrocinadas pelo Irã, ajudaram Assad a derrotar os rebeldes seculares apoiados pelos Estados Unidos e pela Europa e também os extremistas , incluindo o Estado Islâmico e a Frente Al-Nusra, uma franquia da Al-Qaeda.
Putin tem tido muito o que comemorar no Oriente Médio. Ele também deveria dar um abraço de gratidão em Trump.